Em entrevista ao Cultura e Mercado, presidente da Associação Brasileira de Editoras Universitárias fala sobre a Bienal do Livro, o mercado editorial e as editoras universitáriasEntrevista a Sílvio Crespo

A ABEU, Associação Brasileira de Editoras Universitárias, ocupará na próxima Bienal do Livro de São Paulo um espaço de 1176 metros quadrados, com a participação confirmada, até agora, de 59 editoras associadas. A importante presença nesse evento internacional de uma entidade voltada para apoiar a produção editorial acadêmica é, no mínimo, intrigante se considerarmos o fato de que, no Brasil, apenas uma parcela ínfima da população chega à universidade. Entretanto, as editoras universitárias têm conseguido inserir-se solidamente no disputado mercado editorial e têm desempenhado um importante papel na difusão da produção acadêmica nacional. O diretor-presidente da ABEU, Prof. José Castilho Neto, fala ao Cultura e Mercado sobre o assunto.

Nos últimos anos, as editoras universitárias têm ocupado um espaço cada vez maior dentro do mercado editorial brasileiro. Como elas estão conseguindo inserir-se nesse mercado?
São vários os fatores desse crescimento das editoras universitárias. Primeiro, houve uma modificação interna das próprias editoras universitárias brasileiras. Nos últimos dez anos, as universidades foram percebendo a importância das editoras universitárias para a sua imagem e para a divulgação do trabalho que fazem para a sociedade. Com isso, as editoras universitárias foram beneficiadas com aumento de verbas, com a formação de um quadro profissional competente na sua direção etc. Isso viabilizou uma melhora de qualidade dos livros publicados. Hoje eles são melhor escritos, têm melhor apresentação do ponto de vista gráfico editorial e, cada vez mais, existe a preocupação de que o livro chegue às mãos do leitor. Para isso, temos uma estrutura de redes de livrarias no Brasil, além das Bienais e das várias feiras que acontecem no país. Então, as transformações começaram dentro da própria universidade.

Em segundo lugar, entra um fator de mercado. Cada vez mais os profissionais, de qualquer área, precisam se reciclar e expandir seus conhecimentos durante toda a carreira. Quem não aperfeiçoa seus conhecimentos tem o emprego ameaçado. E os livros das editoras universitárias atendem a esse profissional. Por isso, uma pesquisa feita pela CBL e pela Fundação João Pinheiro, no primeiro semestre de 2001, aponta, pelo terceiro ou quarto ano consecutivo, os livros voltados para profissionais dos setores científicos e técnicos como o segmento que mais cresce no mercado editorial. É o único segmento que tem um crescimento constante, sem nenhuma queda durante esses três ou quatro anos.

O que o senhor acha que falta, em termos de políticas públicas culturais, para estimular o desenvolvimento do mercado editorial nacional?
Apesar da nossa grandeza, nós somos um país pobre. Temos aqui um número estimado de 2 milhões de pessoas que lêem, dentro de um país de quase 170 milhões de habitantes. As pessoas não lêem apenas por problemas de formação educacional e cultural, mas também por problemas financeiros. Muitas não têm dinheiro para comprar livros. Nesse caso, eu acho que o país deveria investir fortemente no setor de bibliotecas. Um programa governamental que fizesse isso não precisaria fazer outra coisa na área editorial. Todos, desde a criança que acaba de entrar na escola e do profissional que está começando até o aposentado, deveriam ter na biblioteca um centro de fomento à leitura, de lazer e de conhecimento.

E não é possível substituir a biblioteca por qualquer outra coisa, nem pelo computador. O computador pode ser um instrumento de interação e acesso a bibliotecas, mas é apenas um instrumento a serviço das bibliotecas. Dá-me muita estranheza um governo formado por catedráticos ter uma propaganda na televisão que mostra uma salinha com crianças brincando no computador para dizer que existem novas bibliotecas nas escolas. Isso não substitui a biblioteca, porque ela tem o dom de criar o gosto pela leitura. A biblioteca não pode ser apenas um depósito de livros, mas um setor dinâmico de interação da sociedade com o livro.

