Na última quarta-feira, 28 de março, aconteceu o 1º Encontro das Artes Visuais – um evento extremamente produtivo criado para debater soluções para questões normativas e tributárias do setor. A realização ficou por conta da Revista Select em parceria com o escritório Cesnik, Quintino e Salinas Advogados e o Ministério da Cultura.
Os principais nomes ligados ao mercado de Artes Visuais, entre convidados, debatedores e públicos, se reuniram com um propósito em comum: diagnósticos propositivos para o avanço da construção de novas políticas públicas.
Sediado no Itaú Cultural, o evento foi dividido em 03 mesas de trabalho abertas ao público:
Painel 1 – Circulação internacional: Aspectos regulatórios e tributários da entrada e saída de obras de arte no Brasil
Painel 2 – Sustentabilidade Institucional: Fundos patrimoniais
Painel 3 – Como incentivar a expansão do colecionismo institucional Um time de grandes nomes compunha a mesa de convidados e debatedores!
Fizemos a cobertura completa do evento e, neste artigo, você poderá conhecer os principais pontos abordados no Painel 1- Circulação internacional: Aspectos regulatórios e tributários da entrada e saída de obras de arte no Brasil.
Da direita para esquerda: Fábio Cesnik (Mediação – CQS Advogados), Fábio Guimarães Rolim (IPHAN), Gregory Becher (CQS Advogados), Luciana Brito (ABACT), Felipe Isola (BIENAL-SP), Ana Helena Curti (ABPIAV) e Aline Akemi (CQS Advogados).
Neste painel foram discutidos os gargalos no sistema de circulação, que juntos constituem um complexo cenário de tributação expressiva e procedimentos morosos.
A tributação da importação de uma obra para o país é de 4% sobre seu valor, o que configuraria um percentual acessível. Contudo, o cálculo das alíquotas é feito em cima não apenas das obras de arte como também dos fretes e seguros; somam-se a isto outras contribuições como COFINS, ICMS e PIS. O serviço especializado que realiza o acompanhamento das obras estrangeiras também é taxado, e no caso de artistas brasileiros que residem fora, o processo de tributação é o mesmo – pois a obra deles não é considerada nacional.
O resultado desta equação chega a superar 50% do valor original da obra, o que, segundo todos os presentes, situa o Brasil com a maior taxa de importação do mundo.
Ana Helena Curti, proprietária da empresa Arte3 Assessoria Produção e Marketing Cultural e com uma trajetória de mais de 20 anos, ainda afirmou que cerca de 35% do arrecadado pela Lei Rouanet para projetos de Artes Visuais voltam ao Estado em forma de tributo.
Outro problema alarmante no cotidiano das produtoras é o tratamento dedicado às obras de arte nos aeroportos e fronteiras.
Ana Helena lembra que a Instrução Normativa SRF nº 40, de 1999, dava tranquilidade sobre o deslocamento das obras. O despacho aduaneiro ocorria na própria sede da exposição ou em locais preparados para isso:
- Art. 6o Os bens de caráter cultural poderão, no interesse do importador, ser submetidos a conferência aduaneira no local de realização do evento. (Você pode ler a IN na íntegra clicando aqui)
Hoje o cenário é bastante diferente em que vigora a IN RFB 1600, de 2015. As obras muitas vezes ficam alocadas por longos períodos no Aeroporto Internacional de Guarulhos, por exemplo, onde não há condições ideais de armazenamento e área devidamente climatizada. Frequentemente há a abertura das caixas nos aeroportos e modificações nas características originais de quando as obras haviam sido embaladas.
Na grande maioria dos outros países não ocorre essa violação. Brasileiros são inclusive obrigados a assinar termos garantindo que ela não irá acontecer – o que pode inadvertidamente colocar os produtores brasileiros, sem rodeios, numa saia justa a qualquer momento. Maria Ignez Mantovani, presidente da ICOM Brasil e uma das debatedoras, afirmou taxativamente: “Estamos operando completamente fora dos padrões internacionais”. Anauene Soares, perita de obra de arte e debatedora, reforçou a necessidade de incentivar a presença dos peritos nos aeroportos e fronteiras. Estes profissionais estão habilitados a travar diálogos com a Receita Federal, superando o gargalo da comunicação interna.
Não bastasse, os custos de armazenamento nos aeroportos são altos. No Aeroporto do Galeão (RJ), por exemplo, cada 10 dias a tabela de precificação aumenta. Nesse sentido, há outro peso recente apontado por Fernanda Feitosa, criadora e diretora da feira SP-Arte. Ela explica que, em geral, ainda há algum esforço da União para fomentar a vinda de obras de arte através do regime aduaneiro especial de admissão temporária:
- Art. 306. O regime aduaneiro de admissão temporária é o que permite a importação de bens que devam permanecer no País durante prazo fixado, com suspensão total do pagamento de tributos, ou com suspensão parcial, no caso de utilização econômica, na forma e nas condições deste Capítulo (Decreto-Lei no 37, de 1966, art. 75; e Lei no 9.430, de 1996, art. 79, caput). Leia mais aqui.
