Uma rede de relações econômicas formais, informais e algumas que passam pela contravenção e pelo crime e que faz circular uma quantidade extra de recursos que alimentam o turismo em toda sua extensão, além da indústria própria do Carnaval
Sem dúvida que o Carnaval é a expressão mais volumosa da dita economia criativa, aquela que abriga atividades que têm na criatividade e nos recursos culturais a sua matéria-prima. É a mais vultosa e também aquela que mais se desenvolveu ao longo dos anos. Desenvolveu-se e encheu-se de vícios. Não são vícios novos, nem que contrariem a lógica vigente. Trata-se, em suma, da apropriação privada da coisa pública por meio da construção de uma rede de relações econômicas formais, informais e algumas que passam pela contravenção e pelo crime e que faz circular uma quantidade extra de recursos que alimentam o turismo em toda sua extensão, além da indústria própria do Carnaval, dos criadores de faisão e avestruzes à fábrica de plástico para lantejoulas e paetês.
Tal cenário, riquíssimo em oportunidades, movimenta, num município como Recife, cifras que extrapolam os R$ 280 milhões e, em Salvador, a casa dos R$ 300 milhões é ultrapassada com folga. Claro que quanto mais rentável, mais sofisticada e seletiva a festa se torna. Fenômeno que se perpetua em toda extensão do território da folia, paradoxo revelado pelo fato de que se trata de uma festa popular cada vez mais consumida pela elite mundial.
Porém, assim como se acumulam vícios entre suas tantas virtudes, acumulam-se também os problemas estruturais deste evento que somente recebe dos patrocinadores o assédio pela visibilidade gerada, sem no entanto ser capaz de captar recursos para resolver seus problemas estruturais básicos.
Em São Paulo, o Carnaval caracteriza-se pelo desfile das Escolas de Samba que já conta com o endosso oficial da grade de programação da programadora dos hábitos nacionais há algum tempo. Sinal da magnitude que a festa alcançou por estas terras. No entanto, as escolas enfrentam problemas de falta de espaço adequado para suas quadras, promovendo, muitas das vezes, ensaios em ruas, causando sérios transtornos aos moradores. É notório o caso da campeã deste Carnaval de 2008, a Vai Vai, que já espantou muito inquilino da Bela Vista, sem nunca ter impactado em nada positivo o cenário da vizinhança.
Em muitas instâncias pelo país e também em alguns morros cariocas, continua havendo uma certa promiscuidade entre os organizadores da festa e a festa do crime organizado. É tradicional que na malandragem resida um dos berços do samba e do Carnaval brasileiro, porém as relações passaram da malandragem à contravenção e desta ao crime organizado com a mesma desenvoltura com que se repetem títulos de grandes agremiações do samba que tem como patronos notórios suspeitos, alguns ex-detentos, que comparecem à avenida, seja no desfile, seja na apuração, com as honras de benfeitores.
Na Bahia, a cada ano, aumentam as reclamações sobre a elitização do Carnaval baiano imputado pelo custo do passe (abadá) que garanta a entrada nos cordões de elite. No entanto, na edição 2008, o maior emblema de que esta apropriação do público pelo privado já se banalizou na mentalidade reinante talvez tenha sido o pedido de Daniela Mercury que, contrariamente ao determinado pela PM, queria que seu trio ficasse um bocadinho parado na frente de seu camarote, atrasando a fila dos 25 trios que se esparramam pela cidade a cada dia de Carnaval. Nada contra a grande artista, nem contra a embaixadora da Unesco, nem contra a pessoa de Daniela Mercury, reconhecemos aliás a grandiosidade de sua figura pública, mas ainda que o camarote seja pretensamente seu e também o trio, o Carnaval é público e não dava para atender o pedido! É chegada a hora de atender o pedido do grande público soteropolitano que sofre a contradição de ganhar um troco a mais com a festa, ficando, porém, de fora dela!