Um dos motivos dos altos preços de livro aqui no Brasil é o fato de se publicarem títulos com tiragens pequenas. Um mesmo título que é publicado no exterior com 30 mil exemplares, aqui é publicado com 3 mil. Seria o caso, na sua opinião, de alguma política governamental de subsídio?
Não. Sou absolutamente contra, porque o subsídio tende a ser indiscriminado. Pode-se ter um subsídio específico, para atender a uma comunidade carente, mas pode-se acabar tendo, também, um subsídio para a publicação de um livro de grande vendagem, de auto-sustentabilidade, que é o caso de 90% do mercado editorial. O que o governo deveria ter era uma política de compra de livros para bibliotecas, para atender às diferentes comunidades que existem no país. Além disso, do ponto de vista das necessidades comerciais, o governo poderia conceder incentivos a companhias de transporte aéreo e viário, para diminuir os custos de transporte pagos pelas editoras e possibilitar a exportação de livros para a América Latina, Portugal e África.

Como é o apoio da Imprensa Oficial às editoras universitárias?
Esse apoio é um negócio de interesse de ambas as partes, e não um subsídio sem retorno, e está restrito a apenas algumas editoras ? as de universidades paulistas, principalmente a USP, a de Brasília e alguma outras. É uma co-edição: a Imprensa Oficial paga uma parte e a universidade paga outra. No caso das Bienais de São Paulo de 2000 e 2002, a Imprensa Oficial paga boa parte do estande da ABEU. E é sempre bem-vindo o apoio de empresas públicas ou privadas que incentivem a literatura acadêmica. Mas com essa nova idéia de editora universitária, de buscar afirmar-se no mercado para obter retorno para a universidade, eu prefiro chamar esse apoio não de subsídio, mas de investimento, porque as editoras hoje têm uma tendência à auto-sustentação.

Com esse apoio da Imprensa Oficial à ABEU, as editoras comerciais não reclamam de concorrência desleal?
Claro que há reclamação, mas eu acho que todas as instituições, públicas ou privadas, têm o direito a fazer alianças estratégicas. Em primeiro lugar, as universidades que recebem esse apoio não são somente as públicas; há várias universidades privadas que recebem. Segundo, a Imprensa Oficial apóia, também, iniciativas junto à Câmara Brasileira do Livro, como feiras no interior de São Paulo, que não poderiam existir sem esse apoio.

Outra coisa que vale ser lembrada é que as editoras universitárias dificilmente são beneficiadas pelas compras feitas pelos governos. Setenta por cento do mercado brasileiro é movimentado financeiramente pelos livros didáticos, e as editoras universitárias não trabalham nesse setor. Esses livros didáticos são comprados pelo governo federal, para as escolas de 1º e 2º graus. Então o mercado chora, mas sem razão.

A Bienal tem se popularizado cada vez mais, recebendo um público que em grande parte está interessado não diretamente em conhecer a diversidade da produção editorial mundial, mas apenas em passear com a família e, eventualmente, comprar um livro. Apesar dessa popularização, o senhor acha que a Bienal pode ajudar a criar, na população, o hábito de leitura?
É exatamente por causa dessa popularização, e não apesar dela, que se pode criar o gosto pela leitura na população. Na Bienal, é importante o contato da população com o livro, para que ela não o veja como uma coisa estranha. Mesmo que a pessoa vá à Bienal para comer pastel e tomar caldo-de-cana, ela começa a ter uma familiaridade com livro. Eu às vezes fico nas livrarias observando a reação das pessoas que passam pelas ruas. Muitas delas têm estranhamento. Agora, por causa disso, as livrarias tendem a se tornar cada vez mais abertas, para chamar os consumidores tanto quanto um supermercado, e fazer com que as pessoas superem o temor de chegar perto de livros. Eu sou a favor de se vender livros em praças, no metrô, nas ruas… e por isso eu acho que toda iniciativa de popularização, como a Bienal, é bem-vinda.

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