“A minha prioridade é preparar o Mamam para os próximos 10 anos. Por isso, fiz um diagnóstico na transição para compreender as necessidades e condições da instituição e uma reforma estrutural foi a mais urgente. Uma reforma contempla outra prioridade: a acessibilidade plena do museu”.
Esta é a terceira entrevista da série realizada com curadores de importantes museus brasileiros, realizada por Cores Primárias (conheça aqui), site parceiro de site parceiro do 100canais, núcleo editorial do Cultura e Mercado. Nas semanas passadas, publicamos a entrevista com o curador do MAM de São Paulo, Felipe Chaimovitch (leia aqui) e com a curadora do MAM da Bahia, Solange Farkas (leia aqui).Nesta semana, trazemos os depoimentos de Cristiana Tejo, que assumiu a curadoria do Mamam de Recife.
Para Cristiana Tejo, substituir Moacir dos Anjos na direção do Mamam de Recife é tarefa que lhe dá, ao mesmo tempo, um certo alívio, mas coloca-a à frente de novos e sérios compromissos. Para ela, o ex-curador desenvolveu um projeto exemplar durante esses últimos 4 anos, porém há muito a ser feito . Não só pelo fato do museu ser novo, com somente 10 anos, como também pela curta tradição curatorial existente no Brasil.
Manter o museu ativo e dinâmico para atender aos interesses e necessidades da sociedade e responder também aos desafios contemporâneos requer, de acordo com propósitos da nova curadora, uma firme postura para manter parâmetros de qualidade e constante profissionalização da equipe além de garantir o mais amplo acesso ao museu de seus diferentes públicos. Por onde começar? Cristiana pensa a longo prazo, nos próximos dez anos. E, de acordo com os levantamentos preliminares, as mudanças estruturais são as mais urgentes: serão necessárias reformas no antigo prédio do museu, de cima abaixo; criar condições adequadas para preservação do acervo e para recepção de públicos específicos, como deficientes visuais e auditivos; melhorar e ampliar o atendimento do setor educativo aumentando suas responsabilidades.
Difícil mesmo é fugir da dupla jornada que se concentra nas mãos dos novos curadores: a gestão dos museus com todo o enrosco administrativo e as funções de curadoria, que envolvem pesquisas, reflexões sobre o acervo. O “diretor-curador brasileiro”, ou “malabarista”, como diz Cristiana, deve ter elasticidade, mas não pode acomodar-se a uma situação que não é normal.
Cores Primárias – Como você chegou à direção do museu?
Cristiana Tejo – Eu nunca trabalhei antes em museus. Minha experiência deu-se majoritariamente na área de curadoria. Coordenei por quase cinco anos o setor de Artes Plásticas da Fundação Joaquim Nabuco, instituição pública federal. Esta foi minha grande escola. Na instituição, eu era responsável por pensar a linha curatorial em artes, gerenciar uma equipe multifuncional, firmar parcerias, levantar recursos, promover cursos e debates e organizar as mostras de artistas emergentes. Neste período, implementei um setor educativo e ajudei a instalar um acervo de videoarte internacional que tem acesso público numa videoteca. Paralelamente, participei de diversos projetos curatoriais, como o Programa Rumos Artes Visuais 2005-2006 e os 46 e 47 salões de Artes Plásticas de Pernambuco. Sempre fui muito ligada ao museu porque fiz parte da diretoria da Sociedade de Amigos do Mamam durante 4 anos e minha instituição e o museu trabalharam em parceria muitas vezes.
CP – Decorrido mais de um mês de sua posse como diretora do Mamam – Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, de Recife, como você avalia o trabalho de seu antecessor, Moacir dos Anjos. O que deve ser mudado ou permanecer como está?
