Periferias globais apontam modelos alternativos à tradicional e excludente indústria cultural. Cinema nigeriano e tecnobrega paraense são exemplos de como nascem da informalidade e da necessidade da comunicação novos negócios para quem não está representado pela grande indústria do entretenimento.

PORTO ALEGRE – É explícita a emergência de novos modelos de produção cultural nas periferias globais. Assim, o modelo de produção cinematográfica nigeriana não tem muita diferença da disseminação do tecnobrega no Pará, ambos estão calcados no mesmo conjunto de práticas que se consagrou chamar de pirataria. Foi o que, em ambos os casos, ajudou a alavancar o mercado informal, aumentando a demanda e idicando caminhos de exportação de bens culturais.

O exemplo nigeriano

Nollywood, a curiosa e gloriosa indústria de cinema nigeriana, já é conhecida em todo o mundo por seus incríveis recordes de produção que já a destacaram economicamente como o terceiro melhor mercado cinematográfico e o maior produtor em número de películas do planeta. Mas o que faz com que a Nigéria, grande país africano, pobre como o Brasil, tenha como segunda principal fonte de emprego e renda a sétima arte?

Bruno Magrani de Souza, pesquisador do Centro de Tecnologia e Sociedade, da FGV Direito (RJ), que participou do 8º Fórum Internacional de Software Livre (fisl8.0 – Saiba mais), fez o que todo curioso faria: foi à Nigéria entender o fenômeno. Por lá, descobriu que a população do país não vai ao cinema, os filmes são adquiridos em VHS, VCD e DVD pela população em feiras livres, como camelôs. Estranho? Mais fácil compreender revendo a História, no caso, a do audiovisual nigeriano:

A televisão nigeriana nasceu em 1957, período de disseminação das concessões de tevês nos países terceiro-mundistas: regulada pelo Estado e nas mãos de empresas privadas. Em 1976, com um golpe militar, o governo atacou as empresas com um processo de nacionalização que afugentou os sonhos hollywoodianos dos nigerianos. Um processo de guerra civil no mesmo período tirou a população das ruas, assustada com a violência, e o videocassete tornou-se tecnologia obrigatória de entretenimento.

No início, os filmes chineses e indianos eram os favoritos. Com a desvalorização da moeda chinesa, foi a vez dos investidores daquele país e da Índia fugirem para deixarem uma lacuna em um mercado ávido por alguma forma barata de diversão. Isso, segundo Magrani, gerou uma enorme demanda por novos produtos de entretenimento. Em 1992, um investidor comprou um lote grande de fitas VHS e resolveu fazer um filme para colocar naquelas fitas magnéticas para agregar valor ao produto que venderia. Nasceu Living in Bondage, primeiro grande filme africano que custou US$ 10 mil e vendeu 750 mil cópias.

O que aqui conhecemos por pirataria, conforme relataram os produtores ao pesquisador, no caso nigeriano, foi o fator que ajudou a alavancar o mercado, aumentando a demanda e iniciando os caminhos de exportação daquele bem cultural que já atuava em crescente expansão.

O tecnobrega

Toda crise traz novidades. Assim como na Nigéria, no Brasil, lacunas de mercado também estão sendo preenchidas. Aqui a crise da indústria fonográfica tem sua dimensão ilustrada pelo exemplo da SONY/BMG – que manda em 40% dos artistas do catálogo de grandes gravadoras no Brasil. Em 2006, ela lançou apenas 13 discos. Por outro lado, apenas na cidade de Belém, cresce uma indústria informal que lançou 400 títulos no mesmo período. “É produção cultural sustentável, viável, não formal”, explica Oona Castro, do Coletivo Intervozes (www.intervozes.org.br) e autora de pesquisa da FGV sobre o caso.

A Fundação detectou que a rede de distribuição e difusão do tecnobrega envolve 140 bandas e 860 camelôs. O BID detectou que a renda média de um belenense é de R$ 700,00. E um músico de Belém, segundo a pesquisa, recebe em média R$ 1.685,00. Números que movimentam, apenas entre os músicos do universo tecnobrega, mais de R$ 3 milhões, sendo que mais de 90% destes valores são negociados à margem de contratos e registros.

Novos modelos nas periferias globais

O tecnobrega nasceu da mesma carência nigeriana e com modelos alternativos semelhantes para o acesso à produção cultural. Está explícita a emergência de novos modelos de produção cultural nas periferias globais.

Hoje, o governo e o cinema nigerianos enfrentam o desafio da convergência tecnológica e novas formas de experimentar modelos de negócios e cria uma academia de estudo de arte e ciência da produção cinematográfica enfrentando grandes dificuldades: o aumento do custo das produções, adaptando-se aos modelos de Hollywood, as barreiras para obtenção de crédito, a criação de uma estrutura legal e a conseqüente e inevitável redução do número de filmes.

O que mudou? O caminho da formalidade. Todo esse rico mercado era totalmente informal, ponto que constitui uma das grandes intersecções na comparação com o tecnobrega. Para Magrani, pode ser a decadência de um modelo de negócios que ainda está se cristalizando.

“A única forma de criar solução é experimentar o alternativo. Os novos modelos surgem onde a lei não tem eficácia. E está provado que esse modelo que nasce na periferia funciona. Onde? No que eles chamam de pirataria”, pontua Magrani, antes de Oona concluir o debate com a pergunta que martela todas as cabeças: “Como essas iniciativas podem ser usadas como referências para políticas públicas?”.

* Parceria: A parceria entre Carta Maior e Cultura e Mercado possibilitou o envio de um repórter desta agência a Porto Alegre para a cobertura de alguns dos principais debates do 8º Fórum Internacional de Software Livre.

Carlos Gustavo Yoda – Carta Maior *


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