No Recife, como de costume, não faltou o já arraigado protecionismo cultural pernambucano. Em uníssono com Alceu Valença, o recifense e o olindense esconjuram de seu Carnaval tudo que não é de seu Carnaval. Neste sentido, jamais se veria o trio de Fat Boy Slim, que empolgou os baianos com sua música eletrônica pelas ladeiras e pontes dali. Vitória garantida pela adesão dos foliões e pela certeza de que também não adianta querer fazer o que é do Carnaval pernambucano fora daquele cenário, haja vista a fragorosa surra que a Mangueira tomou!
Os editores
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No que trata do carnaval do Recife, o texto dos editores peca pela radical ignorância. E pior: ignorância arrogante.
O texto se diz que o carnaval do Recife e de Olinda pecam pelo protecinismo, centrando-se em Alceu Valença e frustrando os pernambucanos do contato com valores de fora.
O fato é que no Carnaval do Recife se apresentaram Mariza Monte, Elsa Soares, Luis Melodia, Renata Sá, Marina de La Riva, Moraes Moreira, Elba Ramalho e Paralamas do Sucesso, além de outros que não me recordo, porque estou sem a programação na mão.
No Recife funcionam 5 pólos carnavalescos centrais, 14 grandes pólos descentralizados nos bairros, 43 polinhos comuinitários e mais de 300 pontos de carnaval salpicados nas comunidades.
São shows abertos ao público, ondas de agremiações pelas ruas e arrastões.
Quanto à Mangueira, o que houve foi o patrocínio da Prefeitura para que o frevo aparecesse cenário do sambódromo. Uma excelente jogada de marketing que funcionou muito tem. E isto não tem nada a ver com a classificação da mangueira, conforme relaciona aindevidamente, e com menosprezo, o texto dos editores.
Se o nome da REvista é Cultura e Mercado, e se o Instituto quea patrocina se chama Pernarte, então, senhores editores, vamos racioconar com o componente econômico do marketing. E acima de tudo, em lougar de destilar pixações desinformadas que rebaixam o nível do jornalismo, cultural, vamos pensar!.
Voltando ao assunto.
Sobre o carnaval do REcife, o texto dos editores, ao fazer suas afirmações descabidas, começa dizendo"No Recife, como de costume"... Ora, isto revela mais ainda o descompromisso com o conhecimento da realidade, com um mínimo de informação para escrever alguma coisa. Porque o modelo aberto do carnaval do REcife, com larga participação de artistas de fora, já vem funcionando, exatamente, há oito anos. Este é o oitavo carnaval no modelo do de hoje, e os senhores editores diem "como de costume", afirmando o contrário. Como de costume, o conhecido e pernicioso chute, o apelo aos clichês preconceitusosos, impedindo aos leitores o conhecimento das realidades culturais concretas. E tenho dito.
Para colaborar com o debate, envio este artigo sobre o carnaval de 2007 em Recife, pois em 2008 fiquei no RIO.
Mas acrescento que em 2008, melhorou a cobertura de Tv, em especial pela TVBRASIL. A BAND, precisa melhorar e divulgar mais o carnaval de PE e menos as besteiras de Salvador.A Globo dá mais importância ao carnaval de São Paulo do que o de Pernambuco e o restante do espaço é para o Sambródromo.
Os 100 anos do Frevo
“Carnaval Multicultural do Recife 2007”
Eu tive a felicidade de participar das comemorações dos 100 anos do Frevo e da grandeza do carnaval de Pernambuco, uma marca multicultural da diversidade deste país, durante o período de 8 de fevereiro até o encerramento magistral do maior carnaval do planeta nas cidades de Recife e Olinda.
Foi uma retomada alegre e criativa dos frevos mais cantados pelo folião na sexta-feira, nove de fevereiro de 2007,que entrará para o calendário cultural do Brasil, quando o frevo foi homenageado e recebeu o certificado de PATRIMONIO IMATERNAL E CULTURAL DO BRASIL pelo ministério da cultura e anunciado para a multidão que estava no Marco Zero, pelo Prefeito João Paulo.