CT – Moacyr dos Anjos desenvolveu um projeto exemplar, que ampliou e fortaleceu o acervo da instituição, promoveu mostras pensadas pelo museu que geraram publicações de grande qualidade. No entanto, o Mamam é uma instituição jovem, completa seu décimo aniversário neste ano, e ainda está em formação, há muito a ser feito. Penso que a postura propositiva e uma filosofia estruturadora têm que continuar. O museu tem que ser ativo e dinâmico para atender aos interesses e necessidades de sua comunidade e responder bem aos desafios contemporâneos. Os propósitos de manter um parâmetro de qualidade que contribua para a ampliação do olhar local e a constante profissionalização da equipe devem ser mantidos. Talvez o que ainda fique a desejar e que tenha que ser melhorado é a questão da acessibilidade do museu no mais amplo sentido da palavra. Além de reestruturar o acesso físico, o Mamam precisa se preparar para atender a públicos de todos os tipos, tornar-se mais visível para a sociedade local. Sua articulação tem que ser ampliada para aproximar mais parceiros e aumentar seu orçamento para ser revertido em atividades museológicas e qualificação do acervo.
CP – Qual é a demanda de artistas e sociedade locais em relação ao Museu. Como você poderá atendê-los.
CT – Acho que a principal reivindicação dos artistas é que o Mamam volte a ser um museu prioritariamente local, que mostre mais artistas pernambucanos. No entanto, acho que há muitas maneiras de participação e representação da arte local e lutar por reserva de mercado não faz mais sentido para uma instituição que se nacionalizou. Meu intuito é preencher lacunas da coleção com artistas locais importantes e que não têm muita expressividade em nosso acervo, assim como gostaria que, além da incorporação de obras de artistas nacionais ainda não representados no acervo, tivéssemos conjuntos significativos dos artistas já presentes na coleção. Acredito que a melhor contribuição que o Mamam pode dar para os artistas e sociedade locais é ser um museu de excelência.
CP – Quais as suas prioridades? Você fala em ampliação de acervo, em recuperação do setor educativo, nas reformas do prédio, em grandes e pequenas mostras … por onde começar?
CT – A minha prioridade é preparar o Mamam para os próximos 10 anos. Por isso, fiz um diagnóstico na transição para compreender as necessidades e condições da instituição e uma reforma estrutural foi a mais urgente. O prédio está em utilização ininterrupta por 10 anos e é uma construção do século XIX, precisa de cuidados e reparos. Uma reforma contempla outra prioridade: a acessibilidade plena do museu. Ou seja, ao fechar o museu por 4 meses para renovar a parte elétrica e luminotécnica, instalar elevador e reestruturar os banheiros, renovar a climatização, fazer a sinalização do museu e reformar o café, atenderemos a duas prioridades. O setor educativo do museu já estava em transição e incorporamos essa meta de nos comunicarmos melhor com nosso entorno e nos prepararmos para receber um público mais diversificado do que as escolas, que vem sendo o nosso público mais constante e numeroso. Em breve, teremos capacitações de línguas estrangeiras e sensibilizações de como lidar com deficientes auditivos, visuais, cadeirantes e turistas. As mostras já são uma rotina e já iniciamos sondagens e elaboração de mostras de artistas que acreditamos serem importantes para atualizar a comunidade local.
CP – Em relação ao resgate de alguns artistas esquecidos, você fala exatamente de que artistas, por exemplo?
CT – O resgate de artistas esquecidos pode ser uma consequência de um grupo de pesquisa que estamos estruturando no Mamam. A intenção do grupo é ajudar a diretoria do museu a identificar obras de artistas locais importantes e pouco ou não representados no acervo. Questionamo-nos sobre qual a história da arte local estamos contando. Esse será um processo lento e estudado e acreditamos que podemos contribuir para um acervo imaterial de dados e reflexões críticas sobre a arte local.
CP – O que está previsto para este ano?
CT – O calendário ainda está um pouco indefinido por conta da reforma. Gostaríamos de iniciar a reforma em julho para termos o museu renovado em seu 10º aniversário. A certeza que temos é a data da primeira exposição (dia 03 de maio): individuais simultâneas de Jarbas Lopes, Martin Sastre e Ângela Detanico e Rafael Lain. Possivelmente, reabriremos o museu com mostras de Leonilson (já em processo de curadoria), Efrain Almeida e um artista jovem ainda em negociação. Em seguida, teremos uma mostra das Cosmococas de Hélio Oiticica. A programação do Mamam no Pátio está fechada para este ano, teremos mostras de artistas selecionados e convidados. O museu realizará palestras, seminários e cursos no decorrer do ano. As parcerias estão sendo fechadas.
