O presidente da ABAPE questiona o mercado formado em torno da meia-entrada e pede que o Estado subsidie o ônus que vem sendo pago pelos produtores culturais

Não há como falar em financiamento da produção cultural no Brasil sem considerar o nosso principal lastro: as bilheterias dos espetáculos. Portanto, é de suma importância otimizar a discussão e criar as soluções concernentes ao impacto causado pelas chamadas “leis da meia-entrada” à produção cultural e de entretenimento neste país, os quais vêm desestabilizando o setor, reduzindo em grande escala as suas atividades.

Numa ação orquestrada, foram publicadas diversas leis regionais (estaduais e municipais) que obrigam a concessão de  descontos de 50% para os estudantes, idosos e outras categorias nos eventos culturais sem, contudo, apontar a fonte pagadora do subsídio. Uma afronta à Constituição brasileira e à livre iniciativa. Ao sabor dos demagogos de plantão, foi-se institucionalizando no país uma série de benesses às custas dos artistas,  produtores culturais e de entretenimento. Como diz o ditado: “fizeram a graça com o chapéu alheio”.

Encontra-se atualmente em tramitação em Brasília o PL 5205/05 de autoria do Dep. Eduardo Paes. Trata-se de um projeto de lei que busca regulamentar a questão da meia-entrada no Brasil e, por incrível que possa parecer, se aprovada, será a primeira Lei Federal a tratar do assunto.

É importante reiterar que a atividade cultural, além de ser fundamental na qualidade de vida do cidadão e na preservação da identidade de comunidades, tem um importante papel na economia, observadas as suas características de ferramenta de fomento econômico. A ação e promoção de eventos culturais e de entretenimento tem sido, comprovadamente, um substancial componente na geração de empregos e de divisas. Embora tenhamos poucos dados , em pesquisa realizada pela Fundação João Pinheiro em 1998, constatou-se que o setor gerava 53% mais postos de trabalho que a indústria automobilística, e mais que o dobro da indústria eletroeletrônica (Fonte – Jornal Gazeta Mercantil – 05/08/98). Atualmente, esses números certamente são ainda maiores.

Quando vemos a Rádio Jovem Pan declarar ao jornal “Folha de S. Paulo” de 05/03/2006, que pretende faturar em 2006 a quantia de R$9 milhões com a emissão de carteirinhas de estudantes, e que em cinco anos, o plano de negócio tem o objetivo de expandir 300% mais, ficamos estarrecidos: A base do plano de negócios está no desconto em nossas bilheterias. Onde isso vai parar? Fazer um  plano de negócios em cima da venda de um produto que oferece desconto num negócio de terceiros sem contra partida? Criamos, investimos, assumimos todos os impostos e riscos e estranhos ao processo faturando na carona. Não é isso um completo absurdo?

A desordem e a falta de regulamentação decente e constitucional propiciaram também o surgimento de uma indústria de carteirinhas no Brasil com a criação de entidades fantasmas cuja única finalidade é vender o documento, que “oferece desconto em nossos ingressos”, inclusive via internet.

A fraude no processo é escancarada, amparada pela ausência total de controle e regulamentação e gera um universo gigantesco de falsos estudantes. Aliás, estudante ou não, só não tem hoje a carteirinha quem não quer : vejam as diversas reportagens em que jornalistas comprovam a facilidade de se adquirir uma carteira de estudante sem o menor esforço ou entrega de documentação – basta pagar.

Devemos trazer clareza  ao assunto. O dever constitucional de propiciar o acesso à  cultura é do Estado e não dos promotores de eventos. A forma como está estabelecido transfere e impinge o ônus aos artistas e produtores culturais, num processo onde os produtores (os pagadores do benefício), ao menos têm ingerência ou controle sobre a forma da obtenção do benefício, “as carteirinhas”.

