Quando o Estado assume uma postura, elege uma doutrina, aponta estéticas, ele, além de ficar inchado, pesado, constrói uma legião de cultura marginal. Quando o mesmo Estado propõe que o domínio cultural passe necessariamente por uma lógica de caráter social, pior, constrói mitos de uma sociedade rica e culta, ele dá uma espécie de senha para que todo pensamento em torno do ambiente cultural obedeça o desenho da pirâmide que revela toda a nossa forma de organização social.
A arte não tem traço de caráter científico capaz de produzir idéia clara de superioridade ou inferioridade de qualquer manifestação. Este é, de todos, o pior dos erros que o Estado ou o governo pode cometer. Toda essa orientação é remetida a este mesmo plano nas universidades, nos departamentos de cultura, nos departamentos de marketing, orientados pela mesma régua invisível, lógico. E aí, vamos assistindo os remendos de um soneto que nos acompanha há alguns séculos. Me impressiona como tudo isso resiste, até os dogmas religiosos, muitos deles já cairam, mas esses dogmas culturais estão impregnados como uma crosta cerebral que não nos abandona. O pior é que essa crença tão irracional, tão destrutiva e sem justificativa não obedece um mínimo sequer de lógica para a aceitação tão pacífica de tudo. Isso causa um profundo desânimo. Uma sociedade chantageada por sistemas, corporações, grupos sociais, entidades de classe, compra, sem muito esforço, um pensamento pronto e, consequentemente, não consegue explicar todas as distorções, que não são poucas. Então, ao invés de discutirmos frontalmente essas questões, vamos criando as nossas emendas para compensar o erro sagrado que obedece, nada mais do que a uma liturgia sócio-econômica rio acima.
A Lei Rouanet e, agora também os pontos de cultura, são mecanismos que, de uma forma ou de outra, estão presos a essa teia, discute-se de tudo, mas não a essência de todo esse erro. Não podemos ter um resultado satisfatório quando o pensamento de base está focado num enorme erro. Ficaremos aqui, de governo em governo, de lei em lei, de programa em programa, tentando consertar o que já vem torto da fonte central que é o próprio Estado brasileiro. Se não discutirmos tudo isso antes, não teremos leis ou programas que se enquadrem na realidade brasileira que caminha a léguas de todo um conceito oficial que magnetiza e destrói toda a tentativa de se criar políticas que atendam de forma democrática às expressões escolhidas naturalmente pelo povo brasileiro.
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