CP – Você poderia nos falar um pouco sobre o Museu, seu acervo, seus artistas, o papel que joga no universo cultural da cidade.
CT – O Mamam é o principal museu do Recife. Abriga cerca de 1.100 obras, sendo os pontos altos da coleção um conjunto de 8 obras de Vicente do Rego Monteiro, dos anos 1920, a coleção quase completa de gravuras de Gilvan Samico e Cenas da Vida Brasileira, de João Câmara. Há ainda obras de Cildo Meireles, Vik Muniz, Adriana Varejão, Nelson Leirner, Rosângela Rennó, Rivane Neuschwander, Ernesto Neto entre muitos outros artistas importantes. O meio artístico local reconhece o museu como um lugar de excelência. Por isso todos querem expor nele. Para a sociedade local a instituição ainda está em vias de legitimação, mas já é considerada um lugar onde se encontra arte de qualidade.
CP – Felipe Chaimovictch diz que não há modelos a seguir na gestão dos museus modernos (leia aqui), tudo tem que ser inventado. Você concorda com essa afirmação ou os diretores anteriores deixaram boas pistas a seguir?
CT – Concordo em parte. Museu é uma instituição muito recente no Brasil e ainda está em formação, dialogando com modelos e questionamentos internacionais e necessidades locais. Cada local tem especificidades culturais, financeiras, patrimoniais que moldam tipos de gestão. No entanto, esta curta trajetória institucional no Brasil sedimentou modelos possíveis que são adaptados de acordo com desejos e possibilidades. Há um consenso de que todos devem buscar uma estruturação financeira e de equipe. Agora, como será a forma de corresponder à missão esperada de um museu dependerá de características e possibilidades locais. Possivelmente as respostas serão um pouco diferentes de um lugar para o outro.
CP – Como você vê a dupla jornada dos novos curadores, acumulando a direção das questões administrativas com as funções de curadoria (dá pra fazer tudo? Pesquisa nos acervos, decisões de programações, contatos com parceiros, pessoal, etc?)
CT – Assim como os museus ainda estruturam-se e seguem modelos diferentes do exterior, a gestão cultural também está sendo estruturada de acordo com nossas especificidades. Em instituições internacionais a realidade é outra. Os curadores detêm-se na pesquisa prolongada de um artista ou questão com anos de antecedência. Há estabilidade institucional que permite isso. As equipes de pesquisa são numerosas, o acervo documental e bibliográfico é acessível, a verba para pesquisa é razoável. No Brasil, a profissionalização do meio é recente, as instituições são instáveis e lutam pela sobrevivência e legitimidade. Como já começamos a trabalhar como malabaristas não temos outros parâmetros ou experiências anteriores para balizar nosso trabalho. O diretor-curador brasileiro tem que ter muita elasticidade para lidar com todas as demandas e faz o que é possível. Já é um avanço quando pessoas são escolhidas por questões técnicas e não políticas. Obviamente, não podemos nos acomodar com esta situação e simplesmente achar que é normal. Temos que trabalhar sempre com a perspectiva de refinamento e melhoria dessas condições.
CP – Após uma semana da sua posse, você esteve na China por meio da indicação de uma Instituição Holandesa, a Het Domain. Como foi essa sua experiência, poderá resultar em alguma exposição?
CT – Minha viagem à China foi justamente para afinar a parceria do Mamam no Projeto Made in Mirrors, proposto pelo Museum Het Domein, em Sittard, na Holanda. É um projeto de intercâmbio muito interessante, que se desenvolverá em 4 anos. Há ainda um outro parceiro, o Vitamin Creative Space, de Guangzhou, na China. Teremos em 2008 intercâmbios, residências artísticas e curatoriais entre Recife, Sittard e Guangzhou. Enviaremos e receberemos artistas, curadores, arquitetos e pensadores e o resultado desse processo não será necessariamente exposições. No entanto, Mamam e Het Domein já começaram a discutir possíveis intercâmbios de acervos entre nossas instituições, que podem acontecer em 2008 ou 2009.
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(*) Margarida Nepomuceno é editora do site de jornalismo especializado em história das Artes Visuais, Cores Primária, parceiro do 100canais, núcleo editorial do Cultura e Mercado.(visite aqui).
Margarida Nepomuceno*