A classe artística brasileira enfrenta resistências ao promover seu trabalho. Porém, essa classe tem aumentado nos últimos anos em função do ensino de educação artística nas escolas primárias e tem se apresentado como uma opção de desenvolvimento dos municípios cuja atividade industrial seja limitada.

Entre as inúmeras dificuldades de obter patrocínio, talvez a de maior peso, seja aquela referente à imagem formada pela classe artística na sociedade como um todo. Os empresários ficam inseguros ao patrocinar grupos artísticos e por isso, optam, na maioria das vezes por fazer negócios com grupos já conhecidos no cenário nacional e que tenham à sua frente algum empresário “confiável”.

Por esse motivo, este artigo busca aclarar o conceito de imagem e a importância da construção de uma imagem positiva para a classe artística. Acreditamos que este estudo possibilitará uma maior facilidade no trato com os empresários incentivadores da arte.

DESMITIFICANDO A CLASSE ARTÍSTICA
Nota-se uma dificuldade das empresas em apoiar projetos culturais. Este tipo de patrocínio é muito recente, e no Brasil, a classe artística representa uma mistura de Deus e diabo, envolta num manto divino e profano. É uma classe que se distingue, que tem características próprias e que é capaz de alimentar sentimentos como admiração e, ao mesmo tempo, descomprometimento e descrença. Há uma preocupação com o destino que os grupos poderão dar ao valor repassado e a qualidade final dos trabalhos, dentre outros. Segundo uma pesquisa feita por ADÉLIA FRANCESCHINI E ASSOCIADOS (1994: 70):

“Culturalmente, existe uma visão impregnada de preconceitos e estereótipos de comportamento dos “artistas”, baseada em experiências negativas, amplamente divulgadas e generalizadas por toda a classe artística. Este fato cria insegurança por parte das empresas em investir em algo que possa vir a macular sua imagem empresarial”.

Os empresários gostam do circo proporcionado pelos grupos artísticos, no entanto, não estão dispostos a dar o pão, que é o combustível viabilizador desse processo criador.

É importante que os empresários entendam que a parceria artista- mercado é proveitosa para ambas as partes. Assim, eles inclinarão a incentivar projetos culturais. Para que isso ocorra é necessário que a classe artística se mobilize no sentido de construir uma imagem coerente e condizente com a seriedade e tamanho dos projetos que pretendem levar adiante.

Na outra ponta desta relação: artista-empresário está a empresa que necessita da construção de uma imagem corporativa que a distingua da concorrência, oferecendo a seus clientes um “algo mais”.

A imagem corporativa é a que se tem, em termos gerais, da empresa e pode ser conceituada como o

” resultado líquido das interações de todas as experiências, impressões, crenças, sentimentos e conhecimentos que as pessoas possuem da empresa” ( PATERSON, 1970, apud Worcester, 1986: 603, Bevis, 1974).

Assim, as empresas têm, como opção para construção dessa imagem a parceria com grupos artísticos que venham atingir seu público-alvo de forma eficaz.

Evidencia-se, assim, o fato de que “o moderno patrocínio corporativo tem como primeira característica uma função estratégica e as decisões de investimento em cultura são feitas com o objetivo de um retorno de prestígio para a imagem da empresa e/ou de seus produtos. Ou, para usar o jargão do meio, o investimento em cultura serve para “qualificar” o conjunto das ações de comunicação da empresa com o mercado e a sociedade” (DURAND, 1995:3).

A parceria das empresas privadas com os diversos grupos artísticos locais já é realidade nos países mais desenvolvidos. No entanto, no Brasil, a questão da cultura ainda está marginalizada, apesar da existência de leis como a Lei Rouanet, que é federal. Leis de incentivo fiscal à cultura no Distrito Federal (Brasília), nos Estados do Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo, nas capitais Aracaju, Belo Horizonte, Curitiba, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo, Teresina e Vitória, e nos municípios de Londrina, São Bernardo do Campo e Uberlândia, sem contar os municípios que apenas têm fundos de amparo às artes, que é o caso de Porto Alegre, Santo André e São José dos Campos, além do Estado do Espírito Santo.

Promover as artes é colaborar para enriquecer a nossa qualidade de vida. Investir na cultura é compatibilizar as necessidades de desenvolvimento econômico com o respeito à herança de nossa civilização. Enfim, ajuda a preservar a qualidade de vida e a vitalidade criativa de nosso tempo.

A sobrevivência das artes diz respeito à sociedade como um todo, e, consequentemente, requer, também a participação das empresas. Conforme ROSA, (1994: 120):

Só uma parceria com o mundo dos negócios pode garantir às instituições culturais os recursos necessários à expansão de suas atividades”.

