Este artigo tem como objetivo o pensamento acerca da tão propagada indústria cultural. Busca aclarar o seu significado e provocar o raciocínio acerca do poder desta indústria sobre o dia-dia desta chamada sociedade da informação.

O termo indústria cultural foi empregado pela primeira vez em 1947, e era utilizado com o objetivo de identificar um tipo de cultura que integra e homogeiniza os seus consumidores.

Não se refere a um tipo de cultura que surge das massas, mas a um tipo que se dirige às massas, especulando sobre o estado de consciência e inconsciência de milhões de pessoas, estabelecendo padrões de comportamento, incentivando modismos, determinando o que é certo e errado.

Esse processo de homogeinização do comportamento faz com que os indivíduos, aos poucos, percam sua identidade, passando a se identificar com aquilo que é global. Ao mesmo tempo que ele percebe que toda essa indumentária, imposta pelos meios de comunicação de massa, não faz parte de si mesmo.

“Essa centralização da sociedade moderna destrói ou enfraquece os laços que ligam os homens à vida comum, tornando com isso manipuláveis as massas e deixando no controle as organizações e os meios de comunicação de massa” (WILENSKY, 1978: 258).

Essa questão é muito bem trabalhada no texto de SOUKI (1994), que exemplifica momentos de mesclagem entre realidade e a ilusão proporcionada pela mídia fazendo com que os indivíduos não consigam delimitar até onde vai a realidade e inicia a ficção. Exemplo marcante foi o assassinato da atriz da Rede Globo de Televisão, Daniela Perez, fruto de um sentimento de amargura fictícia vivida pelo personagem Bira, transferindo para o universo da vida real um sentimento que trouxe consequências que chocaram o Brasil, como foi noticiado nacional e internacionalmente.

Os meios de comunicação têm o poder de “trabalhar” as informações, e assim, nivelam os indivíduos por baixo, causando alienação, passividade e impondo valores que muitas vezes vão de encontro com a cultura e identidade local.

A imagem envolve, conquista e seduz os indivíduos que se expõem a ela e utilizando deste poder de sedução, as mercadorias culturais da indústria se orientam segundo o princípio de sua comercialização e não segundo seu próprio conteúdo e configuração adequada.

No Brasil, a indústria da cultura teve início com o rádio, que depois da década de 60 teve sua esfera de ação reduzida em função da presença da televisão. Esta passou a transmitir os programas que anteriormente faziam sucesso no rádio.

O desenvolvimento do rádio e da televisão estão ligados à necessidade da indústria nacional emergente, e, por isso, esses veículos de propaganda são responsáveis pela veiculação de comerciais e programas que atendam às necessidades do parque industrial brasileiro.

A indústria cultural não percebe o consumidor em sua individualidade, mas o todo, o conjunto, e desta forma as características individuais não são levadas em consideração, há uma estandardização da própria coisa. E, assim, torna-se a cada dia mais poderosa no que diz respeito à função ideológica. E, contrariando os princípios de valorização das diversidades e respeito pelo indivíduo, busca a reprodução de uma ideologia dominante, deixando de lado o ser humano e sua postura participativa no ambiente no qual se insere. Nas palavras de ADORNO (1978: 288), a cultura industrializada

“ao invés de protestar contra a condição esclerosada na qual os homens vivem, agora, por sua assimilação total aos homens, torna-se integrada a essa condição esclerosada; assim, ela avilta os homens ainda uma vez”.

Essa indústria que representa muito mais ideologia, vem tolher a capacidade criativa dos indivíduos fazendo destes uma peça na engrenagem dessa indústria.

“A indústria cultural abusa da consideracão com relação às massas para reiterar, firmar e reforçar mentalidade destas, que ela toma como dada a priori e imutável. É excluído tudo pelo que essa atitude poderia ser transformada. As massas não são a medida mas a ideologia da indústria cultural, ainda que esta última não possa existir sem a elas se adaptar” ADORNO (1978: 288).

A “massa” é uma coletividade dotada de atributos como grande extensão, heterogeneidade, e carência de estruturação social. E encontra expressão em fortes relações de vinculação e dependência para com objetos e preocupações públicas distantes, tais como atos, pensamentos e sentimentos relativos à nação (hiperpatriotismo e xenofobia), à classe, à raça.

Isto é, a massa representa um coletivo cujas idéias e propósitos são pouco definidos, abstratos e coletivos, como por exemplo, o sentimento de nacionalismo que se manifesta durante as copas do mundo nivelando as diferenças de classe social através deste sentimento.