Cumpre ressaltar que não temos absolutamente nada contra os estudantes, idosos, professores, deficientes e qualquer outra categoria, pelo contrário, são segmentos essenciais e que nos apóiam em sua maioria, sendo eles objetivo e objeto de ações de estímulo à freqüência aos nossos espetáculos. O que se discute aqui é a forma compulsória e irracional que nos obriga a assumir um ônus que de acordo com a Constituição brasileira deve ser do Estado.

Apenas para exemplificar, vale citar os taxistas que compram seu carro de trabalho mais barato, subsidiado, ou seja, o Estado em contra partida abre mão de impostos, não gerando, portanto, ônus a industria. Essa prática está presente em outros setores da economia, inclusive nas concessões públicas como o transporte coletivo que tem uma câmara de compensação tarifária para ressarcir às empresas as gratuidades.E os livros escolares? São comprados e pagos pelo Estado , para distribuição aos estudantes . Na Reforma Agrária , o Estado paga pelas terras, mesmo as improdutivas.

A ABRAPE (Associação Brasileira dos Promotores de Eventos) e outras entidades representativas dos segmentos dos artistas, empresários artísticos, cinema, teatro, entre outras, vem discutindo esta questão, chamando a participar amplos setores da sociedade civil, incluindo-se aí as próprias entidades estudantis como a UNE e UBES, na busca de uma solução.

Nas discussões já realizadas, alcançamos os seguintes pontos essenciais:

  • Garantia do direito à meia-entrada aos estudantes e idosos, desde que devidamente regulamentada;
  • Regulamentação e moralização da emissão de carteiras de estudantes em todo Brasil, criando-se um Fórum, um conselho representativo dos estudantes e promotores culturais e artistas;
  • Garantia do direito constitucional dos produtores culturais e artistas, a uma compensação financeira ou subsídio por parte do Governo Federal, concernente ao desconto oferecido;
  • De forma provisória, até que o Governo assuma este subsídio, adoção de cota máxima de 30% de ingressos disponíveis para meia-entrada em todos os espetáculos, de forma a nos permitir realizar planilhas realistas em nossos eventos.

    Haverá, muito em breve, duas audiências públicas, uma na Câmara e outra no Senado, onde o tema será abordado tendo como ponto de partida o projeto de lei.

    A hora é agora. O momento é de união, de pensar junto estas questões, somar esforços para encontrar as soluções e cobrar posicionamentos.

    PS: É inexplicável a omissão do Ministério da Cultura neste assunto tão fundamental à cultura brasileira.

  • Lúcio dos Santos Oliveira


    editor

    25Comentários

    • Gabriel, 30 de junho de 2006 @ 10:12 Reply

      Concordo em grande parte daquilo que foi colocado no texto, como a falta de regulamentação e fiscalização na emissão de carteiras de estudante, no entanto acredito que pontos importantes estão sendo omitidos. Quando é feita a comparação com o subsídio dado ao taxistas, não vejo o autor falar sobre os mecanismos de incentivo fiscal como a Lei Rouanet ou a Lei do Audiovisual, por exemplo. Será que o autor julga correto o fato de um grupo como o Cirque du Soleil captar 9,4 MILHÕES de reais através destes mecanismos onde, SIM, o Governo abre mão de impostos e AINDA ASSIM cobrar ingressos que custam até R$370,00? Por favor, me diga onde está a questão do acesso à cultura.

    • Alessandro Queiroga, 30 de junho de 2006 @ 10:46 Reply

      Quanto ao comentario do Gabriel, é preciso perceber que o incentivo da Lei Rouanet não é de fato uma contra partida, já que para obtê-lo é necessário que o evento tenha o projeto aprovado na Lei e, ainda, que consiga captar no mercado o valor do patrocínio, o que não ocorre com os demais subsídios citados. Por outro lado, deve-se observar que o valor de ingresso que ele cita a R$ 370,00, na verdade contempla a meia R$ 185,00, e é exatamente aí que está a questão.