Ao som dos melhores frevos e nas vozes dos melhores cantores do país, tais como Gilberto Gil, Spok Frevo Orquestra, Maria Bethânia, Maria Rita, Gal Costa,Alceu Valença, Lenine, Elba Ramalho,Ney Matogrosso,Zeca Baleiro, Cordel do Fogo Encantado,Claudionor Germano, Antúlio Madureira, Vanessa da Mata,Geraldo Azevedo,Luiz Melodia,Edu Lobo,Silvério Pessoa,Geraldo Maia e o quarteto Lígia Miranda,Nena Queiroga,Rosana Simpson e Vanessa Oliveira entre muitos outros, que originou um CD:“100 anos do Frevo: É de perder o sapato”.
Mais vale destacar o grande artista pernambucano Antônio Nóbrega que emocionou a todos que estavam no Marco Zero,inclusive aos turistas estrangeiros que já manifestavam a sua simpatia e já iniciava os primeiros passos pelo novo ritmo.
Outro destaque foi a jovem passista de frevo Flaira Ferro que encantou a todos com sua técnica e beleza, levando a multidão a dançar o frevo com muita emoção e ginga.
Foi um dos shows mais lindos e emocionantes que eu assisti.
Não estava em meus planos de brincar mais um carnaval em Recife, se não fosse esta homenagem a um ritmo que tem a cara das nossas origens, como a capoeira e principalmente enfrentar a multidão embaixo de um sol de quase 40º graus no sábado, para conhecer o maior bloco do mundo: “O Galo da Madrugada”.
A minha aventura, começou no aeroporto, quando fui recebido ao som do frevo, por jovens brasileiros de áreas carentes, mostrando a sua cultura com todo orgulho e simpatia.
Mas também fiquei feliz com a marca Petrobras na Feira de Música,patrocinando a identidade nacional,como era desejo de seu criador,o designer Pernambucano Aluísio Magalhães e nada mais oportuno do que a sua exposição através do frevo.
O valor desta marca no mercado globalizado foi avaliada em R$ 9,24 bilhões pela Brand Finance, empresa de origem inglesa especializada no tema.
E a conquista da auto-suficiência em petróleo tem tudo a ver com a auto-estima dos pernambucanos lembrada em vários eventos do frevo.
Outro fato, foi a imagem da Companhia Hidrelétrica de São Francisco - CHESF divulgando a cultura nordestina na Feira de Música e na Guararapes para ver o Galo da Madrugada.
Senhores e Senhoras do Brasil, ser pernambucano é realmente algo que enche de orgulho, qualquer cidadão.
Porque estes homens e mulheres que construíram este PATRIMONIO IMATERNAL E CULTURAL DO BRASIL,lutaram cem anos para serem reconhecidos por sua criatividade e beleza e enfrentaram dificuldades de uma mídia que omite estes valores do nordeste, principalmente a sua cultura, pois é através da cultura que você forma uma nação e o frevo é uma das manifestações mais ricas do povo pernambucano e os turistas estrangeiros são os que mais saem encantados com este ritmo tão brasileiro, que ajuda a mudar o mundo com mais alegria e paz daqueles que participam desta festa popular e acaba levando esta alegria e descontração ao seu país.
Durante a minha maquiagem com os maquiadores que prestavam serviço no Shopping da Alfândega, imaginei:
Como devem se orgulhar aqueles que estavam maquiando personalidades do mundo inteiro?
Como devem se orgulhar aqueles que viram o engenheiro Cândido Pinto,pela última vez em um carnaval,mas que também é uma demonstração da acessibilidade democrática e tranqüilidade da folia no marco zero?
Como devem se orgulhar aqueles estudantes que foram cassados pelo decreto 477 e foram impedidos de brincar o carnaval na época e agora estavam alegres e anistiados comemorando esta vitória da democracia?
Como devem se orgulhar de seus filhos aquelas mães e pais que geraram grandes homens da cultura pernambucana?
