No FSM, o jornalista Eugênio Bucci analisou a fabricação do imaginário nos tempos atuais. Não apenas a cultura, mas “as pessoas são elas mesmas as mercadorias”, afirmouPor Sílvio Crespo
27/01/2003
O imaginário se tornou um um fértil campo de exploração capitalista. Não há cultura que não tenha sido englobada pelo mercado, e a televisão vende o olhar de cada um dos seus telespectadores. Esses são alguns aspectos que o jornalista Eugênio Bucci, recém nomeado presidente da Radiobras, enxerga na na sociedade “superindustrial” em que vivemos. Bucci estava presente na mesa da conferência Mídia e Globalização, domingo, no III Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. No debate que lotou o Ginásio Gigantinho, também estava na mesa Ignacio Ramonet, diretor do jornal francês Le Monde, entre outros convidados.
Fabricação da imagem
Bucci ficou em pé durante todo o seu discurso e também levantou a platéia várias vezes, que o interrompia para aplaudi-lo. O jornalista falou sobre o papel que a grande mídia desempenha hoje na sociedade, depois que ela abandonou a sua função original de promover o debate público. Hoje, de acordo com Bucci, a atuação dos meios de comunicação de massa é orientada pelo “negócio” e pela “fabricação da imagem”.
Para dar uma idéia do poder dos grandes conglomerados midiáticos, o presidente da Radiobras tomou como exemplo a fusão entre a América On Line e a Time Warner, em 2000, que formou um grupo avaliado, na época, em 320 bilhões de dólares, mais da metade do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro.
Jornalismo de entretenimento
No momento em que vivemos, o capital deixou de ser fabricante da mercadoria e passou a fabricante da imagem da mercadoria. “O processo de reprodução do capital tornou-se o processo de representação do capital”, acrescentou o jornalista. Dessa forma, os grandes conglomerados da mídia, segundo Bucci, tornaram-se a “negação do papel do jornalismo”, que deveria ser, de acordo com ele, o de debater seriamente as questões públicas. Ao contrário, hoje “o negócio do jornalismo foi submetido ao negócio do entretenimento”, explica.
Além da venda de notícias e entretenimento, a televisão vende, principalmente, os olhos do espectador, disse Bucci. Ela o conquista e prepara seus olhos para enxergarem de uma forma específica. Aqui, “as pessoas são elas mesmas as mercadorias”. Portanto, explica o jornalista, a lógica dos meios de comunicação acaba sendo a de obstruir a formação da sociedade. Isso não é compatível com a democracia e com a informação e consiste na mencionada “negação do papel da mídia”.
Cultura e mercado
Para dar prosseguimento à sua análise, Bucci recorre ao conceito de sociedade superindustrial, cunhado pelo cinetista político Fernando Haddad, da Universidade de São Paulo. O conceito se refere a uma suposta intensificação dos procedimentos industriais, ao invés da emergência de um setor desligado da indústria, o de serviços, como defendem alguns teóricos. Na era da sociedade superindustrial, a imagem das mercadorias é fortemente explorada pelo capitalismo, e a cultura fica subordinada ao mercado. Para Bucci, essa situação só poderá ser revertida se a política for colocada acima do mercado.
Brevemente, o jornalista fala sobre as reflexões de especialistas sobre o tema. No passado, “dois teóricos perceberam que a cultura pode ser industrializada, que a beleza pode ser fabricada, e que a cultura pode ser determinada pelo mercado”, contou, referindo-se provavelmente aos filósofos Theodor Adorno e Walter Benjamin, que viam as transformações e o vazio que a indústria cultural promoveu nas artes.
Mais tarde, o centro do debate passou a ser o advento do espetáculo. Este corresponde, segundo o jornalista, ao capital, que atingiu tal grau de transformação a ponto de aparecer como imagem.
Espetáculo da guerra
Atualmente, tudo tende ao espetáculo, segundo Bucci. “A ciência, a religião, a guerra aparecem como espetáculo”. “Na queda das duas Torres Gêmeas, o que entra em cena não é apenas o ferimento no centro do capitalismo financeiro, […] mas o olhar como campo de batalha, […] porque é no olhar que a guerra se trava”. A guerra, segundo Bucci, aparece como o “enlouqeucimento do espetáculo”, que leverá o mundo a uma auto destruição sem precedentes.
“Dizer ‘não’ à guerra é dizer ‘não’ ao espetáculo. Não há distância entre dizer ‘não’ à guerra e dizer ‘sim’ à informação”. É preciso que a sociedade se empenhe em reverter a atual situação, “antes que o mercado escreva o epitáfio da democracia”, concluiu o presidente da Radiobras, já sob os entusiasmados aplausos da platéia.
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