Conversando com o amigo Cristovão Tezza, o escritor Amilcar Bettega decidiu experimentar também uma plataforma de autopublicação. Seu livro de contos “Deixe o quarto como está”, de 2002, estava esgotado em edição impressa há quase 10 anos, mas ele queria que continuasse disponível aos leitores. “Minha ideia inicial era disponibilizá-lo na forma impressa. Mas como a editora que o publicou originalmente não demonstrou interesse em reeditá-lo, aproveitei para fazer a experiência da autopublicação, até para explorar um tipo de leitor que pode ser um pouco diferente daquele a quem o livro chegaria se fosse reeditado pelas formas tradicionais”, conta.
Na comparação com a edição tradicional, diz ele, a soberania total em todo o processo também é um aspecto relevante: você decide tudo, desde o tipo de capa até o preço do livro. Por outro lado, você vende sozinho também, ou seja, depende de você fazer o livro chegar ao leitor.
O português Luis Filipe Alves fez sua primeira autopublicação, uma compilação de microcontos, em 2011. “Fiz porque tinha curiosidade e porque me agrada a ideia de não depender de ninguém para publicar um livro”, conta. Depois de ver os resultados, começou a estudar mais as plataformas disponíveis. Hoje, diz conhecer relativamente bem as principais: Amazon, Smashwords, Kobo, iBooks. Mas suas favoritas são a Amazon e a Smashwords. “A primeira pelo alcance que tem graças à popularidade do Kindle, e a segunda por distribuir o livro por várias outras plataformas, aumentando em muito o meu universo potencial de leitores. Ambas têm defeitos (nestas coisas nunca há serviço perfeito), mas as qualidades compensam as falhas”, afirma.
Em um artigo em seu blog, Alves levantou a questão dos direitos autorais dos escritores que se autopublicam. No caso da publique-se!, plataforma lançada há um ano pela Editora Saraiva, todos os autores que disponibilizam suas obras são os proprietários e responsáveis pelo conteúdo publicado conforme definições contratuais, informa Deric Guilhen, diretor de produtos digitais da empresa.
Money, money, dinheiro, dinheiro – Eles não divulgam dados sobre as vendas dos livros, mas Guilhen afirma que estão satisfeitos com os resultados obtidos por meio da plataforma. Hoje são mais de 13 mil autores cadastrados e cerca de dois mil e-books publicados. “O preço de venda dos títulos é definido pelo próprio escritor. O publique-se! sugere algumas faixas de valores, a partir do ‘números de páginas’ dos originais e segue referência às práticas do mercado, mas a decisão final é do autor, que possui total autonomia nessa gestão e será comissionado em 35% do valor de capa em acertos mensais”, explica.
No Clube de Autores, o escritor informa quanto deseja ganhar por venda – em reais – no ato da publicação. Assim, os seus direitos autorais são estipulados por ele próprio e o preço final do livro é a soma desses direitos com todos os custos envolvidos.
A plataforma, lançada em 2009, tem cerca de 40 mil títulos publicados por 35 mil autores, número que, segundo o presidente da empresa, Ricardo Almeida, representa cerca de 10% do total de volume de livros anualmente publicados no Brasil. Em média, são cerca de 25 novos títulos publicados todos os dias. “Há livros aqui no Clube que vendem milhares de exemplares por mês, um marco importante considerando o modelo de autopublicação”, afirma.
Em 2013, o Clube de Autores tornou-se a primeira plataforma de autopublicação a receber um aporte financeiro. Almeida conta que uma série de novidades já foram lançadas por conta deste aporte, incluindo o www.profissionaisdolivro.com.br, plataforma onde profissionais do mercado editorial podem vender seus serviços diretamente para autores; uma integração com lojas como iBookstore (Apple), Amazon, Saraiva, Google e outros, distribuindo os ebooks dos autores para todo o mundo sem custo adicional para eles; e o Pensatica.com, plataforma de leitura online. “O investimento, de maneira geral, tem sido inteiramente destinado a novas funcionalidades que permitam ampliar a visibilidade de cada um dos livros e, com isso, gerar mais vendas para os escritores que fazem do Clube a sua casa.”