Como ex–Presidente no período da ditadura militar da Casa do Estudante Universitária de Pernambuco - CEU, fiquei alegre de encontrar vários colegas desta época e principalmente o companheiro Anísio Brasileiro,também ex-presidente desta casa com sua animada família.
Isto é uma demonstração clara que carnaval e saber acadêmico tem muito em comum.
E um pouco de rebeldia não faz mal a ninguém, nem mesmo nas ladeiras de Olinda se escapava de temas polêmicos, pois a ousadia era o tema principal, como a da boneca gigante com os seios de fora.
Talvez o arquiteto Oscar Niemeyer com quase cem anos, seja convidado mais uma vez para projetar um novo monumento em Pernambuco, agora o do frevo.
O slogan da Prefeitura do Recife:”A grande obra é cuidar das pessoas”, tem tudo haver com o carnaval em diversos bairros da cidade, onde os mesmos cantores que se apresentam nos grandes Pólos Culturais, também se apresenta nestes locais mais carentes e distantes do centro principal da festa.
Mais foi exatamente em um destes Pólos, mas exatamente denominado de Pólinho, que tive a comprovação que o carnaval de Recife é uma grande obra, que cuida das pessoas.
Foi quando constatei que a minha mãe de 84 anos, poderia ir caminhando para comemorar com o seu filho, os cem anos do frevo na Praça em frente a Escola Municipal Gen. San Martin, aonde foi armado um grande Pólinho.
Comandada pela Spok Frevo Orquestra, com participação de diversos artistas consagrados, a apoteose do Carnaval Multicultural do Recife 2007 emocionou o público, que fez questão de vencer o cansaço e a chuva para acompanhar o revezamento dos maestros e cantores, na madrugada de quarta-feira de cinzas,no Marco Zero. A despedida em grande estilo foi à altura do centenário do Frevo, o grande homenageado.
A homenagem aos grandes mestres do frevo, desde a sua criação foi uma verdadeira aula sobre cultura e democracia, como disse o maestro Nunes,um dos homenageados na apoteose do carnaval na terça feira: “que o frevo é uma das danças mais democráticas do mundo,pois pode dançar ricos e pobres, preto e brancos, homens e mulheres, crianças e idosos, operários e patrões, brasileiros e estrangeiros”.
Uma demonstração sobre a vida e como ela pode ser vivida.
Achei que tinha vivido todas as emoções como pernambucano, mas não esperava que Pernambuco fosse me proporcionar uma terça-feira de carnaval tão maravilhosa e ainda conhecer uma nova marca:
e como diz Capiba:
” É uma dança
Que vai e que vem
Que mexe com a gente
É frevo, meu bem!”.
Abraços,
Brasil
Rio de Janeiro – Pernambuco
nascimento_jorge@terra.com.br
Jorge Eduardo Nascimento
Cidadão
Rua Desembargador Isidro, 132/1101-A
Tijuca - Rio de Janeiro - RJ
CEP:20521-160
Cel.(21)- 9222 – 9318
Fiquei mesmo impressionado com o desconhecimento 'arrogante', como bem falou um leitor, dos editores do veículo sobre o carnaval recifense. Caros, protecionismo não é bairrismo: se Alceu Valença e outros pernambucanos fazem do Recife e de Olinda suas casas, Elza Soares, Beth Carvalho, Luis Melodia, Pato Fu, Dona Ivone Lara, e tantos outros que se torna impossivel aqui relatar, têm também aplausos, tapete vermelho e mídia certa no multiculturalismo do carnaval local. Seria de bom tom checar informações antes de publicá-las, não? Vá e veja, quem sabe no próximo ano....www.carnavaldepernambuco.com
Além de ignorante e arrogante, o comentário contido no parágrafo sobre o Carnaval de Recife e Olinda traiu a implicância gratuita e má vontade assumida do articulista quando afirmou que "jamais se veria o trio de Fat Boy Slim" no Carnaval de Pernambuco e quando celebrou a "fragorosa surra que a Mangueira tomou!". Apesar do amor que os pernambucanos têm aos ritmos locais (e são tantos e tão ricos que a inveja aflora em certas criaturas...) não há reserva de mercado para os artistas daqui. Se Fat Slim Boy será visto por aqui ou não, é difícil dizer, mas foram inúmeros os artistas de fora no Carnaval local. Quanto à derrota da Estação Primeira, o buraco é mais embaixo: a Beija-Flor levou a vitória falando de Macapá, o que coloca por terra o argumento de que transposições não são viáveis. Aliás, quem mesmo iniciou o lero-lero do "protecionismo, como de costume"? O que mesmo não cabe onde? Quem esconjura o quê? Continuam julgando os outros a partir dos próprios preconceitos... No mais, a acidez dos comentários não poupou nada nem ninguém: Pernambuco, Bahia, Rio, São Paulo, cada um teve direito a seu parágrafo de reclamações - Momo, de dieta, está de péssimo humor!