    • Gabriel, 30 de junho de 2006 @ 11:23 Reply

      Quanto à questão da necessidade de aprovação de projetos na Lei Rouanet, julgo ser o mínimo! Assim como acredito que para se obter isenção de impostos na compra de um táxi há uma burocracia a ser transposta. A minha questão é: um espetáculo do Cirque du Soleil, com milhares e milhares de ingressos esgotados em 2 dias de vendas realmente necessita de incentivo fiscal para ser viabilizado? Continuo: em um país onde grande parte da populção não tem acesso a escola, ou seja, não tem direito à meia-entrada, R$370,00 é um preço justo?
      Será que o incentivo dado pela isenção de impostos por parte do Governo em casos como este não deveria ser utilizado para garantir o acesso de população carente a este tipo de espetáculo, ao invés de aumentar o lucro dos seus realizadores?
      Sei que existem casos e casos. Trabalho com produção de cinema e, neste caso, a Lei Rouanet ou do Audiovisual são utilizadas unicamente para viabilizar a realização de um filme e não para gerar lucro. Mas não acredito ser a situação do caso citado inicialmente.

    • José Renato Gomes, 30 de junho de 2006 @ 11:55 Reply

      A Lei Rouanet é muito importante,porém é uma obra de ficção para a grande maioria dos eventos no Brasil.A lei da meia-entrada está acabando com os produtores de eventos.O principal mercado empregador do segmento, é sem duvida, o das feiras agropecuárias e festas de peão.Estes contratantes, em sua grande maioria, estão ¨quebrando a cara¨ e arcando com enormes prejuízos.Já sentimos neste ano a diminuição do número de atrações nestes eventos,e a tendência é piorar.O vilão desta estória é a danada da meia-entrada. Ingressos baratos para os estudantes,idosos e professores e ingressos caros para o restante da população.

    • José Renato Gomes, 30 de junho de 2006 @ 12:15 Reply

      Concordo com o Gabriel, porém depois de um filme pronto com incentivo da Lei Rouanet, também é cobrado ingresso…

    • Priscila, 30 de junho de 2006 @ 12:39 Reply

      Seria realmente interessante observar o que aconteceria com o valor do ingresso se a emissão de carteiras de estudantes passasse a ser mais controlada ou mesmo se fosse adotado um número máximo de ingressos que pudessem ser vendidos como meia-entrada. Os custos dos ingressos iriam realmente cair? Os produtores de eventos e as cadeias exibidoras de cinema adoram usar a meia-entrada como uma das vilãs que fazem o preço dos ingressos aumentar. Mas eu seria capaz de apostar que se tudo isso fosse revisto, o valor dos ingressos teria um decréscimo insignificante e o acesso continuaria comprometido. E com certeza encontrariam outro vilão para justificar os valores. Produtor visa lucro, desde que o mundo é mundo. Que há necessidade de um maior controle na emissão de carteiras, eu concordo totalmente. Mas apontar isso como umas das causas para altos preços, me parece uma desculpa um tanto furada.

    • Gabriel, 30 de junho de 2006 @ 13:16 Reply

      Faço da Priscila as minhas palavras! Acho de deve SIM ser ficalizada a emissão das carteiras de estudante, desde que isso seja feito conjuntamente com a revisão dos custos em toda a cadeia de produção de eventos/produtos “culturais”.
      Sobre a cobrança de ingressos para filmes que se utilizaram da Lei Rouanet: infelizmente, no Brasil, quando um filme termina de ser produzido, ele se encontra em prejuízo, dependendo da bilheteria para amortizar os custos.
      A industria cinematográfica no país não ganha milhões em royalties como Hollywood, que lança um filme já pago.
      Sinto sim uma grande má fé por parte de muitos produtores culturais que querem se esconder atrás do filão da cultura e tentar assim entrar em um negócio sem riscos. Cultura é direto de todos, mas também é um negócio e TODO negócio deve estar sujeito à risco e às leis de mercado!

