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SOFTWARES PROPRIETÁRIOS – Negócio da Índia em SP

Fapesp faz parceria com Microsoft para pesquisas em TI e com o The Museum of Fine Arts de Houston para pesquisa de arte.

A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e a empresa estadunidense Microsoft lançaram no começo de abril um edital conjunto de pesquisas, fundando o Instituto Microsoft Research–FAPESP de Pesquisas em TI. Na ocasião, lançaram ainda a primeira chamada de propostas, que receberá projetos até 11 de junho.

Previsto para funcionar como uma espécie de colegiado de gestão do convênio, o Instituto selecionará e acompanhará os projetos. Para a primeira chamada, estão previstos US$ 500 mil e, para o projeto como um todo, US$ 800 mil, sendo, de acordo com o convênio, US$ 400 mil da Microsoft nos próximos três anos. Não há informações sobre a quantidade de recursos que será despendida para a gestão do Instituto, nem se terá origem na Fapesp ou na Microsoft ou informações sobre a eventual remuneração do Comitê Gestor, bipartite, que será responsável pelo convênio.

Fato concreto é que se trata de um investimento em pesquisa de ponta, com potencial “econômico e social”, como colocado no termo de convênio, ou seja, “buscando projetos que avancem o conhecimento e pensem no desenvolvimento econômico e social, ponto que a Fapesp tem valorizado desde os anos 90, talvez pela percepção de que boa pesquisa pode gerar benefícios à economia e à sociedade, que devem ser explorados ao máximo, pois o investimento é feito com dinheiro do contribuinte”, coloca o professor Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fapesp. Rogério Panigase, Gerente de Programas Acadêmicos da Microsoft, reforça o coro positivo, dizendo que “pensamos em algo próximo a um termo, um chavão: sustentabilidade. Interessam-nos projetos que criem um ciclo positivo, criando empregos e uma cadeia produtiva, através de inovações em TI ou do uso criativo de inovações pré-existentes, gerando conhecimento e produtos com um fim prático, para os quais se fará necessária uma patente”.

Mas o próprio Brito Cruz mostra-se realista quanto ao potencial do edital, ao colocar que “Não sabemos ao certo que tipo de proposta virá, se usarão softwares, tecnologia de ponta de outros países ou se gerarão conhecimento relevante para patentes”.

Por dentro do “negócio da Índia”
O convênio justifica-se em três pilares básicos: facilitar o acesso às novas tecnologias, inclusive facilitando acesso para deficientes físicos, para a população de baixa renda e analfabetos funcionais, inclusive apostando na convergência com celulares, palm tops e aparelhos afins e para soluções em interfaces; gerar soluções de TI para o gerenciamento de bancos de dados e a facilitação do acesso à informação; e fomentar o desenvolvimento de aplicações relacionadas a fornecimento e gerenciamento de serviços de saúde e de educação. O foco, portanto, não estaria no simples desenvolvimento de tecnologias, mas no domínio de sua aplicação.

De qualquer forma, embora envolva mais de um milhão e meio de reais – para efeitos comparativos, em 2006, a fundação contou com R$522 milhões, R$ 72,3 milhões somente em “Pesquisa para Inovação Tecnológica” – a importância para o projeto não é a quantidade de recursos alocados, mas o potencial que ele traz para o fomento à pesquisa no país e como inserção da Microsoft no dia-a-dia das universidades nacionais, inclusive propondo direcionamentos para as pesquisas através do Comitê Gestor do convênio.

O Brasil é hoje um dos maiores mercados do mundo para softwares e hardwares de informática, movimentando algo em torno de 16,2 bilhões de dólares em 2006, segundo a consultoria International Data Group. Em softwares foram 3,26 bilhões, pouco para um mercado global de 662 bilhões, mas números respeitáveis, especialmente se levarmos em conta os investimentos previstos com a TV e o cinema digitais, o potencial de informatização do setor público e as diversas políticas de inclusão digital das últimas gestões do executivo, em diversos municípios, estados e no âmbito federal. Além disso, o setor tem como característica a pesquisa por grandes empresas em laboratórios de diversos países, potencializando investimentos no Brasil, que tem potencial de crescimento, inclusive para exportação. Em 2005, o país exportou 35 milhões de dólares em software. Estamos longe de ser a Índia, atual líder no mercado, mas eles também estavam longe da importância que têm agora, há poucos anos atrás. Em comum: uma grande população, liderança em sua região geográfica e universidades com potencial para pesquisas em TI.

Estes motivos podem até ser suficientes para a Fapesp, um órgão governamental e interessado no desenvolvimento da economia local. Mas onde entra a Microsoft nisso? “A Microsoft é a empresa de tecnologia que mais investe em pesquisa no mundo e essa parceria é um passo fundamental na consolidação do nosso país como plataforma de pesquisa em TI”, declarou Michel Levy, presidente da Microsoft Brasil, à imprensa. Mas qual o objetivo, político inclusive, desse investimento?

O objetivo declarado diz respeito ao que a Microsoft coloca como uma diretriz para sua atuação, de acordo com Panigase: investir em projetos sociais, especialmente os focados em pesquisa com fundo social e em educação como um todo.

Outro objetivo, presente na chamada de projetos, é o de “criar laços de colaboração e um relacionamento sustentado com os pesquisadores do Estado de São Paulo e seus colaboradores latino-americanos”. Ou seja, é o objetivo político de se aproximar dos centros de pesquisa, indo ao encontro dos recentes pólos de pesquisa instituídos pela última gestão estadual, que já previam parcerias entre o poder público e a iniciativa privada.