Há tempos que o jornalismo praticado por Cultura e Mercado vem sendo feito de opiniões infundadas e conteúdo inconsistente. Esse novo núcleo de "jornalismo cultural independente" que vem administrando este espaço me parece freqüentemente um bando de jovens bem intencionados, mas ainda inexperientes para fazerem bom jormalista, e - como apontado nos comentários acima - muitas vezes arrogantes em seu desconhecimento.
Que pena que o articulista não tenha feito nenhum comentário sobre a variedade e a gratuidade do carnaval pernambucano, que, isto sim, é o que o faz uma festa popular que não foi ainda capturada pela elite, como na Bahia e no Rio de Janeiro.
faço minhas as palavras
MÍDIA FOLIÃ
O carnaval da Casa-Grande
Por Dioclécio Luz em 6/3/2007
Há algo de sagrado no carnaval. Talvez por ser o reverso, o outro lado. Na Roma antiga havia as tais carnavalis: por alguns dias o rei virava plebeu, o pobre se achava rei, o padre entrava no bacanal. Algo assim. Profano e sagrado eram as duas faces de um deus de duas faces – Janus brincanti. E todos eram felizes para sempre.
Agora o carnaval já não é mais profano. Todo ele é sagrado. Basta ver como a mídia lida com a festa. Na TV é só alegria, só beleza. Parece dizer: é assim, festa popular não se questiona. Questionar o quê? Opa, Carlinhos Brown fala em apartheid na Bahia. Isto na Folha de S. Paulo da segunda-feira de carnaval (19/02). Caetano Veloso – que mora no seu umbigo, o dele, claro, do alto de sua fama olímpica, exibindo-se nos trios elétricos – contesta: não é assim.
Carnaval sem cordas
É sim, cara. Na tua Bahia.
Mas a TV não vai mostrar.
A Bandeirantes montou um estúdio por lá. A Band não iria questionar esse carnaval de rico, caro e sem novidades. Quem questionaria?
Certa vez, numa matéria célebre para a CartaCapital, Bob Fernandes mostrou o rei pelado. E o que ele viu foi, e ainda é, os brancos dentro das cordas, protegidos, dançando a música baiana; ou nos camarotes, bebendo do bom e do melhor, imunes ao rebuliço; os negros, bem, ou estão na pipoca ou segurando as cordas. Um bom emprego para negro e pobre baiano: cuidar para que o pobre não invada o cercado dos ricos. Carnaval gera emprego: em torno de R$ 20 por dia para segurar a corda. Algo assim. O pobre que não segura corda tem que vender água ou cerveja. Carnaval gera renda para uns, não para o povo pobre da Bahia.
Sabe quanto custa um abadá – aquela farda que o cliente compra para poder ficar oito horas ouvindo a mesma música? Até R$ 4.500,00. Não é para qualquer um. Não é pro bico do pobre. A TV jamais criticaria isso. TV gosta de festa, entretenimento. Se pobre não entra, azar do pobre.
