Sociedade e Estado na formulação das leis de apoio à cultura*

Nos últimos anos, o tema Cultura ganhou um importante espaço no cenário político mundial. O Brasil segue essa tendência com o desenvolvimento de estruturas normativas que versam sobre o assunto, gerando uma nova postura do Estado e da sociedade civil. Essa relação tem essência dialética, onde a tese são os atos do Estado, mantenedor do status quo; a sociedade plasma-se, na antítese, e se recusa a aceitar o Estabelecido; por último, as leis figuram como síntese no fito de garantir a efetivação de direitos. A negação é a essência da dialética, a antítese se apresenta à tese negando-a em um movimento de cancelar e manter elementos com vistas à superação, proporcionando o desenvolvimento de novas possibilidades.

Na Nova República era comum a isenção tributária como, por exemplo, para o artesanato. Em 1986, a Lei nº 7.505 batizada de Lei Sarney, por ter sido elaborada e promulgada pelo então Presidente, José Sarney, foi a primeira legislação federal de incentivo fiscal à produção cultural de forma mais abrangente. Em verdade, foi um importante passo no processo de valorização da cultura brasileira juntamente com a criação do Ministério da Cultura. A partir desses avanços, a Constituição Federal de 1988 definiu a proteção e o acesso à cultura no Brasil como um compromisso de Estado.

Os artigos 215 e 216 da Carta Magna, principais norteadores para criação de legislação específica sobre o tema, foram alterados pelas Emendas nº 42/2003 e 48/2005. Esses trazem a previsão da possibilidade de mais recursos financeiros para atividades culturais e atuação estatal planejada nesse setor, o que gerou um maior avanço nas políticas culturais em nível nacional com repercussões locais.

O legislador entendeu que os incentivos determinados pela Lei Maior são sobretudo de natureza fiscal. Em cima desse entendimento, editou a Lei nº 8.313 de 23 de dezembro de 1991, conhecida como Lei Rouanet, em referência ao seu idealizador, Sérgio Paulo Rouanet, Secretário da Cultura do então Presidente, Fernando Collor. O citado instrumento normativo instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura, o PRONAC que estabelece incentivos para produção e o conhecimento de bens e valores culturais, despertando assim a consciência do valor inestimável da cultura para o desenvolvimento humanístico, social e econômico das coletividades.

Essa lei trouxe em seu texto três mecanismos de fomento à cultura para efetivação dos Direitos Culturais, a saber, o Fundo Nacional da Cultura, o FNC; os Fundos de Investimento Cultural e Artístico, os FICARTs; e o Incentivo a Projetos Culturais, chamada também de Mecenato. Qualquer desses mecanismos pode ser acessado através da aprovação de um projeto apresentado ao poder público federal pelos produtores culturais. A rigor, cada um desses mecanismos tem destinatários diversos, o FNC para pessoas jurídicas sem fins lucrativos, os FICARTs para pessoa jurídica comercial e por fim, o Mecenato para ambos. Neste último, o proponente submete seu projeto ao MinC, sendo aprovado, recebe uma autorização para captar recursos junto aos contribuintes da Receita Federal. Os FICARTs, voltados para a indústria cultural, não deram certo, colocou todos no mesmo campo e gerou, assim, uma concorrência descompensada. Na captação de um recurso junto ao Mecenato, quem terá maiores chances frente a um empresário, o representante de um artista famoso ou um grupo artístico amador da periferia?

O projeto de Lei nº 6.722/2010 institui o Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura, o Procultura, que foi assinado pelo Ex-presidente Lula. A futura lei buscará ser mais abrangente e dinâmica, amplia os recursos da área, além de diversificar os mecanismos de financiamento com o intuito de fortalecer a Economia da Cultura no Brasil. Apresenta como novidade principal, entre outras, a renovação do FNC, além da tentativa de tornar os FICARTs mais atrativos. Estes deverão ser fortalecidos no intuito de evitar anomalias. Espera-se que sejam atacados os pontos fracos de todos os mecanismos presentes para que a relação com o Estado se torne mais isonômica oferecendo real efetivação do texto constitucional.

Pôde-se observar que essas leis se modificaram com a necessidade da sociedade em diálogo com o Estado buscando a superação de estágio anterior. O que se apresenta não é uma evolução normativa, e sim, a tentativa de adaptação à realidade hodierna. Em suma, é importante entender que a sociedade é a protagonista na proteção dos bens culturais e o Estado, por sua vez, segue o Princípio da Atuação Estatal como Suporte Logístico. No entanto, não se pode entender a atuação como mínima ou como inércia estatal. Para real materialização desses direitos, faz-se necessário que os tipos de mecanismos de financiamento existentes sejam aplicados aos casos específicos, ou seja, condicionados ao tipo de atividade cultural que se deseja financiar.

*Artigo da série do concurso cultural #Procultura, promovido pelo Cultura e Mercado em razão do seminário que acontece em São Paulo no dia 19 de maio de 2012.

José Olímpio Ferreira Neto

Graduando em Direito na Universidade de Fortaleza e pesquisador dos Direitos Culturais, especialista em Educação. Membro do Núcleo de Estudos Internacionais.

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