É preciso sensibilizar os empresários para a importância de sua participação e da consciência das vantagens que tal participação lhes proporciona. Cabe ao artista portanto, atuar de forma ativa, inovadora e ousada e se fazer respeitado, coerente e decidido. Enfim, é responsabilidade do artista construir uma imagem que inspire confiança, uma imagem de profissionalismo e coerência. Só assim, a compatibilização de interesses será possível e poderá contribuir para o desenvolvimento social e econômico como um todo.

Mas afinal, o que é imagem?

IMAGEM
O conceito de imagem surgiu em 1955 e estava vinculado, inicialmente, à marca, a partir da constatação de que os consumidores compram, não somente por seus atributos e funções físicas, mas também devido aos seus significados. Posteriormente, esse conceito foi ampliado para questões mais amplas do que objetos que se compram e vendem, para abranger aquelas ligadas a uma infinidade de relações da empresa com seus públicos e mesmo decorrente de seu trato com seu ambiente.

A literatura sobre imagem é vasta. A maioria dos livros de administração utilizam do termo, ressaltando sua importância para as organizações, mas o conceito de imagem é vago, e pressupõe-se que imagem seja uma definição de senso comum, não necessitando, então, ser definida e aclarada.

Buscando, assim, fugir da pluralidade de significados que a palavra “imagem” traz consigo, optamos por trabalhar uma particularidade da imagem, que é a imagem corporativa e mais, estaremos nos referindo à imagem pública, pois “envolve um compartilhamento social e uma publicização de significados” (REIS, 1991: 10).

O conceito de imagem está ligado essencialmente ao sujeito que a tem ou que a forma. Pode-se, assim, afirmar que são as pessoas que possuem alguma imagem a respeito de alguma coisa. Envolve uma mistura de sentimentos, percepções e outros elementos subjetivos e pertencentes ao sujeito formador da imagem. Nesse sentido estão as definições de BRITT (1977), que acrescenta a idéia de que imagens são estereótipos formados pelas pessoas.

Compartilhando desse entendimento, LALANDE (1967) define imagem utilizando-se mais do mecanismo da percepção e de uma forma bem abstrata, porém, de fácil comprensão:

“Imagem é a repetição mental, geralmente mais debilitada de uma sensação (ou mais exatamente de uma percepção) precedentemente experimentada. Depois de uma sensação exterior e não espontânea, acontece em nós um segundo acontecimento correspondente, não originado pelo exterior, espontâneo, semelhante a esta mesma sensação, só que mais suave; acompanhada das mesmas emoções, agradável ou desagradável em menor grau, seguido dos mesmos valores, mas não de todos. A sensação se repete, mas menos distinta, menos enérgica e privada de vários de seus concomitantes” (LALANDE, 1967:483-5).

Podemos perceber, assim, que a imagem vai se estabelecer e ser construída a partir da percepção de quem recebe a mensagem. A ação do sujeito na construção da imagem é fator determinante e diferenciador. Assim, vai variar de indivíduo para indivíduo e até mesmo em função das circunstâncias.

A imagem corporativa nos é particularmente importante, uma vez que se apresenta como um bem de troca. É exatamente esta imagem que precisa ser trabalhada, construída no universo das artes, para que o empresário possa perceber a classe artística como confiável e profissional, a ponto de incentivar um projeto que esta classe se propõe a executar.

A sobrevivência e a qualidade do trabalho artístico dependem desta capacidade de construção de uma imagem condizente com as exigências e necessidades do meio que o financia.

Uma imagem forte e bem posicionada pode garantir ao meio artístico o patrocínio, e, simultaneamente, o comprometimento com sua arte, na segurança de que o investimento naquele grupo artístico não maculará sua imagem empresarial, pelo contrário, contribuirá para o crescimento da empresa na mente do seu consumidor. Possibilitará a diferenciação de seus concorrentes de uma forma nobre.

REIS ( 1991) define de forma clara o que vem a ser imagem corporativa:

“o produto resultante do trabalho de caracterização e projeção de uma identidade institucional desejada/possível, construida a partir da seleção, ordenação, elaboração e emissão de conteúdos valorativos originários de uma dada organização, expressos sob a combinação de “formas simbólicas” e “objetos simbólicos” (REIS, 1991: 32).

E completa: “É através da imagem corporativa que as organizações sinalizam o que aspiram que seja a sua identidade institucional”.

Esse conceito vem nos mostrar a necessidade da existência de uma identidade institucional para a construção de uma cultura corporativa.

Um ponto a ser ressaltado é a importância de uma cultura corporativa coesa, que só é possível, caso reflita a realidade do grupo. Deve ser coerente e fiel aos valores do grupo, pois imagem é um conceito instável e está sujeita a mudanças constantes. Não há como programar uma imagem para representar o que não é. Se isto ocorrrer, torna-se um estereótipo intencional e pode trazer consequências danosas para o grupo que a utiliza desta forma.

