Em meados de fevereiro estive na sede da São Paulo Companhia de Dança (SPCD), no bairro da Luz, em São Paulo, para conversar com Iracity Cardoso e Inês Bogéa, diretoras artísticas da companhia. Era uma bela manhã de sexta-feira e o clima nas amplas salas do primeiro andar das Oficinas Oswald de Andrade era o mais ensolarado possível.
Em uma hora de conversa, Iracity e Inês falaram sobre a criação da companhia, as frentes de atuação, história e mercado da dança no Brasil e no mundo. “A gente quer contribuir para fortalecer o cenário da dança. Estamos em diálogo com muitas pessoas que fazem essa arte possível no país e cada vez mais isso tem que crescer. Todos os dias tem algo muito bacana que acontece pra você se emocionar e a gente acredita que é possível fazer um trabalho muito especial de dança aqui no país”, afirmou Inês já no final da conversa, mas de certa forma resumindo tudo.
Em 2007, ela e Iracity foram convidadas pelo então secretário de cultura do Estado, João Sayad, após algumas conversas com representantes da dança, para criar uma companhia estadual. “Isso era uma coisa que já se falava há muitos anos. Mas eu era muito cética e não achava que fosse acontecer, porque apesar da dança já estar se desenvolvendo em São Paulo, um projeto dessa envergadura nenhum político antes havia assumido”, conta Iracity.
Inês lembra que a classe paulista tinha interesse na criação da companhia, porque é um espaço de atuação para bailarinos, coreógrafos, ensaiadores, fotógrafos, figurinistas, fisioterapeutas, cenógrafos, iluminadores, toda uma área criativa e toda uma área de manutenção cotidiana da companhia. “O número de pessoas que uma companhia como essa contrata, além do quadro fixo, é bem alto.”
Foram mais ou menos seis meses do dia em que Sayad as convidou para fazer o projeto até ele ser efetivamente apresentado. “Metade do ano de 2007 a gente passou organizando, discutindo com ele todas as ideias, consolidando um projeto. Em janeiro de 2008, nós iniciamos os trabalhos”, lembra Inês.
Nascimento – O processo de seleção dos bailarinos envolveu audições não apenas em São Paulo, mas também em grandes cidades do Norte, Nordeste, Sul e até em Buenos Aires. Inês afirma que a ideia de viajar o país surgiu porque São Paulo é uma cidade cosmopolita, que tem gente do mundo todo e brasileiro de todo lugar, e a companhia deveria representar essa diversidade de artistas. “E também, por morarmos num país com dimensões continentais, possibilitar aos bailarinos das diversas regiões o acesso à entrada na companhia, e dar conhecimento ao Brasil desse evento tão importante na área da dança que é a criação de uma companhia com verba pública”.
Foram 800 inscritos para 40 vagas e o objetivo de ter gente de todo o Brasil atingido. Mas a companhia ainda não tinha uma casa. “Procuramos por muito tempo, porque é muito difícil conseguir pé direito alto, dimensão de salas, possibilidade de camarins e banheiros para 40 bailarinos”, explica Iracity. O primeiro andar das Oficinas Oswald de Andrade foi adaptado e a companhia começou efetivamente a nascer.
O documento de lançamento, apresentado em janeiro de 2008, funcionou como uma carta de intenções e já trazia a ideia de dois espetáculos, além de um projeto artístico pedagógico. E apesar de algumas adaptações, necessárias a qualquer ideia, tanto Inês quanto Iracity acreditam que o objetivo principal da companhia foi atingido desde o princípio.
“Desde o começo a nossa proposta era atuar em três frentes principais da dança: 1) produção e circulação de espetáculos, que é a nossa principal atuação; 2) registro e memória da dança, que é pensar como a dança se estruturou no país e contribuir para a reflexão sobre essa arte; e 3) programas educativos e formação de plateia em dança. Essas três vertentes são integradas e estão desde a proposta inicial. A cada ano existe uma adequação no plano de trabalho, mas sempre mantendo o principal, que é o projeto da companhia, com todas as suas vertentes”, explica Inês.
Na SPCD, todos os profissionais têm um contrato de trabalho, com registro em carteira e todas as garantias que isso lhes confere. “A dança em geral sempre ficou muito no evento. Os grupos têm um pouco de dinheiro, ganham um fomento, mas depois é difícil manter a continuidade do trabalho. Os funcionários aqui têm uma garantia de sobrevivência, inclusive salarial, para que possam se dedicar 200% a esse projeto, ao seu desenvolvimento e continuidade. Porque 100% é pouco”, afirma Iracity.
Além disso, há um programa de desenvolvimento de talentos internos, para que os bailarinos experimentarem novas áreas de atuação, como por exemplo educadores, coreógrafos e ensaiadores. Foi desse programa que surgiu uma das ações nas estações do metrô – o bailarino Milton Coatti criou as coreografias apresentadas: Sensorial, um contemporâneo que levou ao espaço todos os 35 bailarinos da SPCD, e a coreografia na qual a plateia foi convidada para dançar com os bailarinos.