Seguindo a linha de raciocínio de Bettega, Almeida acredita que o papel do autor deixou de ser apenas o de escrever: hoje, ele precisa aprender a ser o seu próprio empresário, já que é ele mesmo quem vende o seu livro – o que inclui construir uma marca própria, se fazer presente na mídia (destacando as mídias sociais), criar um elo mais forte com o seu público.
“A partir do momento que essa relação direta se forma, o processo de ‘escoamento cultural’, por assim dizer, se viabiliza. O editor, por outro lado, precisa entender que não é mais uma gráfica e que não pode ganhar em cima de tiragens mínimas exigidas de autores. Esse modelo está ultrapassado. Hoje, o editor precisa ser entendido muito mais como um curador de livros que se encaixem em uma temática que ele reconhecidamente domine, prestando ao autor serviços de refinamento mercadológico de sua obra. Em suma, ambos os papéis estão mudando. Ainda bem.”
Coletividade – Outra possibilidade para viabilizar a publicação tem sido o financiamento coletivo. Lançada em maio deste ano, no Rio de Janeiro, a Bookstorming é uma plataforma voltada especialmente ao mercado editorial. Como acontece em outros tipos de crowdfunding, o livro só começa a ser produzido se um mínimo de apoiadores for atingido no prazo estipulado pela campanha. Caso esse número não seja alcançado, os apoiadores recebem o dinheiro de volta.
“Desde a primeira semana de existência da Bookstorming, temos recebido e-mails diários de autores interessados em serem publicados via financiamento coletivo”, conta Breno Barreto, um dos fundadores. A maior parte deles é composta de autores ainda sem livros publicados que já fizeram pelo menos uma tentativa de contato com editoras tradicionais, mas que não tiveram sucesso. “Muitos deles nos dizem que estavam buscando justamente uma forma menos engessada e mais democrática de fazer seus projetos se tornarem realidade. Até agora, já recebemos mais de 100 originais.”
Essa resposta tem feito os idealizadores reconsiderarem o caminho que tinha sido pensado originalmente para a Bookstorming. A plataforma tinha sido elaborada pensando em autores já com alguma estrada, que já tivessem sido publicados por sites ou editoras pequenas, mas que ainda não tivessem recebido tanta atenção. É este o perfil dos autores do livro de estreia – a antologia de contos Desordem. “Agora, embora continuemos atrás de autores com esse perfil, entendemos que a Bookstorming tem uma vocação mais ampla. Percebemos que o financiamento coletivo serve bem a autores de perfis distintos e que vale a pena abrirmos a plataforma a todos eles, mantendo como critério central apenas a qualidade das obras”, explica Barreto.
Ele acredita que o trabalho central na criação de um livro é imutável. “Na hora de sentar e escrever, o escritor de hoje se vê, essencialmente, diante da mesma tarefa que se via o escritor de 100 anos atrás. Tudo que está em torno desse trabalho, no entanto, lhe apresenta desafios novos, que dizem respeito principalmente à relação com o leitor.”
O fato é que hoje as fronteiras entre autor e leitor são muito mais imprecisas. Um escritor de Porto Alegre, exemplifica Barreto, usando um blog como meio principal de publicação, pode encontrar público interessado em sua literatura na Venezuela ou no Japão. Um poeta inédito, até mesmo para sua família, pode pagar pela publicação de mil exemplares do seu primeiro volume. “Como a publicação, em papel ou na internet, deixou de ser uma garantia de audiência, a questão fundamental para os autores passou a ser ‘como ser lido?’, enquanto, para os leitores, passou a ser ‘como descobrir boa literatura?’.”
*Breno Barreto participa, no dia 29 de novembro, da Jornada Inovação no Mercado de Livros, apresentada por Cultura e Mercado no Cemec. Clique aqui e saiba mais.
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