Assim, não adianta o artista mudar seu comportamento, “forjar” atitudes que em nada se assemelham a sua identidade real. Os valores do grupo devem ser respeitados, a identidade distintiva deve ser mantida, porém, trabalhada, a fim de transmitir uma idéia de segurança. Mesmo porque é sabido que a classe artística é diferenciada do todo social e que tem uma identidade particular, não havendo necessidade de afastamento de seus valores para a busca do patrocínio. As características diferenciais dessa classe são entendidas e até valorizadas no âmbito social. O que parece faltar é uma idéia de organização, de seriedade, e outros valores que a sociedade também valoriza. A classe artística as tem, porém, de forma distinta do todo. Cabe agora, saber trabalhar esses conceitos e se mostrar para o mercado incentivador.

Imagem corporativa é, antes de tudo, um bem de troca simbólica, que faz a mediação entre uma instituição e os públicos com os quais interage. É um “recorte emoldurado” da cultura organizacional produzido para comercialização: é uma mercadoria.

“A mercadoria é, antes de mais nada, um objeto externo, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas, seja qual for a natureza, a origem delas, provenham do estômago ou da fantasia.” ( MARX, s/r: 41, 42)

Assim, concluímos, com as palavras de REIS, (1991: 40) que:

“A imagem é então, não só projeção de objetos simbólicos, atividades e atitudes, mas também enquanto significação, expressão de uma resposta positiva às expectativas da sociedade em relação ao desempenho organizacional”.

Ou seja, os grupos artísticos devem se preocupar em aproximar seu desempenho das expectativas do incentivador e, aí, sim, projetar tais resultados, que se constituirão em um dos elementos de sua imagem corporativa, ressaltando a importância da manutenção da independência e liberdade no processo criativo.

Fixar uma imagem corporativa é educar, no sentido de legitimar, ou seja, representar (reapresentar) valores tidos como objetivos para aquele dado grupo, através de técnicas deflagadoras de processos eficazmente didáticos.

A necessidade de formação de uma imagem corporativa não se subordina à dinâmica do mercado concorrencial, (apesar de possuir sempre um enfoque mercadológico) mas, sim, à dinâmica de evolução do próprio capitalismo, que passou a demandar a regulação da produção de sentido em instâncias onde antes não o fazia. A imagem corporativa é construída para ser um bem de troca.

A sua eficácia está diretamente associada à manutenção de sua identificação com a realidade que representa.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BRITT, S. Psychological Principles of the Corporate Imagenery Mix: Some of the Guess Work Can be Overcome. In: Business Horizons, June, 1971.

DO REGO, F. Comunicação Empresarial/ Comunicação Institucional: Conceitos, Estratégias, Sistemas, Estrutura, Planejamento e Técnicas. São Paulo. Summus.1986.

DURAND, J. Patrocínio Empresarial e Incentivos Fiscais à Cultura no Brasil. Análise de Uma Experiência Recente. Carthago & Forte. São Paulo. 1995

___________. Profissionalizar a Administração da Cultura. São Paulo. 1995.

___________. Sociologia da Arte. Arte, Privilégio e Distinção. Perspectiva, São Paulo, 1989.

FRANCESCHINI, Adélia. Arte e Empresa – Parceria Multiplicadora in Lei de Incentivo à Cultura. Uma Saída para a Arte. Carthago & Forte. São Paulo.1994.

LALANDE, A. Vocabulário Técnico y Crítico de la Filosofia. Buenos Aires, Libreria El Ateno Editorial. 1966.

MARX, K. O Capital – Crítica da Economia Política, in Imagem Corporativa: Gênese, Produção e Consumo, 1991.

NOLAN, J. Proteja sua Imagem Pública com Desempenho. In: Exame, setembro 1977.p. 31 -35

REIS, Maria do Carmo. Imagem Corporativa: Gênese, Produção e Consumo. Dissertação apresentada à UFMG para Obtenção do grau de Mestre em Administração de Empresas. 1991

RODRIGUES, Suzana. Cultura Corporativa e Identidade: Desintitucionalização Em Uma Companhia de Telecomunicações Brasileira.

ROSA, H. Por que Investir em Cultura in Lei de Incentivo à Cultura. Uma Saída para a Arte. Carthago & Forte, São Paulo.1994

Simone Marília Lisboa é consultora e administradora de empresas. Mestre em Marketing e Planejamento Estratégico pela Universidade Federal de Minas Gerais, autora do livro “Razão e Paixão dos Mercados”, técnica licenciada da Secretaria Municipal de Cultura de Belo Horizonte e diretora da Faculdade PROMOVE de Sete Lagoas. E-mail: smlisboa@uai.com.br – Fone: (31) 772-3770

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Simone Lisboa


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