    • Mario Siqueira, 30 de junho de 2006 @ 15:08 Reply

      O Gabriel e a Priscila tocaram em pontos interessantes. Produção envolve riscos. Ninguém quer ser empreendedor, querem apenas lucros garantidos, e não é assim que o mercado cultural deveria operar. Se o número de ingressos vendidos como meia-entrada abaixasse, concordo com a Priscila que dificilmente veríamos uma redução proporcional no valor dos ingressos. Os produtores iam é querer ganhar mais. E no caso desses espetáculos da CIE Brasil no Teatro Abril, por exemplo? Já têm toda a produção assegurada pelos patrocínios obtidos com as leis de incentivo, e quase não correm risco nenhum de perderem dinheiro. E mesmo assim, os ingressos custam caríssimo, até mesmo com a meia-entrada. Sr Lúcio, páre de olhar para o próprio umbigo!

    • José Renato Gomes, 30 de junho de 2006 @ 17:25 Reply

      Acho que este assunto da meia-entrada deva ser discutido com quem sabe o que está falando, com quem corre enormes riscos todo final de semana produzindo shows.A meia-entrada tirou público dos eventos.O ingresso ficou caro para quem não goza do desconto. Isso é fato.No nosso segmento, falar que não existe risco,é desconhecer a realidade.Sr Lúcio continue olhando para o umbigo de todos os verdadeiros produtores do Brasil,antes que não sobre ninquém para contar o fim desta história.

    • Regina Reis, 1 de julho de 2006 @ 8:06 Reply

      Os comentários acima atêm-se ao cinema em sua maioria. Devemos lembrar que as leis de incentivo beneficiam puquíssimas produções no Brasil e colaboram pra matar outras tantas que não conseguem patrocínio sem elas e acostumam mal os patrocinadores que não mais fazem uso desta prática como faziam antes. Falamos da cultura como se esta tivesse que esmolar, o que não é o caso.

    • Marcos André Carvalho Lins, 1 de julho de 2006 @ 14:22 Reply

      desculpem , mas não tenho muita experiência nesse campo. O que eu gostaria de entender é se é a meia-entrada ou a “entrada e meia” que desestabiliza a produção cultural?? Em alguns multiplexes ( tratando de cinema ) os preços chegam a variar até um terço do valor do ingresso inteiro. são promoções que visam abrir os cinemas ao público de baixa renda.
      aí, é que está. a meia entrada não só democratiza o acesso ( desde que bem administrada ) como também é uma ferramenta de marketing a mais. No Brasil temos o hábito de frequentar promoções e se possuimos uma prerrogativa nesse sentido fazemos bom uso dela. não obstante, penso que o autor desse artigo tem bons motivos para reclamar da confusão que é a questão de emissão de carteiras.

    • Gabriel, 3 de julho de 2006 @ 9:16 Reply

      O Sr. José Renato Gomes, em seu primeiro comentário fala das feiras agropecuárias e festas de peão. Acho que estamos discutindo com pessoas que não tem, ao menos, noção do que é cultura e o que não é. Acho que isso basta.

    • Samuel, 3 de julho de 2006 @ 20:36 Reply

      O que convenientemente esqueceu-se de mencionar neste texto é:
      1 – Os ingressos de cinema antes da fábrica de carteirinhas custavam R$10.
      2 – Os cinemas e outros estabelecimentos não fiscalizam as tais carteirinhas com o rigor de quem tem o bolso doendo.
      3 – Ninguém mencionou a meia-entrada de cesta básica. “Leve uma cesta básica e pague meia entrada!”.
      E vocês ainda acham que não está tudo no preço? Ora!