Um dia, Moraes Moreira, baiano porreta, questionou essa história do abadá, e quis que a festa fosse pra todo mundo. Ele achou que o povo não merecia ser pipoca (como se diz daquela turma que fica acompanhando de fora da corda, pulando e pulando, no acoxo, sobre esgotos e gentes, se atropelando). Ele falava de uma Casa Grande e de uma senzala. O tal apartheid citado por Carlinhos, que está reinventando o carnaval sem cordas da Bahia, um carnaval para os baianos.
Axé é coisa de mercado
O carnaval é mais sagrado na Bahia. Mas por interesse de mercado. As tradições católicas devoraram as afros, deu-lhes nomes branquelos, de santos europeus – resistência e rendição, já disse Gil –, é o jeito baiano de ser, é expressão popular. E temos o axé, um pobre gênero musical que toca o ano inteiro em todo país – micaretas, carnaretas, bocaretas e alguns picaretas (muito prefeito se reelege promovendo festas com o dinheiro do povo). Um trio elétrico, dois trios elétricos e o resto é negócio, digo música baiana. Talvez, passado o carnaval, a imprensa pudesse perguntar o óbvio: o que é música baiana? Mas é querer demais de quem trata a cultura como algo nada sério.
Mas aqui pelo menos, desta luneta sobre a imprensa, sejamos francos: o fato é: a axé music representa uma tragédia para a cultura baiana e, em especial para a música da região. Ela é uma barreira impedindo que outros gêneros, outros artistas, mostrem outras artes. Axé é coisa de mercado. Ele atende uma das regras fundamentais: se você quer vender um produto, parafuso ou jaca, produza em quantidade e tudo igual um ao outro. O axé é o produto.
Cadê o pessoal bom de forró?
E quem não toca e canta axé na Bahia? Ora, vá fazer outra coisa. Monte uma oficina mecânica, por exemplo.
De tanto se falar na música baiana, e da mídia forçar na imagem, criou-se a cultura de que música baiana é somente o axé. Isto é, na Bahia não existe nenhum instrumentista de qualidade, nenhum músico erudito, nenhum bom cantor de MPB, roqueiro ou rapper. Raul Seixas ou João Gilberto, se nascessem agora, teriam que se mudar da Bahia para serem notados. O axé abafa tudo que ele não é. Acredite na inverdade do exagero: quem não faz axé eles mandam matar. É quase isso.
Como a mídia não tem compromisso algum com a arte e a cultura, ninguém espere que um dia, na redação de uma dessas TVs normais, alguém se indague: peraí, será que todo músico baiano faz axé? Será que não nasce alguém que faça algo diferente? Talvez, se for um pouquinho mais culto, pense: onde estão Elomar, Xangai, Wilson Falcão, Edgar Mão Branca?... Cadê o pessoal bom de forró? Será que a Bahia é o único lugar do Nordeste que não tem grandes cantores ou instrumentistas tocando a boa música do Nordeste?
Verdade tropical
O axé, insisto, é uma desgraça para a Bahia. E não apenas por ser um gênero musical pobre, limitado, plastificado. Mas também porque, por sua causa, quase 40 anos depois, não apareceram outros tão bons como Caetano, Gilberto Gil, Gal Costa, Maria Bethânia. Ora, não apareceram nem irão aparecer – a axé e os donos do mercado não deixam, nem vão deixar, surgir uma coisa diferente até findar o estoque de bandas com aceitação popular e enquanto o negócio continuar dando lucro.
Enquanto existir axé dominando a cena, eliminando quem for diferente, jamais haverá outra Tropicália. Triste conclusão: a Bahia de João Gilberto e da Tropicália, jamais fará outra revolução musical. Adeus, vanguarda. A Bahia virou uma produtora de cultura de plástico.
Talvez Gilberto Gil, que é baiano e ministro, devesse parar e pensar um pouco nessas coisas. Pensar que a música que predomina, que domina, que monopoliza a Bahia, cria uma imagem falsa e limitada da Bahia e causa uma erosão cultural sem retorno. Basta imaginar quantos artistas originais abandonaram as carreiras por conta dessa imposição; quantos cantores e bandas vanguardistas, criativas, modernas, avançadas, estão sendo boicotadas, censuradas, expulsas dos espaços musicais, discriminadas pelo poder público.
