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TV Brasil: Belluzo quer ser Rainha da Inglaterra?


O refrão de uma das músicas do bloco de paródias pernambucano Quanta Ladeira [o “bloco do Lenine”] é bastante ilustrativo do que se viu ontem na 1ª. Audiência Pública do Conselho Curador da TV Brasil: “Democracia é bom/ mas dá um trabalho arretado”…

Fosse pouco [para o comando da emissora] ter que se abrir ao diálogo para dentro e para fora [com decisões pra ontem, mil e duas burocracias pra cumprir e a TV no ar…], é preciso colher resultados e avançar, sempre –com as condições ideais ou não. E confesso minhas dúvidas sobre os efeitos concretos do que se viu, de como se fez e do que isso possa gerar. Para a EBC [leia-se, o sistema público de comunicação do país] e/ou para a democracia.

É quase impossível um evento desses não ser uma coisa arrastada e sonolenta: cumpridos os salamaleques com as autoridades, é preciso explicitar os ritos, anunciar os critérios de participação, apresentar o contexto, dar voz aos eleitos/sorteados [sem que se saiba necessariamente o teor de suas intervenções], controlar o tempo das falas, anotar demandas, críticas e sugestões, encaminhar uma maneira de dar prosseguimento a tudo que foi dito e feito.

Sim, dá um trabalho arretado. Demanda tempo e paciência. Mas é bom que seja assim. Pra que se valorize, de lado a lado, os espaços [ainda mínimos] de interlocução com a sociedade civil entreabertos até o momento.

“Temos que trocar os pneus com o carro andando”. É uma das frases que mais ouvi nos 15 meses em que estive no olho do furacão do processo de implantação da TV Brasil. E é esta a sensação que tive ontem, mais uma vez, acompanhando a transmissão do evento pela internet: a tragicomédia de erros do início pode ter se tornado uma “herança maldita”, da qual ainda vai se levar tempo para se livrar.

Se é natural que algo em construção mereça reparos e possa ser sempre aperfeiçoado, é desejável também que isso não se torne a muleta de sustentação de todos os equívocos. E o desajeito flagrante na condução deste primeiro encontro desvelou-se aos poucos, tomou corpo em falas e posturas discutíveis, mas aos poucos dissipou-se. E escreveu, para o bem e para o mal, mais um capítulo no aprendizado cotidiano do corpo diretivo que se encontra à frente do sistema público de comunicação do país.

O quórum baixíssimo de pessoas inscritas [33] e presentes [12, no momento do “sorteio” dos 12 que falariam…] revela as evidentes limitações da EBC/TV Brasil em publicizar suas ações. E se o entendimento é de que este espaço deveria ser, de fato, um momento de construção coletiva [em lugar de apenas um item no relatório de obrigações cumpridas] vai ser preciso rever o mecanismo.

Imputar à “autonomia” do Conselho Curador a responsabilidade pelas brechas deixadas na organização do evento não resolve o problema. E por mais que o Conselho tenha sido definido pelo Presidente da República [não pelo comando da TV ou a sociedade], é preciso dar-lhe ferramentas para que ele encontre seu lugar ou não terá legitimidade e representatividade.

Preocupante [e espantosa!], por exemplo, a postura do presidente do Conselho, Luiz Gonzaga Belluzzo, ao abandonar a audiência duas horas depois do seu início –ou seja, na metade da duração programada.

É previsível que um homem como Beluzzo [primeiro nome cogitado pelo presidente Lula para o comando da TV, membro do conselho editorial da revista Carta Capital e presidente do Palmeiras…] tenha muitos afazeres [s://pt.wikipedia.org/wiki/Luiz_Gonzaga_Belluzzo]. Mas espera-se do presidente do Conselho Curador do sistema público de comunicação de um país algo mais que o papel de Rainha da Inglaterra.

Fosse este um posto figurativo, talvez fosse melhor convidar Gisele Bündchen. Mas como não é sequer um cargo remunerado, não há outra maneira de sustentar o comprometimento e a credibilidade se não for por doação, pela dedicação à causa da comunicação como um dos direitos humanos mais elementares.

Há uma frase que falei algumas vezes, como alerta, na minha passagem pela TV Brasil e que irritava enormemente meu então diretor [um dos defenestrados], mas que parece ter seu sentido preservado: pau que nasce torto, cresce torto…

Há problemas crônicos de origem não-resolvidos [porque não-enfrentados]. E isso se traduz na visão limitada e parcial que o ministro Franklin Martins tem do dia-a-dia da emissora [por falta de um briefing mais realista, possivelmente], que por vezes o faz soar ingênuo.

Há muito a observar sobre tudo que se viu e ouviu ontem. E vou optar por fazer isso em pílulas, com o devido vagar –até porque a próxima audiência só virá em seis meses…

Deixo, por ora, uma feliz constatação: vencidos [da pior maneira possível, é verdade] os embates internos gerados pela diferença de visões entre jornalismo e programação, alguns lampejos de humildade [coisa rara no primeiro ano da TV…] começam a ser perceptíveis –e “a arrogância dos que chegaram” era uma das críticas mais ouvidas nos corredores da emissora em seu primeiro ano.

Esta sutil diferença é fruto, provavelmente, de uma forçosa consciência das limitações. Que, ironicamente, me remete ao posicionamento recriminatório de Tereza Cruvinel em relação a uma fala minha na primeira reunião com gestores das redes públicas regionais, por eu ter dito que “leva tempo” para mover a roda e mudar uma televisão.

Meu comentário era feito, com toda delicadeza cabível, em contraposição ao processo [a meu ver, suicida] de “geração de expectativas” de então, que vendia a TV Brasil como a “salvação da pátria” das emissoras regionais, prometia aportes de recursos para “sócios gold” e outros delírios da empolgação e da falta de entendimento da complexidade inicial –o que, em parte, persevera.

Mas essa possível mudança de postura não significa muito se não se traduzir numa revisão dos processos decisórios, ainda aleatórios, movidos pela empolgação e o apego às “boas idéias” ou muito orientados pelo “eu quero, eu mando, eu faço” das prioridades de cada diretor, não por uma visão sistêmica, de intencionalidades, no conjunto do que se persegue.

Falta ainda a devida clareza de que cada novo passo deve ser parte do todo [um PROJETO ESTRATÉGICO DE TELEVISÃO, que não se tem até hoje] e de que é preciso criar uma interlocução maior, para dentro e para fora –como a sucessão de funcionários inscritos acentuou ontem, ainda que Tereza Cruvivel tenha se antecipado às críticas e refutado a falta de diálogo.

[E basta dizer que parte dos interlocutores que mantenho lá preferem me ligar ou escrever para comentar determinadas coisas, em lugar de registrar seus pontos de vista aqui no blog, temendo represálias.]

Ressalte-se aqui, de todas as participações dos inscritos, a sempre lúcida, madura e proveitosa contribuição do coletivo Intervozes –que, ao contrário de segmentos como o cinema e o direito, não foi simplesmente passar o pires e defender interesses corporativos [defensáveis e louváveis, claro], mas contribuir para o fortalecimento de um projeto para a sociedade.

Israel do Vale

* Publicado originalmente em futurodamusica.zip.net.

Israel do Vale

Israel do Vale é consultor de conteúdo para televisão e novas mídias. Foi gerente-executivo de conteúdo da TV Brasil entre out.08 e fev.09 e diretor de programação e produção da REDE MINAS [Prêmio Aberje Nacional 2007 e 2008 de melhor TV do país] entre 2006 e 2008.

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