O presidente da ABAPE questiona o mercado formado em torno da meia-entrada e pede que o Estado subsidie o ônus que vem sendo pago pelos produtores culturais
Não há como falar em financiamento da produção cultural no Brasil sem considerar o nosso principal lastro: as bilheterias dos espetáculos. Portanto, é de suma importância otimizar a discussão e criar as soluções concernentes ao impacto causado pelas chamadas “leis da meia-entrada” à produção cultural e de entretenimento neste país, os quais vêm desestabilizando o setor, reduzindo em grande escala as suas atividades.
Numa ação orquestrada, foram publicadas diversas leis regionais (estaduais e municipais) que obrigam a concessão de descontos de 50% para os estudantes, idosos e outras categorias nos eventos culturais sem, contudo, apontar a fonte pagadora do subsídio. Uma afronta à Constituição brasileira e à livre iniciativa. Ao sabor dos demagogos de plantão, foi-se institucionalizando no país uma série de benesses às custas dos artistas, produtores culturais e de entretenimento. Como diz o ditado: “fizeram a graça com o chapéu alheio”.
Encontra-se atualmente em tramitação em Brasília o PL 5205/05 de autoria do Dep. Eduardo Paes. Trata-se de um projeto de lei que busca regulamentar a questão da meia-entrada no Brasil e, por incrível que possa parecer, se aprovada, será a primeira Lei Federal a tratar do assunto.
É importante reiterar que a atividade cultural, além de ser fundamental na qualidade de vida do cidadão e na preservação da identidade de comunidades, tem um importante papel na economia, observadas as suas características de ferramenta de fomento econômico. A ação e promoção de eventos culturais e de entretenimento tem sido, comprovadamente, um substancial componente na geração de empregos e de divisas. Embora tenhamos poucos dados , em pesquisa realizada pela Fundação João Pinheiro em 1998, constatou-se que o setor gerava 53% mais postos de trabalho que a indústria automobilística, e mais que o dobro da indústria eletroeletrônica (Fonte – Jornal Gazeta Mercantil – 05/08/98). Atualmente, esses números certamente são ainda maiores.
Quando vemos a Rádio Jovem Pan declarar ao jornal “Folha de S. Paulo” de 05/03/2006, que pretende faturar em 2006 a quantia de R$9 milhões com a emissão de carteirinhas de estudantes, e que em cinco anos, o plano de negócio tem o objetivo de expandir 300% mais, ficamos estarrecidos: A base do plano de negócios está no desconto em nossas bilheterias. Onde isso vai parar? Fazer um plano de negócios em cima da venda de um produto que oferece desconto num negócio de terceiros sem contra partida? Criamos, investimos, assumimos todos os impostos e riscos e estranhos ao processo faturando na carona. Não é isso um completo absurdo?
A desordem e a falta de regulamentação decente e constitucional propiciaram também o surgimento de uma indústria de carteirinhas no Brasil com a criação de entidades fantasmas cuja única finalidade é vender o documento, que “oferece desconto em nossos ingressos”, inclusive via internet.
A fraude no processo é escancarada, amparada pela ausência total de controle e regulamentação e gera um universo gigantesco de falsos estudantes. Aliás, estudante ou não, só não tem hoje a carteirinha quem não quer : vejam as diversas reportagens em que jornalistas comprovam a facilidade de se adquirir uma carteira de estudante sem o menor esforço ou entrega de documentação – basta pagar.
Devemos trazer clareza ao assunto. O dever constitucional de propiciar o acesso à cultura é do Estado e não dos promotores de eventos. A forma como está estabelecido transfere e impinge o ônus aos artistas e produtores culturais, num processo onde os produtores (os pagadores do benefício), ao menos têm ingerência ou controle sobre a forma da obtenção do benefício, “as carteirinhas”.
Cumpre ressaltar que não temos absolutamente nada contra os estudantes, idosos, professores, deficientes e qualquer outra categoria, pelo contrário, são segmentos essenciais e que nos apóiam em sua maioria, sendo eles objetivo e objeto de ações de estímulo à freqüência aos nossos espetáculos. O que se discute aqui é a forma compulsória e irracional que nos obriga a assumir um ônus que de acordo com a Constituição brasileira deve ser do Estado.
Apenas para exemplificar, vale citar os taxistas que compram seu carro de trabalho mais barato, subsidiado, ou seja, o Estado em contra partida abre mão de impostos, não gerando, portanto, ônus a industria. Essa prática está presente em outros setores da economia, inclusive nas concessões públicas como o transporte coletivo que tem uma câmara de compensação tarifária para ressarcir às empresas as gratuidades.E os livros escolares? São comprados e pagos pelo Estado , para distribuição aos estudantes . Na Reforma Agrária , o Estado paga pelas terras, mesmo as improdutivas.
A ABRAPE (Associação Brasileira dos Promotores de Eventos) e outras entidades representativas dos segmentos dos artistas, empresários artísticos, cinema, teatro, entre outras, vem discutindo esta questão, chamando a participar amplos setores da sociedade civil, incluindo-se aí as próprias entidades estudantis como a UNE e UBES, na busca de uma solução.
Nas discussões já realizadas, alcançamos os seguintes pontos essenciais:
Haverá, muito em breve, duas audiências públicas, uma na Câmara e outra no Senado, onde o tema será abordado tendo como ponto de partida o projeto de lei.
A hora é agora. O momento é de união, de pensar junto estas questões, somar esforços para encontrar as soluções e cobrar posicionamentos.
PS: É inexplicável a omissão do Ministério da Cultura neste assunto tão fundamental à cultura brasileira.
Lúcio dos Santos Oliveira
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