Era 1998, um momento em que a internet começava a se popularizar no Brasil, ao mesmo tempo em que a Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet) passava a ter mais relevância, com a ampliação da participação de empresas privadas no financiamento às artes no país. “Era preciso levantar uma discussão pública sobre cultura e mercado, prevendo a potência cultural brasileira e buscando entender como desenvolver uma indústria cultural nacional, tendo em vista também seus perigos e ameaças. Até então, não havia uma reflexão sobre isso”, lembra Leonardo Brant.
Naquele ano, então atuando como pesquisador da área, Brant decidiu criar um website, como uma ferramenta de comunicação com clientes e parceiros da sua recém-criada empresa de produção e marketing cultural, a Pensarte. A ideia principal era fomentar o debate, especialmente com o setor privado, sobre a importância do investimento em cultura. Para isso, trazia artigos, um banco de leis de incentivo e projetos que buscavam financiamento.
“Me causou espanto o quanto o setor cultural aderiu ao site, de uma forma surpreendente. As pessoas começaram a pedir pra eu publicar seus projetos e artigos. Eu fiquei sem saber o que fazer, porque era um site proprietário, mas ao mesmo tempo entendi que estava trabalhando num setor desestruturado e que era preciso fazer algo para ajudar a estruturar”, conta Brant. “O setor cultural não tinha algumas ferramentas para dialogar com a iniciativa privada, e as empresas também não tinham alguns conhecimentos sobre a cultura, o que acabava provocando desconfiança de ambos os lados. Então eu fui vendo aquele instrumento de mercado se tornar um ambiente de relevância social. E, aos poucos, fui percebendo que ele tinha essa missão: de provocar e ajudar a profissionalizar o setor.”
Inicialmente chamado de Canal Pensarte, em 2001, o site passou a se chamar Cultura e Mercado. “A mudança de nome foi por conta da mudança de projeto, de sair definitivamente do âmbito privado para assumir sua função pública”, explica Brant.
Da opinião para a formação
Um veículo informativo gratuito, interativo e democrático, aberto a contribuições de qualquer pessoa que tivesse interesse no assunto, muito antes do surgimento das redes sociais. O Cultura e Mercado tornou-se o canal de debate mais lido e que trazia maior clareza sobre o tema, referência para muitos profissionais de todo o país, atuantes em empresas, poder público e organizações sociais. Naquela época, o site chegou a ter um milhão e meio de visualizações por mês.
Em 2010, avançado o debate também para as temáticas de entretenimento e economia criativa, e identificando uma lacuna de profissionalização para esses mercados, Leonardo Brant uniu-se ao advogado Fábio de Sá Cesnik e ao gestor cultural Ronaldo Bianchi para criar o Cemec – Centro de Estudos de Mídia Entretenimento e Cultura.
A ideia original era de um núcleo de formação que atuasse a partir de uma potente rede de especialistas em parceria com outras organizações culturais, com a missão de desenvolver e qualificar esses mercados. Assim, passou a oferecer cursos livres tanto de assuntos mais tradicionais para o setor – como gestão de projetos, captação de recursos, produção cultural -, como ampliando a visão para novas tendências, como branded content e storytelling.
Cultura e Mercado e Cemec sempre atuaram lado a lado. Em 2016, após algumas mudanças no quadro societário da escola e com a jornalista Mônica Herculano e a produtora cultural Alice Coutinho à frente da empresa e do site, o Cemec passou a se chamar Cursos Cultura e Mercado. E assim o site assumiu uma outra função: de formação profissional.
Referência para debates públicos
Antes disso, porém, Cultura e Mercado já havia demonstrado seu potencial offline. Já estabelecido como importante interlocutor entre o setor cultural e o poder público, foi referência para discussões de políticas públicas no Ministério da Cultura e promoveu encontros e eventos de relevância para o setor, como o seminário #Procultura, em 2012.
Naquele momento, discutia-se substituir a Lei Rouanet pelo Programa Nacional de Fomento à Cultura (Procultura), e Cultura e Mercado foi o veículo responsável por dar destaque a esse debate por meio de artigos, vídeos e entrevistas, culminando em um grande evento, que reuniu em São Paulo (SP) nomes como Henilton Menezes (então secretário de Fomento e Incentivo à Cultura do Ministério da Cultura), Odilon Wagner, Teixeira Coelho, Eduardo Saron e Marta Porto, entre outros.