Sem contar ganhos com marketing direto e indireto sobre os consumidores, acadêmicos ou não, e a possibilidade de inserção em mercados subexplorados, como o dos analfabetos funcionais. Estes mercados ou não utilizam soluções de TI, ou utilizam soluções não licenciadas (softwares piratas) ou ainda soluções em sistemas isentos de direitos autorais. Exemplo prático? A rede de telecentros em São Paulo, que usa o sistema Linux e é único ponto de acesso para diversas comunidades carentes da cidade, ou as Lan Houses que se multiplicam na periferia, com Linux ou sistemas proprietários não licenciados, como mostra a matéria do repórter Carlos Gustavo Yoda (leia aqui).

Uma tal propriedade intelectual
Para fechar o bom negócio, é previsto na chamada de projetos o registro de toda e qualquer propriedade intelectual, colocado da seguinte forma: “CONSIDERANDO que as partes desejam que os projetos de pesquisa resultem na publicação de artigos científicos, na geração de propriedade intelectual, na incubação de novas micro e pequenas empresas, no envolvimento de estudantes de nível superior nos projetos e na obtenção de fontes de contrapartida financeira de outras agências aos projetos…”.

Pelas regras da chamada, patentes e quaisquer outras formas de registro de propriedade intelectual de inventos originados no projeto deverão ser registradas em nome da Instituição Sede do pesquisador principal, prática comum nos convênios da Fapesp e prevista na legislação nacional. Mas as “boas novas” começam com o licenciamento não-exclusivo e sem royalties de qualquer propriedade intelectual à Fapesp e à Microsoft, como contrapartida pelo apoio, e a Fapesp receberá parte dos dividendos que forem eventualmente gerados a partir do resultado da pesquisa. A Microsoft tem ainda a possibilidade, prevista em contrato, de negociar uma licença exclusiva de exploração da descoberta, não excluindo o direito do pesquisador de usar a tecnologia para fins de pesquisa e ensino. Por sua vez, o pesquisador tem de tomar cuidado ao não propor projetos que utilizem tecnologias de propriedade regida por o que se chama de “licença excluída”, ou seja, tecnologias que não permitam registro de propriedade intelectual dos resultados, embora não seja excluída a possibilidade de uso de tecnologias de “fonte aberta”.

Tanto para os pesquisadores da Microsoft quanto para os da Fapesp a necessidade de registro de patente não é algo que limite o impacto e a utilidade pública dos resultados dos projetos. Panigase coloca que a patente ficaria restrita a tecnologias com utilidades práticas, no caso de iniciativas criativas, que unam o potencial de utilização instrumental com a inovação científica, sobre os quais é importante a patente, ainda que a licença, se não for exclusiva da Microsoft, permita a exploração dos resultados da pesquisa sem custos. Avanços científicos que não geram produtos geralmente são deixados de fora do registro, permitindo que outros pesquisadores usem-nos como pontos de partida.

Brito Cruz coloca, por sua vez, que a patente é necessária para permitir o investimento, seja na pesquisa ou na replicação de seus resultados, garantindo o retorno para o investidor em soluções de TI e Comunicação. “No país, há um imenso potencial, comercial inclusive, para se criar soluções nesta área, com diversos estudos e esforços neste sentido, como os do Ministério da Indústria e Comércio e do Ministério da Ciência e Tecnologia. Tais investimentos já mostraram bons resultados em diversos outros países e, por isso, a área recebe atenção na política de exportação industrial do governo federal”, completa o acadêmico.

Abordando o tema por um outro viés, o 8º Fórum Internacional de Software Livre (leia especial aqui) discutiu alternativas de pesquisa e licenciamento, especialmente em plataformas abertas ou livres. É, certo, porém, que a importância estratégica de soluções em TI e Comunicação que surjam desta iniciativa terão seu impacto social, quer como produto ou como tecnologia, dependente da postura ética das instituições de pesquisa e dos dois parceiros.

Enquanto isso, no Museu de Houston
Outra parceria recente da Fapesp é o convênio com o The Museum of Fine Arts de Houston (MFAH), divulgado no último dia 3. Coordenado pela historiadora da arte Ana Maria Belluzzo, o projeto, de nome Arte no Brasil: textos críticos do século XX, fará a pesquisa e análise de textos, manifestos, depoimentos e cartas pouco conhecidos produzidos por artistas, críticos e historiadores da arte entre as primeiras décadas do século 20 e os anos 1980, formando um banco de dados que será disponibilizado por meios digitais.

O projeto prevê ainda a edição de coletâneas, difundindo textos originalmente publicados em títulos já esgotados, revistas, catálogos de exposição e escritos inéditos, focado, sobretudo, em arte contemporânea. Serão investidos aproximadamente R$ 1,3 milhão nos primeiros dois anos de vigência do acordo, R$ 405,5 mil pela Fapesp e o restante pelo MFAH.

Guilherme Jeronymo

Morador do Campo Limpo (Zona Sul de São Paulo), é jornalista e mestre em comunicação, além de pesquisador no núcleo Alterjor, da ECA/USP.

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  • Incrível como algumas empresas são incapazes de ver e admitir a falência de seus modelos de negócios.

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