SODRÉ (1972) vem explicitar o moderno fenômeno da cultura de massa que só se tornou possível com o desenvolvimento do sistema de comunicação por media, ou seja, com o progresso e a multiplicação vertiginosa dos veículos de massa – o jornal, a revista, o filme, o disco, o rádio, a televisão. Assim,

“o que se convencionou chamar de cultura de massa tem como pressuposto, e como suporte tecnológico, a instauração de um sistema moderno de comunicação (os veículos de massa) ajustado a um quadro social propício” (SODRÉ, 1972: 13).

WILENSKY (1978: 262) vem identificar as características comuns à “cultura de massa” e diferenciar esta da chamada “alta cultura”,

“Os gostos comuns imprimem forma à cultura de massa; os padrões críticos sustentados por grupos produzindo autonomamente imprimem forma à alta cultura. Um outro elemento correlato frequente mas não inevitável à cultura de massa é uma alta taxa de comportamento de massa – uma resposta uniforme e direta a símbolos remotos”.

Pode-se citar, a título de exemplificação de cultura de massa, o fato de ser a televisão apontada como responsável pela mudança de hábitos alimentares. O consumo de alimentos industrializados passou a interferir na capacidade de produção doméstica. As mensagens recebidas pela televisão, em geral, mostram os alimentos industrializados como mais saudáveis, mais ricos em vitaminas, mais saborosos e práticos. Basta ir ao supermercado e comprá-los, como ordenado nas mensagens publicitárias ( SOUKI, 1994).

MILANESI (1985) sugere que a televisão teve um efeito negativo sobre as atividades teatrais e outras áreas da criação artística. Ele atribui à televisão o desenvolvimento de um alto índice de passividade nos telespectadores que passaram de criadores a consumidores. A atividade teatral exige criação, participação e consciência da problemática local, enquanto que para se consumir os produtos culturais vindo do exterior, do Rio de Janeiro ou São Paulo, basta apertar um botão.

O efeito da televisão no comportamento dos indivíduos é bem trabalhado por SOUKI (1991) quando trata do efeito da entrada da televisão dos Estados Unidos, em Belize, um país na América Central.

Os belizenhos estavam ávidos por esse “aparelho maravilhoso” que o restante do mundo já possuía e que sua ausência os obrigava a ter um estilo de vida diferenciado daquele global. Buscavam uma vida social mais ativa, numa tentativa de sair da monotonia de ficar em casa à noite. Assim, visitavam amigos, iam a um cinema ficavam imaginando “mil” alternativas de lazer noturno. Esse trabalho demonstra toda transformação sofrida por esse povo, no que se refere a hábitos de consumo, estilo de vida, depois da entrada da televisão que se deu em 1981. A invasão cultural que sofre e a tendência ao desmantelamento de toda uma identidade. Entre as conclusões podemos destacar o aumento de frustação das pessoas, uma vez que tendiam a comparar sua realidade com o que viam na televisão e uma perda gradativa da valorização da cultura local, em função da dificuldade da televisão belizenha competir no que se refere a qualidade técnica da programação estrangeira.

O mercado de produção cultural é o processo produtivo que tem como mola propulsora a criatividade, o livre pensar e a expressão de forma ímpar. Expressão que revela, resgata ou cria valores, costumes e a história de um povo. E pode ser definido como o aparato tecnológico – produtores culturais, incentivadores, equipamentos e mão-de-obra que venha suprir todas as necessidades para a concretização de um evento – que viabiliza a comunicação entre artistas e consumidores culturais

Concluímos então, não de uma maneira fechada e determinista, mas deixando a seguinte pergunta após todas estas considerações: Como compatibilizar o avanço tecnológico e as rápidas transformações mundiais experimentadas ao respeito ao indivíduo, de uma maneira agregadora e não segregaria ou mesmo preconceituosa? Quais ações devem ser tomadas? Quando? Por quem? Esses são dilemas que urge respondê-los.


BIBLIOGRAFIA

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Simone Marília Lisboa é consultora e administradora de empresas. Mestre em Marketing e Planejamento Estratégico pela Universidade Federal de Minas Gerais, autora do livro “Razão e Paixão dos Mercados”, técnica licenciada da Secretaria Municipal de Cultura de Belo Horizonte e diretora da Faculdade PROMOVE de Sete Lagoas. E-mail: smlisboa@uai.com.br – Fone: (31) 772-3770

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Simone Lisboa


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