Cultura e Mercado também foi parceiro de diversos encontros promovidos por outras organizações, como o Fórum Internacional de Direito do Entretenimento, em 2015, promovido pela Comissão de Direitos Autorais, Direitos Imateriais e de Entretenimento da OAB-RJ.
Já em 2016, lançou o Panorama Cultura e Mercado, evento que teve sua segunda edição no ano seguinte, reunindo produtores, empreendedores e investidores em um formato inovador: sem palestras, mas sim debates cara a cara entre os convidados, durante cinco noites, com temas como inovação na cultura, mercado de entretenimento, diversidade, editais empresariais e financiamento.
Sustentabilidade
A essa altura muitos profissionais já haviam passado pelo site, como parte da equipe e colaboradores, e também pela escola, tanto no lugar de professores quanto de alunos. Os cursos já contabilizavam mais de três mil inscritos – hoje esse número passa de cinco mil. Mas, assim como para grande parte dos empreendimentos culturais, isso não significava estabilidade financeira.
Na verdade, o site nunca teve uma fonte de renda própria, exceto alguns pequenos apoios eventuais. E isso também se explica pelo fato de que, por ser entendido como um observatório de políticas públicas, Cultura e Mercado não poderia ser financiado por recursos públicos. Assim, nunca buscou nenhuma lei de incentivo para financiamento.
Já a escola acabou se tornando também uma fonte de sustentabilidade para o site. Porém, como empresa, em boa parte da sua existência enfrentou dificuldades econômicas, inerentes às flutuações do mercado.
Soma-se a isso a vinda de uma pandemia de saúde mundial, em 2019, que abalou todos os negócios, e levou as atuais gestoras a repensarem o presente e o futuro, do site e da escola.
Presente
Daniele Torres Cordeiro conheceu o Cultura e Mercado logo no início. Como museóloga em começo de carreira, acessava o site para aprofundar conhecimento, buscar informações e referências, se atualizar sobre mudanças nas legislações, conhecer opiniões e encontrar pares. Com o passar do tempo, já mais inserida nesse mercado, passou a escrever artigos para o canal e logo foi convidada para dar aulas. A relação se fortaleceu, ela criou novos cursos, como a pioneira Formação em Captação de Recursos, e em 2016 se tornou sócia.
“Hoje o Cultura e Mercado não é mais o único lugar de referência, o que é muito bom, porque é preciso ter várias vozes. Atualmente existem vários canais onde você pode acompanhar discussões, políticas culturais, informações sobre leis… Vários sites, blogs, mesmo pelo Instagram, Twitter, Facebook, LinkedIn. Existem diversas redes e cada uma delas tem muitas fontes de informação bacanas. Então ele perde um pouco esse espaço de debate, as discussões somem um pouco do site e das próprias redes do CeM. Tem pouca interação nesse sentido, comparando com o que a gente tinha no começo”, afirma Daniele. “Mas eu acho que o CeM também amadureceu, mudou e migrou. Ele era parte do processo de formação do gestor cultural e agora assume um papel, puxa para si a responsabilidade de ser um lugar, de fato, de formação do setor cultural. É um lugar de prática, de experimentação, de troca, e é referência para os profissionais, para quem quer atuar, para quem quer entender e ter essa aplicabilidade prática dos seus conhecimentos de uma forma rápida”.
Luciana Nascimento era aluna da graduação em Produção Cultural da FMU, em 2018, quando fez seu primeiro curso no Cultura e Mercado, como monitora/bolsista. No ano seguinte, já formada, passou a integrar a equipe, sendo responsável hoje pelo atendimento e produção de projetos. “O que tem marcado essa história, sem dúvidas, é o clima de parceria e confiança, que sobrepõe a hierarquia. Saber que minhas opiniões, ideias e sugestões são importantes para o desenvolvimento do Cultura e Mercado torna esse trabalho um lugar de crescimento, acolhida, amizade, planos e conquistas”, conta.
Inclusão faz parte do DNA do Cultura e Mercado, e os projetos desenvolvidos nos últimos anos – e previstos para os próximos – apontam para que isso esteja cada vez mais presente. Um exemplo é o Gestão e Inovação CeM Fronteiras, que tem como objetivo oferecer uma bolsa para que mulheres pretas da periferia possam fazer uma formação em gestão cultural.