Quantos artistas formidáveis, como Gil, talvez até melhores, não desistiram da profissão, enterraram o talento e a genialidade e se tornaram gente comum, causando prejuízo à humanidade? Ó tempo rei, fazei com que Gil acorde para esta verdade tropical! E que ele saiba que o apartheid segrega o diferente culturalmente, e não somente os negros.
Máquina de clonar bandas
O caso da Bahia é mais evidente ainda quando se compara com Pernambuco. Por muitos anos, os dois estados mantiveram uma saudável disputa para ver quem era mais produtor de cultura e genialidades e invenções musicais. Com a imposição do axé sobre a Bahia, Pernambuco continuou promovendo a diversidade. Basta ver o carnaval pernambucano. Tem frevo, maracatu, samba, pastoril, burrinha, cabocolinhos – e até axé; tem rock e MPB.
Em pleno carnaval, Recife promove um festival de diversidades, o Recbeat – onde pode tocar Lulu Santos, Plebe Rude, Tomzé, Chico César ou aquela banda de heavy metal. É tudo de graça. Não é preciso dinheiro pra brincar o carnaval pernambucano. Ah, mas se o cabra quiser, pode pagar uma nota preta por um abadá e ficar dentro de um cercado, usando a farda como as outras pessoas lá dentro e ouvindo a mesma música por oito horas. Tem gosto pra tudo.
Desde a Tropicália que a Bahia não mostra novos gênios da música. Existem, mas são abafados. Por isso, de lá pra cá não apareceu mais ninguém capaz de apontar uma linha original na música da Bahia. Enquanto a Bahia produziu bandas e cantores de axé em escala industrial – onde um é clone do outro – Pernambuco gerou Mestre Ambrósio, Querosene jacaré, Alma em água, Otto, Nação Zumbi, Cascabulho, Mundo Livre S/A e, claro, o mangue beat. Produziu Mombojó, mostrou a cena musical do Alto José do Pinho (Recife) e o maracatu virou moda no Brasil.
O que fez a Bahia nesse período? Matou os diferentes e aperfeiçoou a máquina de clonar bandas e cantores de axé. Isto é: de pólo de cultura virou pólo químico produtor de plástico.
Sagrado e inquestionável
É uma imposição de mercado, claro. Mas por que os grandes nomes da música baiana, aqueles que tem algum poder ou carisma, não se rebelam? Por que Gil, Caetano ou Gal não questionam isso? Por que se juntam a esse mercado para legitimar a operação abafa da cultura baiana, aderindo ao axé, que por onde passa nada cresce? Será que eles temem que surja um novo movimento tão importante e revolucionário quanto foi a Tropicália? Será que eles sabem que o carnaval baiano é a segregação – uma alegoria da Casa Grande e senzala, como alertou Carlinhos Brown? Será que notaram que o carnaval da Bahia não é para os baianos?
Para a imprensa, principalmente a televisiva, o carnaval baiano é algo sagrado, inquestionável. Por isso, as críticas aqui apresentadas jamais serão tema de matéria jornalística na TV. A imprensa que habita a telinha continuará cega às manifestações de segregação, racismo, censura e operação abafa que se manifestam na Bahia. Continuará batendo palminhas para tudo isso aí.
Como um dos leitores acima: um jornalista ser mal-sucedido por conta da um ponto de vista "infeliz" já é ruim, mas por falta de informação, ou seja, apuração - etapa principal para a produção da notícia, comentário, enfim, qualquer conteúdo jornalístimo - é inadimissível!
Como disse um dos leitores acima: um jornalista ser mal-sucedido por conta da um ponto de vista “infeliz” já é ruim, mas por falta de informação, ou seja, apuração - etapa principal para a produção da notícia, comentário, enfim, qualquer conteúdo jornalístico - é inadimissível!