A Secretaria do Audiovisual (SAV) é a única remanescente das chamadas secretarias finalísticas, desfeitas na reorganização do Ministério da Cultura promovida em 2003 por Gilberto Gil. A então recém-instalada Ancine ainda não tinha o peso e a representatividade de hoje. Com o tempo, a sobreposição de funções e luta por espaço político foi pauta de constantes discussões entre as entidades de cinema e os dois organismos.
Ficou mais ou menos convencionado que seria reservada à SAV o terreno do cinema de arte, da experimentação, pesquisa, curtas e novas tecnologias. A indústria, a regulação do mercado, a cadeia produtiva do cinema, seria a parte do bolo destinada à Ancine. À SAV o cineminha e à Ancine o cinemão.
Por mais que eu tente acompanhar as brigas e reivindicações das entidades do cinema, e muitas vezes considere-as legítimas, não consigo enxergar qualquer possibilidade de ver nascer nossa tão sonhada indústria audiovisal, se estiver desconectada da pesquisa, experimentação e dos processos estruturantes, que passam pela formação (tanto no sentido da alfabetização audiovisual quanto no sentido da própria formação técnica para o audiovisual e as novas mídias), pela tecnologia e pelas bases conformadoras de um mercado: fluxo, regulação, tributação, dinâmica e cultura de consumo.
Não quero dizer com isso que a Ancine seja o lugar mais adequado para acomodar toda a estrutura política capaz de atender a complexa teia do audiovisual na sociedade brasileira. Apenas não consigo imaginar uma política abrangente que delimite o espaço do mercado e da experimentação. Não no audiovisual. Não no contexto das novas tecnologias, com mudanças brutais de comportamento da sociedade em relação ao consumo e ao processo de criação e difusão audiovisual.
A banda larga vem decretar, senão a morte definitiva, pelo menos a transformação irreversível deste mercado ainda em processo de formação e consolidação no Brasil, a exemplo do que ocorreu com a indústria fonográfica, que ainda não encontrou o rumo de casa. As redes, os processos colaborativos de criação, o cinema digital, tudo isso já é realidade para Francis Ford Copolla, Roman Polanski e tantos outros monstros sagrados do cinema. Mas ainda não é para os nosso movimento dos cineastas sem editais. Newton Cannito foi o secretário que mais se aproximou dessa tendência, embora com tão pouco tempo de casa.
Muitos agentes dos movimentos organizados de audiovisual atuam numa lógica e num tempo em que o grande desafio do Brasil era colocar filme na lata. Já estamos em outra realidade, mas a política do audiovisual ainda sofre a rebordosa pós-Collor, quer suprir o vazio de um tempo quando era impossível filmar no Brasil. Hoje qualquer garoto de 10 anos com acesso a uma máquina fotogrática e um computador é capaz de ligar uma câmera, construir uma narrativa, operar um editor não linear, publicar no YouTube e compartilhar no Orkut. Não é capaz de fazer cinema, mas é capaz de compreender melhor sua complexidade e já tem uma relação muito mais viva e participativa do fenômeno audiovisual. A queda brutal de audiência dos folhetins e jornais televisivos já é um sinal marcante dos novos tempos. E a evolução da SAV também talvez o seja.
Especula-se muito sobre o destino da SAV. Nos bastidores do MinC fala-se na ampliação do seu escopo, para atender à economia criativa como um todo e não apenas ao cinema, o que é justo com o resto do mercado, largado às traças, mas parece injusto com uma gama de entidades representativas que se move ferozmente em torno de garantias de investimento em editais cada vez mais gordos (baixo orçamento a R$ 1,5 milhão) construídos com a lógica do século passado. Isso tem provocado gritaria e pressão para todos os lados. O Congresso Brasileiro de Cinema acaba de soltar um ofício aberto a todas entidades de cinema, destinado à ministra Ana de Hollanda, exigindo audiência, participação e diálogo. Está implícita uma espécie de reivindicação de reintegração de posse da SAV, já que as entidades, poderosas que são, sempre tiveram a prerrogativa da escolha (ou aprovação) do secretário.
Não podemos deixar de considerar o incômodo gerado na atual gestão da política do “toma-lá-dá-cá” implementada por Juca Ferreira, e a necessidade de retomar urgentemente a discussão de políticas culturais além da pura e simples distribuição de verbas em troca de afagos e apoio à campanha de manutenção do cargo. É hora de assumir os desafios do século XXI e da gestão de Dilma Rousseff, que já se mostram muito difíceis.
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