O I Encontro Sul-Americano das Culturas Populares reuniu representantes do Brasil e de 12 países para debater e articular alternativas para as culturas populares
BRASÍLIA – O I Encontro Sul-Americano das Culturas Populares e o II Seminário de Políticas Públicas para as Culturas Populares, realizado em Brasília, entre 14 e 17 de setembro, reuniu representantes, gestores, produtores, artistas e mestres de todos os estados brasileiros e de 12 países do continente. Integração latino-americana, democratização da comunicação, construção da identidade, diversidade cultural, tradição, políticas públicas, colonização e resistência, espetáculo e canibalização, sabedoria, gestão e promoção das culturas foram alguns dos temas abordados.
A questão – Anunciam-nos outro mundo possível as vozes antigas que nos falam em comunidade. A comunidade e o modo comunitário de produção e de vida são, sem dúvida, a mais remota tradição da pátria América. A sabedoria coletiva pertence aos primeiros tempos, mas também está nos tempos do agora e do futuro que já encaminham um novo Mundo Novo.
A sociedade de massa, voltada ao consumo e ao espetáculo, e que hoje habita o continente, ignora que não há nada menos estrangeiro do que o socialismo comunitário nessas terras. Estrangeiro é a gripe, a varíola, o pop e o capitalismo!
Alan Swingewood escreveu em O Mito da Cultura de Massa (1977) que a teoria aristocrática da sociedade de massas está ligada à crise moral causada pelo enfraquecimento dos centros tradicionais de autoridade, como a família e a religião. A sociedade prevista por Ortega y Gasset, T. S. Eliot e outros autores é uma dominada por massas filistinas (os incultos de interesses estritamente materiais, vulgares, convencionais; desprovido de inteligência e de imaginação artística ou intelectual), sem centros ou hierarquias de autoridade moral ou cultural.
Nesse tipo de sociedade, a arte só sobrevive se consegue cortar as suas ligações com as massas, refugiando-se nos valores ameaçados. Mas e se, mesmo com o processo de minimização do Estado, ainda existir resistência do poder público e da própria sabedoria popular em preservar, valorizar e difundir esse patrimônio imaterial?
A discussão – Para debater e articular alternativas para as historicamente renegadas e excluídas culturas populares, reuniram-se gestores, produtores, artistas e mestres de todos os estados brasileiros e de 12 países no I Encontro Sul-Americano das Culturas Populares e no II Seminário de Políticas Públicas para as Culturas Populares, realizado em Brasília, entre 14 e 17 deste mês.
Na abertura do evento, no teatro Plínio Marcos, na Funarte, o músico poeta ministro da Cultura, Gilberto Gil, lembrou o generalizado desconhecimento das culturas entre os países vizinhos. Gil destacou que apenas em um momento houve integração através da música e que não era a popular no sentido da tradição, algo que acabou depois da hegemonia da “bala mágica” da indústria cultural.
“A Europa sempre foi a nossa referência cultural. Por isso sempre pensamos cultura no sentido erudito. O objetivo desse encontro é reafirmar o horizonte. E o horizonte da América do Sul é comum, via as culturas populares. Precisamos descolonizar nossas terras dessa cultura elitizada e excludente”, afirmou o ministro.
O grande desafio, para Gil, é como repensar a nação brasileira com um raciocínio calcado na diversidade. “As classes populares nunca estiveram no horizonte das políticas públicas para a cultura. O artista popular ficou em uma espécie de confinamento. Hoje, um novo horizonte abre-se como um espelho que reflete a nós mesmos”.
O secretário da Identidade e da diversidade Cultural do MinC, Sérgio Mamberti, comemorou a realização do segundo encontro para culturas populares. Já em 2005, durante o I Seminário, Mamberti defendeu enfaticamente a idéia de que não pode haver diferenciação de expressões culturais ou de trabalhadores da cultura como de primeira ou de segunda classe.
O espaço reservado à cultura afro-brasileira foi frisado pelo presidente da Fundação Cultural Palmares, Ubiratan Araújo. Ele acredita que a identidade deve ser respeitada de maneira igual e democrática. “Os povos da América do Sul estão movidos pela necessidade da solidariedade, da amizade, que se traduz no samba e no maracatu. As manifestações populares sempre estiveram excluídas das agendas culturais internacionais. Os empresários sempre terão seus pequenos grandes interesses. É preciso e estamos resistindo”, afirma.
Para Ubiratan Araújo, o objetivo do governo é superar as barreiras simbólicas e investir fortemente para anular a cultura de uma prática secular de exclusão, a fim de realizar o sonho da integração continental.
Velho Mestre – Manuel Salustiano Soares, o Mestre Salu, foi a grande estrela do encontro, como uma espécie de embaixador unânime da cultura popular brasileira. Na abertura do evento, lembrou quando, anos atrás, Gil afinou seu violão em sua casa, seguiindo o tom de sua rabeca. “Se não estiver afinado não dá para tocar junto. E seguimos afinados até hoje”, brincou.
Mestre Salu lembrou quando, em 1977, fundou o Maracatu Piaba de Ouro, sem nenhum tipo de incentivo do poder público: “Nós organizávamos os jogos de bozó e vendíamos cachaça para poder levantar dinheiro para o maracatu. Hoje estou colhendo aquilo que eu e meus antepassados plantamos. Olhe aonde a cultura popular chegou. Hoje a gente discute direto com o Ministério e monta um projeto”.
Fonte: Carta Maior
Carlos Gustavo Yoda