    • Marcos, 4 de julho de 2006 @ 10:52 Reply

      Vou assinar embaixo do comentário do Samuel. A maioria das salas de cinema e teatro pedem a carteirinha na bilheteria, mas não a exigem no momento da entrada da sala, podendo ser facilmente ludibriadas nesse aspecto. Vou freqüentemente ao teatro e a maioria das salas mal confere os dados da carteira na hora da compra. Em muitas unidades do Sesc, é possível comprar ingressos a meia-entrada sem apresentar a carteira, que eles informam será solicitada no dia do espetáculo, o que nunca vi acontecer.

    • Bruno Dias, 4 de julho de 2006 @ 10:57 Reply

      Esse papo de produtor sobre a meia-entrada ser a responsável pela diminuição dos lucros é ridículo, e é mais ainda querer que o Estado arque com esse suposto ônus. Produtor tem que correr risco, faz parte do negócio. Ou então que mudem de área. E antes desse estouro de reclamações sobre a falta de fiscalização na emissão das carteiras de estudante, os ingressos já custavam caro, e eram aumentados periodicamente. Aqui em São Paulo, por exemplo, a sala de cinema com os ingresssos mais caros da cidade é o Cinemark do SHopping Iguatemi, que chega a cobrar R$19 em um final de semana. Quando essa sala foi inaugurada, em menos de um mês todas as outras provocaram um aumento em seus valores, para não ficar atrás da concorrência. E o vilão é sempre a carteira de estudante? Este artigo do presidente da Abrape é de um comodismo ímpar.

    • Magdalena Rodrigues, 4 de julho de 2006 @ 17:42 Reply

      Como representante das categorias de artistas e técnicos, ocupando atualmente a presidencia do CONATED – COLEGIO NACIONAL DOS SINDICATOS DE ARTISTAS E TÉCNICOS, sinto-me no dever de esclarecer aos senhores, nosso público que, atores, bailarinos, cantores, músicos, técnicos ,apesar da característica glamourosa do ofício, são trabalhadores como quaisquer outros , que necessitam de habilitação profissional( capacitação) no Ministério do Trabalho para exercer sua função e dependem dos seus “cachet´s” para a sua sobrevivência. Não obstante ao processo de fixação de preços de ingressos, todos somos participantes de um estado democrático de direito. O dono de um negócio, no nosso caso , o produtor (empregador ) está obrigado a cumprir com os encargos de todos os seus contratados (artistas e técnicos) e a fixação de preços de um espetáculo (ou show) precisa considerar todas as despesas, licenciamentos,aluguel do espaço , taxas e toda carga tributária cheia, sem nenhuma regalia. A classe artística não é contra a meia entrada, somos contra a maneira pela qual se trata esse assunto. Somos os maiores interessados no maior acesso possivel aos bens culturais e artísticos e ao entretenimento. Porém, como propõe o presidente da ABRAPE, a regulamentação é necessária. Nossa atividade não é uma “picaretagem” qualquer ou coisa de gente sem escrúpulos, que tem como objetivo a exploração. Precisamos de compensação sim, alguma forma de subsídio. Os mecanismos de incentivo são ainda muito incipientes para um país de dimensões continentais como o nosso que, ainda nem dispõe de um orçamento para a sua cultura. Precisamos do envolvimento sério da sociedade nesta questão, para que ela própria se beneficie. É leviano que, percamos todos o nosso tempo ,atirando farpas, reclamando de preços altos. A frequência de público está escassa em todo o país. Isto não significa somente um “bem feito” para os produtores (empregadores) . Com isso, muita gente perde ocupação (postos de trabalho) E desemprego que, se soma a tantos mais de outras atividades. Todas as cidades merecem receber espetáculos, shows, grandes eventos que movimentem a sua economia, que oxigenem culturalmente as suas comunidades.
      Enfim, toda gratuidade é ressarcida de alguma forma. Será a nossa atividade, menos digna?

    • Antonio Machado, 5 de julho de 2006 @ 13:32 Reply

      Parece-me que está havendo uma gritaria muito grande pela falta de conhecimento do assunto e, talvez, uma forma de pensar no curto prazo.