E falando em mulheres, a questão do feminino também está bastante presente, como pontua a sócia Larissa Biasoli. “Quando fui aluna do Cultura e Mercado, tive mais professoras nos cursos do que professores. Quando comecei a dar aulas, via nas salas – presenciais e virtuais – a maioria de mulheres alunas. A composição de sócias do CeM já era 100% feminina antes da minha entrada. Conheci Alice e Dani como sócias, e Luna Recaldes trabalhando no atendimento, para depois entrar no time e seguir nessa composição. E essa representatividade toda importou muito na minha formação como produtora, gestora e captadora e segue importando na minha carreira e no mercado. Como eu digo em sala de aula e acredito: a revolução é feminina!”
Larissa veio do interior de São Paulo e buscou os cursos do Cultura e Mercado para compreender melhor o funcionamento do setor. Posteriormente, passou a integrar o time de especialistas da escola e, em janeiro de 2021, assumiu a sociedade ao lado de Daniele Torres. “Vejo o CeM como sinônimo de generosidade, como um local de muita troca e possibilidade de encontros frutíferos, um lugar de acolhimento, de pessoas e de ideias”, diz.
Futuro
Tudo isso converge em uma missão cada vez mais clara. “Passaram-se tantos anos, tantos sócios, e o Cultura e Mercado nunca deixou de existir, nunca fechou, nunca sucumbiu às crises financeiras – que não foram poucas. Nem à covid, nem à pandemia. Porque ele é maior, e o que o mantém é um interesse maior na sua missão de informar e formar o mercado cultural”, analisa Daniele. “Então, como ele é algo missionário, acaba não importando muito a sua composição societária, nem o retorno financeiro. Quando isso importa, quando é uma questão, esse bastão é passado adiante, para alguém que possa continuar tocando. E sempre tem alguém que toca, porque a missão é muito importante.”
Esse caráter social foi entendido por Daniele e Larissa como uma vocação do Cultura e Mercado: de ser uma organização sem fins lucrativos. Mais uma evolução nesta trajetória e um olhar para o futuro. Por isso, neste momento está em curso sua transformação formal em um instituto, o Instituto Cultura e Mercado.
Com isso, espera-se chegar a um número maior de pessoas, em localidades mais distantes e de forma mais acessível. “Para que comunidades ribeirinhas, comunidades quilombolas, comunidades indígenas, para que a produção cultural das periferias possa se profissionalizar, ganhar voz, ganhar o Brasil e o mundo”, vislumbra Daniele.
Celebrações
Enquanto os trâmites para a criação do Instituto correm, as comemorações pelos 25 anos no ar seguem, com o lançamento de um selo comemorativo, que já traz uma atualização da logomarca, registrando essa nova etapa. “A proposta foi inspirada na logo original, com suas cores e círculos que se ligam criando uma rede. Neste novo layout é apresentada uma releitura deste conceito, com uma imagem mais minimalista dessa rede de informação e pessoas, ressaltando o caráter construtivo e re-significante na cultura nacional que o CeM desenvolveu nos seus 25 anos de trajetória”, explica Nando Motta, responsável pela criação da nova marca.
Também será lançado um podcast, “Cultura e Mercado em Foco”, produzido pelo podcaster Marcel Vitorino. A proposta é explorar a diversidade cultural brasileira, por meio de entrevistas com especialistas e líderes de diversos segmentos ligados à cultura. Com uma abordagem leve, educativa e informativa, cada episódio fornecerá insights valiosos sobre a produção cultural do país, além de visitar a história do Cultura e Mercado, abordando temas fundamentais para o setor e trazendo convidados que fizeram parte da história do site e da escola.
E ainda como parte da celebração, no decorrer dos próximos meses, o site de notícias fará um resgate de 25 importantes reportagens publicadas desde o início dos anos 2000, tendo em vista relembrar importantes momentos da história da cultura no Brasil nesse período, além de trazer depoimentos de pessoas que fizeram parte da trajetória do Cultura e Mercado.
Todas as novidades podem ser acompanhadas em www.culturaemercado.com.br e nas redes sociais (@culturaemercado).
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