O novo é produto da inquietação do homem no seu desejo de permanência no universo de uma memória, não mais limitado ao repertório mitológico da tradição.O novo não pode tornar-se tradição sem dar lugar a contradições singulares, mitos, disparates – criativos, mesmo, amiúde.”1

A insuperável rebeldia do novo não dura muito, contraditoriamente ele se afirma no reconhecimento do antigo. Não se renova a partir do vazio. O que se nega é a imposição da tradição contrária à implantação do repertório cultural mantido imóvel e ileso. A invenção do novo rompe com o tempo instituído e codificado pela tradição. Claro, a sociedade muda e, com ela, transformam-se os valores e a forma de meditar sobre os acontecimentos e as coisas; e, por outro lado, sem a continuidade das antigas formas de pensar, sem linguagens do passado sobrevivendo no presente, não haveria história, duração, nem leitura, o mundo seria uma soma descontinua de instantaneidades. As acumulações das experiências passadas também contribuem para a construção da imagem particular que caracteriza a atualidade de uma cidade. Se o novo pode ser apreciado é porque ele destaca-se do antigo que o cerca e acrescenta algo à memória.

O movimento moderno rompeu com a tradição, paradoxal, calcado numa viagem obsessiva atrás do novo, a essência do belo moderno. O corte com a história era mais uma provocação; os símbolos da máquina eram a rapidez e o transitório, a reconstrução de tudo sem saudades do passado. “Bejamim vê no homem moderno um ser incapaz de recordar-se porque está inteiro concentrado na interpretação dos choques da vida cotidiana” 2. O homem moderno não tem tempo para se ocupar com a memória do passado, ele é solicitado para as demandas atuais. A nova poética da instantaneidade, do efêmero e a crença na validade tecnológica do mundo, falam de um novo sonho, o estranho sonho positivista da razão, venerado por uma noção de tempo fugaz, particular e local.

O novo é produto da inquietação do homem no seu desejo de permanência no universo de uma memória, não mais limitado ao repertório mitológico da tradição. Em busca de novas aventuras, ele quer encontrar um novo propósito para a história, garantir sua continuidade social e individual, através do enriquecimento do patrimônio de valores artísticos e culturais; assegurar sua continuidade diante da densidade e do império do antigo. A transformação constante da sociedade industrial, a afirmação de sua independência em relação às outras sociedades, através da certeza do aparato tecnológico, criaram a necessidade de definir uma arquitetura e uma arte livre de tradições. Mas, neste final de século, já se fala até de uma clássica tradição moderna, que juntamente com outras tradições, constituem a base para se inventar novas identidades e novos conceitos de apreensão do mundo posterior à modernidade. Em arquitetura não se pensa mais em construir máquinas racionais, mas espaços para o homem viver, permeados de objetividade e subjetividade. Aos poucos o novo vai se constituindo num alojamento de lembranças de um passado recente.

Uma sociedade racionalizada não poderia subsistir ancorada em valores e ideais tradicionais. Esse edifícios higiênicos, puros de representações que ilustram a cultura moderna estavam imersos em um modo de apropriação determinante da configuração do lugar do homem, depois da invenção da máquina. A liberdade moderna era uma espécie de revolta com o instituído, o intocável e o imutável. Controvertidamente, observamos hoje, a acomodação e a incorporação dos movimentos de vanguarda da primeira metade do século, na qualidade de suporte de uma outra fala mítica, que dá conta da nossa atualidade. O moderno vai aproximando-se do antigo, vai transformando-se em mais um repertório de figuras ideais, isto é, modelos transcendentais ao tempo.

O homem no excesso das fantasias modernas é contra o passado, porque acredita na sua superioridade em relação às gerações que o procederam e quer emancipar-se frente a todas as opiniões. Este fardo moderno, hoje, angustia o homem, os efeitos da civilização tecnológica não o elevaram à essência divina. O novo só foi possível pelos conhecimentos transmitidos pela tradição, e para pensar ou construir a cidade, a arquitetura, os objetos, o lugar moderno, o homem tem de lidar necessariamente com uma memória. Mudam-se os códigos, mas o pretexto é sempre o mesmo, a eternização de uma cultura, de uma sociedade; o sentimento infinito de um fragmento do tempo.

1- ROSENBERG, Harold – A tradição do novo, trad. Cezar Tozzi, ed. Perspectiva, São Paulo – 1974. p. XV.
2- ROUANET, Sérgio Paulo – Op. Cit. P 47

Almandrade


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