      Lembro-me quando era jovem, achava ótimo pagar meia no ingresso do cinema. Hoje, mais velho e sem benesses, reduzi as idas aos cinemas e shows que mais gosto, e aboli o teatro. O custo de uma ida ao cinema, teatro e show, ficou tão caro que está elitizando cada vez mais os eventos. Isso significa que só os de maior poder aquisitivo terão acesso à cultura e no longo prazo cada vez mais serão excluídos.
      Vejamos por que:
      Um casal para ir ao cinema considerando uma pipoca e um refrigerante é da ordem de R$ 50,00. O teatro varia com a peça, mas podemos dizer que seja da ordem de R$ 80,00 só de ingressos. Os shows nacionais de boa qualidade podem ser da ordem de R$ 180,00 o casal.
      É sem dúvida muito dinheiro.
      – Mas porque os produtores e afins não reduzem o valor dos ingressos e com isso aumentam seu público?
      A resposta é porque esse não é o valor que eles efetivamente recebem por cada ingresso vendido.
      – Como assim?
      Se todos os ingressos fossem preço único poderia ser verdade, mas hoje a meia-entrada chega a até 80% do público de um tipo de filme, conforme divulgado por entidades do setor. Assim, uma sala de 200 lugares, se vendesse ingressos a preço único de R$ 15,00, arrecadaria R$ 3000,00. Considerando a meia-entrada, seriam R$ 1800,00 (40 inteiras + 160 meias). Isso significa um preço médio de R$ 9,00 por pagante. Se considerarmos um caso menos extremo, em que o número de meia-entrada seja 50% seriam R$ 2250,00, ou seja R$ 11,25 por pagante.
      Então, apesar do preço oficial ser R$ 15,00 para o público, para o cinema será algo entre R$ 9,00 e R$ 11,25.
      Se transferirmos esses números para teatro e shows, a diferença também será bem grande. Bem maior em números absolutos, pois quanto maior o valor maior a diferença numérica.
      O valor realmente recebido pelo produtor é que será utilizado para pagar as despesas do negócio.
      Concluindo, Cirque du Soleil por RS 370,00 é o valor de um tipo de ingresso cobrado ao público, mas para o produtor pode ser da ordem de R$ 200,00.
      – Então quem não é estudante está pagando para o estudante?
      Isso mesmo. Para estudante, maiores de 60 anos e em alguns estados para menores de 21 anos e professores da rede pública.
      Por esse motivo, cada vez mais as pessoas que não tem direito a meia entrada reduzem suas idas aos eventos culturais, que por sua vez são obrigados a aumentar os preço, pois os salários dos funcionário são os mesmos e aumentam todo ano, bem como os demais encargos.
      Entramos assim em um ciclo negativo, mas já identificamos “o ovo e a galinha”.
      Só para encerrarmos o Cirque du Soleil, vários produtores usam as Leis de Incentivo a Cultura para teatro e shows. Elas são claras e existem controles para a liberação da verba. Normalmente são usadas para suprir a deficiência no custo da produção.
      No cinema essas leis são muito utilizadas pelos produtores, mas não pelos exibidores.

      Continuando, o governo deve continuar investindo na cultura, pois esse é o papel dele. Hoje quem investe na cultura, nesse caso que estamos discutindo, é aquele que não paga meia-entrada.

      O problema de carteiras de estudante é insolúvel. Duvido que alguém apresente uma forma de emitir carteiras de estudante sem falsificação. Passaportes, identidades e habilitações são feitas com extrema complexidade e são falsificadas. Controlar na entrada esses documentos (que podem ser falsos), são uma fonte de aborrecimentos constante entre os funcionários do estabelecimento e o público.