Mercado da dança – Perguntei às duas por que dificilmente vemos discussões, pelo menos na imprensa, sobre o mercado da dança. Diferentemente de todas as discussões que costumamos acompanhar sobre música, teatro e cinema. Iracity concordou que realmente se fala muito pouco sobre o mercado da dança, mas não porque não exista público.
“De 2005 pra cá começa a haver uma mobilização, com os editais de incentivo à dança, uma sala especial pra dança na Galeria Olido (SP), então aí começa a se desenvolver o mercado além das companhias que já existiam há 40 anos, como é o caso do Balé da Cidade, do Stagium, do Cisne Negro. A dança começou a se desenvolver, porque as pessoas tiveram a possibilidade de fazer. Além disso, temos um outro mercado que sempre existiu, que é o dos festivais de dança, mais amador, mas que tenta cada vez mais entrar e apoiar as organizações profissionais, fornecendo elementos e jovens bailarinos”, explica Iracity.
Para Inês, a dança no Brasil é forte, com bailarinos que optam por permanecer no Brasil e outros que decidem sair. “Tem bailarino brasileiro dançando no mundo todo. E além de todos esses eventos importantíssimos que a Iracity falou, há o mercado dos musicais, que agora está forte; há a ópera, que também está contratando muitos bailarinos… existe um movimento maior nos anos 2000, que nos lembra a década de 70.”
Nos anos 70, Iracity lembra que, apesar da ditadura militar e todos os problemas políticos que os artistas enfrentavam, a dança teve um desenvolvimento enorme, sobretudo porque não sofria censura. “Porque não havia texto, então a dança se permitia coisas que às vezes o pessoal de teatro tinha mais dificuldade. Mas a dança era muito aliada ao teatro. Foram as primeiras experiências de atores fazendo dança e bailarinos fazendo teatro, uma época riquíssima. Depois surgiram outras coisas, como o Grupo Corpo (Minas Gerais), o Quasar (em Goiás), a Debora Colker (Rio de Janeiro). São essas que saem na mídia, mas existem muitas outras acontecendo”.
Para Inês, a dança sempre vai querer mais espaço na mídia, não só para discussões sobre politica cultural, mas também para a própria contextualização e reflexão sobre a área. “Nesse sentido, a SPCD acaba procurando dar espaço pra isso, com os programas de memória e educativos”, indica Inês.
Educação e memória – A SPCD promove dentro de seu programa educativo: espetáculos especiais para grupos de estudantes – nos quais se apresentam trechos dos espetáculos e parte do processo coreográfico em vídeo, além de os estudantes receberem folhetos informativos com ilustrações de cartunistas –; palestras para os professores – contextualiza a dança nas diferentes disciplinas do ensino regular –; e oficinas para bailarinos – ministradas pelos professores e ensaiadores da São Paulo nas turnês.
“Os programas dos espetáculos da companhia trazem espaço também para ilustrador, desenhista, artista plástico, texto de um autor do mercado – que vem ver a companhia e dialogar com a gente, pra ampliar a reflexão – fotógrafos… é uma tentativa sempre do diálogo com as diferentes áreas artísticas e também com os especialistas da dança, procurando dar ao público a condição de ser mais crítico, mais informado, a partir do entendimento do que cada obra propõe. A gente entende a companhia como um espaço de diálogo com artistas e pesquisadores da dança, mas também com a comunidade em geral”, afirma Inês.
No programa de registro e memória, a SPCD traz a série de documentários “Figuras da Dança”, nos quais os artistas revisitam sua história em diálogo com interlocutores por meio de depoimentos públicos, gravados no Teatro Franco Zampari, e o “Canteiro de Obras”, documentário que traz registros sobre os processos de criação da companhia. As duas séries são exibidas na TV Cultura e distribuídas para bibliotecas e universidades. Já são 27 documentários e 3 livros de ensaios.
Apesar de não existirem muitos livros de dança ou um dicionário da dança no Brasil, os estrangeiros são muito curiosos e, segundo Iracity, estão sempre pedindo material. “Existem programas de memória em TV, mas não existe um material que vá para as bibliotecas, universidades, escolas. Não é uma coisa tão tangível, e isso é importante. Por isso previmos essas ações no nosso projeto inicial, com previsão de orçamento. É um trabalho muito grande, com nível de excelência, que requer uma pesquisa enorme da equipe interna, além dos escritores e profissionais de fora”, conta.
Ela também explica que, no exterior, existem editoras (livros) e TVs (documentários) que fazem a memória da dança, então não é preciso que uma companhia se preocupe em fazer isso. “Aqui no Brasil nós temos que fazer isso, senão não tem memória”, lamenta.
Mas nem tudo está perdido, acredita Inês: “Existem muitos pesquisadores no Brasil envolvidos com produção de memória, existe um movimento com relação à memória da dança no país. Então, se a gente pensar que a dança ainda é jovem por aqui, temos condição de fazer uma produção sistemática, com continuidade.”
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