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Se Conselho fosse bom, ninguém dava

Afinal de contas, quem precisa de conselho para determinar os rumos culturais de toda uma sociedade? Quem pode ter interesse nisso? A sociedade? Não, não creio. A promessa de cidadania passa necessariamente pelo abandono das nossas escolhas para nos submeter à idéia afunilada de um grau de cultura e estética pré-determinadas? É essa a idéia que construirá o cenário de cultura de um país ou de um indivíduo?

Um conselho aconselha o quê? Diretrizes, obediência de quem a ele se submete? A arte é mesmo isso? Uma obediência cega ao mandado de senhores a serviço dessa dicotomia, bem ou mal, certo ou errado, culto ou inculto, cultura cristã ou pagã, nobre ou plebeu, preto ou branco? O conselho não aconselha, ele dirige, ele impõe nossos sentimentos, ele obedece e quer nos fazer obedientes a um estatuto, ele quer que deformemos um pensamento independente para nos submetermos a um formato determinado por ele.

Esses valores construídos por técnicas previamente definidas, por um conceito “civilizado”, querem exatamente o quê? Amordaçar sentimentos, impedir quebra de fronteiras, produzindo recalques, complexos, inferioridade, insistindo numa dinastia, numa liturgia, numa hierarquia social? Somos assim tão manipulados, perdemos ou nunca tivemos autonomia em nossos mínimos sentidos de liberdade?

Temos medo de perder o quê? De perder a segurança de uma eternidade que sabemos com certeza que não temos? Por que aceitamos tanta irracionalidade? Ruim com ela, pior sem ela? Somos assim mesmo tão covardes em defesa da carne? Não, a arte não pode ser só isso. Não podemos jogar o país inteiro, toda a escolha da sociedade em mãos de juntas, de conselhos impregnados de uma idéia pequena de cultura do tamanho de suas mesas de reunião.

Resta-nos saber se vamos demolir toda essa estrutura montada, toda essa farsa que a cada dia ganha mais campo, mais espaço? Não seria pra nós um grande ganho, pelo menos, na liberdade de escolha? Ou é melhor continuarmos com essa estrutura nociva a sociedade? 

O conselho, em sua organização político/social, obedece a uma norma que não é a da sociedade. Esses juízes já estão com a sentença na mão, se fazem de independentes, mesmo que essa independência lhes custe a dependência de um aprendizado prévio, de uma catequese acadêmica, de um planejamento corporativo, de mentiras e verdades construídas em busca de uma falsa democracia, de exclusão imantada de inclusão. Como poderemos construir o futuro da cultura se obedecemos a padrões do passado, assim de forma técnica, de imposição conceitual estruturada numa perversa idéia de tradição estética que atenda aos anseios de um grupo social que chegou mais perto dos beneficios da política de domínio de pequenos grupos sobre a massa produtiva?

Se a cultura é só isso, ela não tem valor algum, ela não é mais que um produto descartável, que um sabonete, que uma caixa de fósforos e então, disputa espaços dentro de um mercado comum e com grande dificuldade por não ser, em sua essência, palpável. Nossas contradições vivem a nos dar rasteiras, a nos colocar diante desse impasse, cultura e sociedade, sociedade e cultura. Vamos obedecer a valores com alguma forma de dependência, o que se torna um emaranhando, um complexo de questões que nos empurra ainda mais para um buraco negro sobre o valor da cultura para uma sociedade em sua própria estruturação. Estaremos sempre diante de questões que põem em lados opostos cultura e arte e, consequentemente outros processos se deflagrarão entre arte e artista, entre artista e conselho e os ecos desse processo estarão relacionados diretamente com conselho e cultura, com cultura e sociedade, com sociedade e conselho.

 

 

 

 

 

Carlos Henrique Machado Freitas

Bandolinista, compositor e pesquisador.

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