      Mas o que queremos é que haja acesso à cultura.
      Ser estudante, idoso ou qualquer outra classe não significa que ele não possa pagar o valor da entrada. Ou melhor, que ele precise se beneficiar de uma lei para ter acesso à cultura. Então, a forma que está sendo usada para esse acesso é que está errada. Os governos federal, estadual e municipal podem criar mecanismos específicos para promover esse acesso sem que poucos paguem por muitos. Por exemplo, poderiam trocar impostos por ingressos e distribuir em escolas públicas ou vendê-los a baixo custo para a população de menor poder aquisitivo. Ou então, criar uma sistemática em que aqueles que derem o benefício da meia-entrada serão compensados de alguma forma. Essa seria uma forma correta de não passar para a sociedade um custo que é do governo.
      Com a retirada da “imposição” da meia-entrada os vários segmentos poderiam rever os seus cálculos e buscar preços mais atrativos. Com certeza eles seriam mais baixos. Sem dizer que as promoções poderiam ser de toda ordem, hoje limitadas pela restrição da meia-entrada. Isso levará mais público aos espetáculos e viabilizará as produções nacionais, não porque terá subsídio de uma lei, mas porque dará lucro ao produtor. Ninguém faz um negócio para ter prejuízo ao final. A meia-entrada tem um erro conceitual na sua concepção que precisa ser reparado com urgência, sob pena de inviabilizar a iniciativa privada nos eventos culturais.

      Para terminar, considerando as sistemáticas atualmente utilizadas na cultura, se levassem para o Projeto Fome Zero, seria necessário criar uma lei em que estudantes e idosos deveriam pagar a metade do valor do cardápio de qualquer restaurante a nível Brasil. O resultado seria que todos os restaurantes aumentariam os preços de seus cardápios, pois saberiam que muitos pagariam somente a metade. Em breve todos estariam reclamando do absurdo do preço da comida. Mais uma vez poucos pagariam por muitos.

    • Jose de Andrade Fortes, 5 de julho de 2006 @ 14:27 Reply

      Caros

      Está claro. Não adianta tapar o sol com peneira. Do jeito que está não dá.
      O produtor cultural aumenta o ingresso por que não consegue pagar seus custos com ingressos vendidos pela metade do preço. O cidadão comum ou não vai aos espetáculos ou “compra uma carteira”. E todos fingimos que está tudo normal. Não está!
      São leis demagogas e eleitoreiras que visam os votos dos estudantes e esquecem dos trabalhadores não estudantes. É fácil dar esmola com a carteira alheia.
      Creio que está na hora de debatermos e regularizarmos esta situação e acabarmos com esta Hipocrisia vigente.
      Parabéns Lúcio Oliveira pela iniciativa do texto e da discussão. ÉSTÁ NA HORA!

    • Angela Castro, 5 de julho de 2006 @ 14:40 Reply

      Não sou grande entendedora do assunto. Li com atenção o artigo e os diferentes comentários aqui postados, a maioria contra o autor e alguns a favor. Não tenho embasamento técnico para argumentar sobre a questão. Não sou estudante, não tenho carteira falsificada e nem sempre tenho acesso a todos os espetáculos e atrações culturais que gostaria por não poder pagar os valores de bilheteria. Mas fiquei pensando no que aconteceria se, como pede o autor, passasse a haver uma maior fiscalização na emissão de carteiras; se somente aqueles que fossem realmente estudantes e maiores de 60 anos tivessem direito à meia-entrada; se com isso os produtores çonseguissem ter mais lucro nos espetaçulos e por consequência pagarem devidamente seus custos de equipe e produção. Se tudo isso acontecesse, iriam os ingressos ter um decréscimo no valor exatamente proporcional à queda de meia-entradas? E num país como o Brasil? Sinceramente, acho bem difícil acreditar.

    • José Renato Gomes, 5 de julho de 2006 @ 18:01 Reply

      Acorda para a vida Gabriel.Catira é cultura,moda de viola é cultura,festa de São João é cultura,moda sertaneja é cultura…Conheça o Brasil.