Uma das poucas taxas vigentes era a de armazenagem nos aeroportos, calculada pelo peso das obras e que resultava em um valor baixo. Recentemente, Fernanda teve problemas pelo fato que a taxa foi arbitrariamente alterada para ser calculada pelo valor da mercadoria, e proporcionalmente ao tempo de armazenagem (o que resulta em um valor altíssimo), sob a alegação que a importação não tem “finalidade cívico-cultural”. Sim: os aeroportos, como concessionárias de serviços públicos, estão perigosamente decidindo quais manifestações atendem a um caráter patriótico…
Sobre a circulação de obras dentro do território nacional, não há hoje previsão alguma na legislação brasileira para que a fiscalização trate a obra artística de forma diferente que qualquer outro produto de outra natureza que cruze as fronteiras.
Ana Helena Curti relembrou o caso de ser barrada na aduaneira, em que a fiscalização exige as notas fiscais das obras entre outras várias documentações. É comum que os despachantes fiquem retidos na fronteira entre os estados, correndo inclusive o risco de serem autuados e as obras, destruídas.
E para exposições que ocorrem em outros estados, as obras muitas vezes precisam entrar por São Paulo primeiro. Também há a incidência de alíquotas pela circulação neste percurso…
Em um bom resumo desta conversa, Luciana Brito, presidente da Associação Brasileira de Arte Contemporânea – ABACT reuniu em um documento algumas das principais requisições dos galeristas associados:
- isenção de taxas de importação de obras de artistas brasileiros
- alíquotas especiais para importação de obras de artistas estrangeiros
- aumento da facilidade de intercâmbio entre galerias
- mudança no tratamento dado aos serviços das artes visuais
Ela também mencionou para conhecimento geral o projeto Latitude – Platform for Brazilian Art Galleries Abroad, que promove o incentivo ao colecionismo e a profissionalização do setor. Originalmente criado pela Fundação Bienal de São Paulo com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos – Apex-Brasil, hoje está sob responsabilidade da ABACT e alcança 49 galerias de arte contemporânea brasileira. “As ações compreendem apoio financeiro às galerias em feiras internacionais, organização e recepção de grupos de estrangeiros em viagem de imersão no Brasil, geração de conteúdo (publicações, pesquisa e exposições) e ações estruturantes do setor ligadas à comunicação e ao comércio exterior, além de uma central de serviços”.
Uma iniciativa muito positiva levando em consideração que as residências e intercâmbios internacionais também não são facilitados. Se você não conhece, vale a pena dar uma olhada no site depois! (clicando aqui).
Em outro ponto de vista, Gregory Becher, advogado especializado em Direito Tributário (do escritório Cesnik, Quintino & Salinas Advogados) coloca a dificuldade de se superar o princípio da isonomia (o princípio da igualdade tributária), que “prescreve que não poderá haver instituição e cobrança de tributos de forma desigual entre contribuintes que se encontram em condições de igualdade jurídica”. Para ele, a análise de pedido de isenção e imunidade para determinado setor é uma discussão específica que deve ser minuciosamente analisada, no intuito de evitar que o próprio setor fique refém das disposições alcançadas. Uma consequência disso seria a criação de um ambiente fechado, com isenções para determinadas situações e não para outras.
Ele esclarece também que essas tratativas também devem ser feitas junto ao Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ, tendo em vista que cada estado brasileiro tem liberdade para legislar e isso resulta em divergências.
Também é necessário considerar possíveis flexibilizações na Lei Kandir – que isenta do tributo ICMS os produtos e serviços destinados à exportação.
Considerando o CONFAZ e a Lei Kandir, qualquer mudança proposta poderá ser efetivamente aplicada de cima para baixo nos estados.
IPHAN CRIA CANAL DE COMUNICAÇÃO COM RECEITA FEDERAL
Estava presente Fábio Guimarães Rolim (IPHAN), da coordenação geral de autorização e fiscalização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, esclarecendo que a responsabilidade do Iphan em toda este debate incorre apenas no patrimônio tutelado pelo Estado.
No que diz respeito à circulação de obras e à exportação temporária, o Iphan se encarrega em duas vias: pela conservação dos objetos; e pelo combate ao tráfico ilícito – este último, um trabalho feito em conjunto com diversas outras organizações, como a Polícia Federal, a Receita Federal e o Palácio Itamaraty.
Essa proteção delegada ao Instituto, no campo das artes visuais, se refere exclusivamente aos bens tombados e bens históricos que vão até o período monárquico. Contudo, o Iphan sempre foi acionado por procedimentos alfandegários que estão fora de sua responsabilidade.
Esta realidade chega a números chocantes. Em 2017, o Instituto foi acionado em 5000 processos administrativos que, juntos, configuram 5000 obras. Destas, apenas 03 possuíam restrição perante o Iphan. Essa demanda de trabalho vem de forma desorganizada e sobrecarrega o Instituto – cujo corpo de trabalho já é conhecidamente reduzido.
Tendo isso em vista, optaram por delimitar um procedimento informatizado através de uma plataforma a ser criada em parceria com o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC). Este é o próximo passo para simplificar o processo de exportação, ou garantir a liberação automática, para bens que não são tutelados pelo Estado.
A plataforma já está sendo discutida em âmbito federal. Nesse sentido, Fábio fez um apelo: os museus e galerias precisam enviar suas necessidades ao Iphan para que a construção dessa plataforma responda devidamente a elas. E claro, munir o Instituto para dispor e reivindicar destas necessidades frente à Receita Federal.
O Iphan está hoje sob a superintendência da historiadora Kátia Bogéa.