A música como produto do capitalismo - Cultura e Mercado

A música como produto do capitalismo

A música na sociedade está diretamente relacionada à produção de poder e conflito*. Isso ocorre como fenômeno contemporâneo ao se tornar instrumento da comunicação mass media e objeto material (mídia física) no século XX, portanto produto técnico e objetivo, a serviço do capitalismo, convertendo-se em mercadoria.

Como elemento simbólico, a música contribui na modelagem da sociedade em seus diferentes tipos de arranjos institucional, social e econômico. A música como campo equivale à educação, direito e a religião, sendo uma dessas modalidades simbólicas ou institucionais da sociedade, em seus diversos níveis de realidade que correspondem às múltiplas funções técnicas, tanto da divisão do trabalho material como do trabalho simbólico.

Os diversos níveis institucionais surgem na estrutura autonomizados, correspondendo a um objetivo da vida social. Aquilo que Bourdieu chama de campo, um espaço de diferenças que contém o princípio de uma apreensão relacional do mundo social. O campo como um local específico onde a posição, recursos, interesses geram uma aproximação dos indivíduos.

Controlada pelas forças produtivas, articulada pela comunicação de massas, a música seria usada para reprodução e controle social, como infraestrutura, que denota a parte da totalidade da estrutura dos aparelhos ideológicos do Estado que integram a superestrutura capaz de uma “sobredeterminação” (ou ao menos hegemonia) sobre suas partes, que incluem aparatos tecnológicos, educacionais, midiáticos e empresariais integrados.

Controlada pelo monopólio da indústria fonográfica, entretenimento, audiovisual e copyright (direitos autorais), associada ao monopólio da comunicação, essa infraestrutura age em conjunto a serviço do poder do capital internacional. Forças hegemônicas que somadas a outras estruturas estabelecem um conjunto de relações de produção a qual se levanta a superestrutura jurídica e política do Estado.

A máquina do entretenimento no último século posiciona-se no rol dos mais ricos setores do mundo. A indústria cultural, que atingiu a marca de 1,6 trilhão de dólares em 2011, vem se consolidando como o segundo maior setor gerador de riqueza na economia mundial, perdendo apenas para a indústria das armas, mas, no entanto, não podendo se diferenciar, ao demonstrarem fortes ligações, ainda que supostamente “espúrias” entre elas, pois ambos os mercados são instrumentos de dominação, poder e conflito, que agiriam em conjunto. A indústria do entretenimento pela imposição de gostos e a de armas, pelo uso da força.

Poderes que, segundo Foucault, ao tratar de racionalidade política, como sendo estratégia do poder para manutenção e reprodução de relações econômicas como, sobretudo, uma relação de força, ou relações de forças sociais, apresenta a perspectiva de que a música como estrutura organizada e racionalizada serviria as forças econômicas, comunicativas, sociais e políticas, que se convertem em poder (capital) para os membros centrais do campo.

Essa estrutura geraria durante o século XX a produção de música de massas em escala industrial, uma determinada forma a estrutura econômica da sociedade, gerando o consumo cultural da música massificada global que, no entanto, anteriormente a internet, não era feita pelas massas, apenas consumida, segundo Adorno passivamente, ou não, diante de limites que ainda precisam ser determinados.

O processo de dominação hegemônica resultaria na produção de capital simbólico e lucros para os proprietários das estruturas de entretenimento, ou seja, para as elites do setor. Esta concentração de poder (modos de produção) aumentaria a capacidade de controle do capital midiático sobre as forças de trabalho, de produção, preço e excedente de forças produtivas, portanto a exploração de mais-valia, e inversão do Valor de Uso, pelo Valor de Troca. Conceitos que ao serem aplicados às atividades musicais/culturais revelariam os efeitos da existência de um proletariado explorado na música, ou bem pior, um precariado que sequer é explorado. Bem como resultariam na alienação das massas no conjunto de exploração/alienação, à qual correspondem determinadas formas de consciência social segundo Marx.

Essas premissas levam à reflexão de que não existe nada de inocente no fenômeno musical, monopolista da indústria cultural. As políticas para o setor da música nesse contexto refletem a dinâmica de forças articuladas, tensões e conflitos que ocorrem no interior de seu campo.

*Parte do texto: SOUZA NETO, Manoel J de. Música Brasileira. Conflitos entre grupos políticos, sociais e econômicos na câmara setorial de música do Ministério da Cultura, no início do século XXI. Curitiba, 2014.
**O objetivo do retorno desta coluna (iniciada em 2008) é apresentar partes da pesquisa que resultou em um mapa inédito da música no Brasil, pretendendo buscar sentido concreto das forças hegemônicas que regem o mundo atual.

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