    • José Renato Gomes, 5 de julho de 2006 @ 18:05 Reply

      Parabéns Sr. Antonio Machado. Falou muito mas falou bem.

    • PEDRO, 5 de julho de 2006 @ 19:51 Reply

      Quer incentivo maior aos exibidores de cinema do que um punhado de milho e meio litro de refrigerante pelo preço de mais de dez reais? um lucro de mais de 100% em média. o lucro dos exibidores não está na bilheteria mas nos ganhos indiretos. quanto aos produtores, depois de tanto apoio, patrocínio e congêneres não será que o filme ou espetáculo já entra pago no palco ou na tela???deixo a questão em aberto.Do jeito que vai ou come-se pipoca ou se vai ao cinema. as duas coisas juntas está complicado de fazer.sem a meia-entrada complica ainda mais. será qu se freiar a meia-entrada, os exibidores e produtores não vão se contentar com o público pagante inteiro( o mesmo de anteriormente )? promoção por promoção tem espétáculo até de graça por aí. a meia-entrada ainda é uma maneira da classe média sair da frente da tv ( que será logo , logo digital ) e frequentar o que de melhor se oferece no circuito cultural urbano. sem ela , não esperem promoções, além das já existentes, por que é utopia.

    • Rogério Vianna, 6 de julho de 2006 @ 13:35 Reply

      Vou repetir Fernanda Montenegro nesta:
      O estudante quando precisa ir ao médico, ao dentista ou necessite de qualquer outro serviço tem direito de pagar só 50% dos honorários?
      Porque no meu serviço sou obrigado a conceder este desconto?
      É isto aí Lucio, vc sempre foi guerreiro e como presidente da ABRAPE brilha mais do que nunca.

    • Gabriel, 11 de julho de 2006 @ 9:59 Reply

      Sr. José Renato Gomes:

      Após uma pesquisa de cerca de 30 segundos, aqui estão alguns links com programação de grandes e principais festas de peão e agropecuárias do país:

      sss://www.festadopeaodecajamar.com.br
      sss://www.jaguariunarodeofestival.com.br/2006/index2.php
      sss://www.festadopeaodeamericana.com.br/
      sss://www.festadopeaodejaboticabal.com.br/si/site/0100
      sss://www.expoagrorv.com.br/

      Catira? Moda de viola??? Ou Banda Callypso, Charlie Brown Jr., CPM 22 e Inimigos da HP que não faltam na programação de nenhuma? Porque o Sr. não toma vergonha e organiza “eventos” que apresentem a VERDADEIRA cultura brasileira ao nosso povo, ao invés de ficar se escondendo atrás de pequenas desculpas para encher o bolso de dinheiro???

    • Zanini, Manoel Antonio Ballester, 12 de agosto de 2006 @ 0:28 Reply

      Um dos fortes argumentos em defesa da meia-entrada é o de que ela existia antes, era ótima para todo mundo e que, portanto, deveria voltar, que estimularia a formação de um público que em breve seria pagante integral.
      Mas alguém ainda se lembra de que tempos eram esses? Em que ir ao cinema era um acontecimento capaz de distringuir entre os que podiam levar a namorada e os que não? Em que ir ao teatro era coisa para adultos muito bem sucedidos na vida e que podiam dar-se ao luxo de ser “mundanos”? Em que mulheres não aceitavam ser vistas numa sala de espetáculo sem meias de naylon? Que só uma ínfima minoria tinha acesso a grandes concertos?
      Pois lembrem que tudo isso foi antes das Leis de Incentivo à Cultura e que no meio tempo entre essas duas fases cinema e teatro entraram em crise de público.
      Resumindo: com meia-entrada e sem leis de incentivo, o que se teve?
      Quando o privilégio de uns é ao custo de outros, ninguém é beneficiado.

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