Chega a ser cruel comparar o permanente e irradiante sucesso de nossa música com o relativo e inconstante sucesso de nosso cinema. Por que tanta diferença? Nosso cinema gosta de “culpar” o imperialismo ianque, mas por que será que o imperialismo ianque não consegue também destruir a pop star Ivete Sangalo e nem coibir o surgimento de novas estrelas como Criolo? Explicar tudo apenas pela economia pode ser confortável para o corporativismo dos realizadores artísticos que não querem nem ouvir falar de críticas a obra e ao seu próprio metier. Mas convenhamos que culpar os gringos é simplista demais. A economia é obviamente parte do problema, mas quando vejo pessoas reduzindo tudo a economia minha vontade é parodiar a campanha de Clinton e dizer: “é a estética, estúpido”. O fato é que temos ao menos que considerar a hipótese de que, ao comparar cinema e música tupiniquins, percebamos alguma diferença no ambiente criativo e no pensamento estético dos realizadores. Haverá diferenças? Alguém arrisca uma hipótese? Como sou eu que escrevo vou arriscar uma: o cinema brasileiro não teve o Tropicalismo.
O Tropicalismo também rompeu a dicotomia entre indústria e vanguarda. Caetano ocupa a Globo e toca o brega Peninha com o refinamento estético de João Gilberto, conquistando o “povo” e a crítica. Qual filme brasileiro faz isso? Poucos, muito poucos. Em épocas de aumento da classe C é chegada a hora de nosso cinema aprender com o Tropicalismo e saber dialogar com o kitsch e com as estéticas bregas. Só assim chegará à televisão e à indústria de massa e realmente conquistará o público. Nem de leis precisaremos mais.
Pensar tropicalisticamente dissolve a maioria das falsas questões que tem consumido nosso ambiente audiovisual. Caetano elogia o É o Tchan, pois percebe o espetáculo da banda. E recria com os bregas de forma refinada. Enquanto isso, nosso cinema ainda fica perdendo tempo achando que o problema do cinema independente é que o Daniel Filho faz sucesso. Daniel Fiho fazer sucesso apenas abre portas, no mínimo traz o público da TV para o cinema. Um caminho não exclui o outro e temos que começar a vibrar alto e perceber que estamos no mesmo barco.
Por fim, e não menos importante, o Tropicalismo sempre foi político. Político no sentido mais amplo da palavra: na ocupação do mercado, na defesa da diversidade cultural (vide o trabalho artístico e político de Gil) e também na intervenção estética. O cinema brasileiro morre de medo de ser político, pois ainda reduz a política às concepções dos anos 60. O Tropicalismo percebeu, já nos anos 70, que o prazer e a alegria eram bandeiras políticas. Nosso cinema, geralmente, ainda está preso no que Ismail Xavier chamou de Estética do Ressentimento. E, cá entre nós, não é para menos. O cineasta vive um verdadeiro ambiente infernal e não criativo. Enquanto o músico cria, o cineasta brasileiro presta contas. Mais que qualquer outra arte, o cinema, talvez por ser caro, virou refém da burocracia. É tanto esforço para conseguir fazer o filme, tanto esforço, que na hora da filmagem o cineasta leva aquilo muito a sério. Muito a sério mesmo. Tão a sério, que fica chato. Quem já foi à filmagem sabe que o profissionalismo é o básico, mas o diferencial é o prazer da criação ao vivo. O prazer bate na tela e seduz o público. A ausência de prazer torna o filme burocrático, distanciado. Temos que criar condições de que a produção industrial não tire o prazer do cineasta em criar ao vivo. Muito se fala da responsabilidade social do artista e pouco se fala de sua necessária irresponsabilidade criativa. Falta a parte lúdica e é ela que seduz o público. Isso significa mudar o modelo de produção e parte disso é reduzir a burocracia. Temos que entender que para ser profissional em arte temos que ter momentos totalmente antiprofissionais.
Por tudo isso, afirmo: temos que ter urgente uma revolução tropicalista em nosso cinema. E só podemos fazer isso juntos. A cereja do bolo para conquistar os cineastas: queremos sucesso, é claro. Mas queremos mais prazer criativo e queremos também nos divertir na criação. E o melhor: as duas coisas estão intrinsecamente ligadas.
*Publicado originalmente na Revista de Cinema
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