Autor destrinchou legislação nacional e convenções internacionais, incluindo vasta documentação da Unesco e do Iphan; ele se diz ?otimista? em relação às políticas brasileirasPor Sílvio Crespo
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17/09/2003

Quem trabalha em proteção de patrimônio histórico e cultural acaba de ganhar uma nova ferramenta de trabalho. O livro As cidades brasileiras e o patrimônio cultural da humanidade (Editora Peirópolis, em parceria com a Edusp) é um verdadeiro guia para os profissionais do setor entenderem o emaranhado de regras nacionais e internacionais relacionadas às ações de proteção ao patrimônio no Brasil e no mundo.

O autor, o advogado Fernando Fernandes da Silva, parte da conceituação de ?bem cultural? e em seguida destrincha todo o processo de evolução da proteção internacional, incluindo as convenções de Haia (1899 e 1907) e Genebra (1949), as cartas de Atenas (1933) e Veneza (1964), até chegar aos mais recentes trabalhos da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), principalmente a Conferência de 1972.

A partir daí, o livro traz orientações sobre o processo de tombamento de um bem cultural, explicando a quem se deve recorrer, quais são as prerrogativas exigidas e como manter um bem cultural tombado.

A pesquisa
O autor desenvolveu uma ampla pesquisa sobre o tema, iniciada nos seus primeiros estudos de pós-graduação na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), em 1991, passando depois por Paris e Roma. Ele analisou vasta documentação da Unesco e do Iphan, entre convenções, constituições, recomendações e normas de procedimento. Atualmente, Fernandes da Silva leciona cursos na USP, na Faculdade de Direito de Sorocaba e na Escola Superior de Direito Constitucional.

Livro
O lançamento aconteceu em 19 de agosto, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo. No próximo 24 de setembro, quarta-feira, haverá um mini-lançamento na Escola Superior de Direito Constitucional (rua Dr. Gabriel dos Santos, 88, Santa Cecília, fone: 11 3663-1908), durante Encontro Anual dos Restauradores de Obras de Arte. O livro custa R$ 28 e pode ser encontrado em todas as capitais do Brasil.


Leia abaixo entrevista com o autor

Cultura e Mercado – O que foi a Convenção da Unesco de 1972 e, em termos gerais, o que ela definiu com relação à questão do patrimônio mundial, cultural e natural da humanidade?
Fernando Fernandes da Silva
– A Convenção da Unesco de 1972 é fruto da política de cooperação internacional concebida pelo Sistema das Nações Unidas, criado em 1945, que se manifesta em diversos campos: promoção da paz, promoção da segurança internacional, proteção dos direitos humanos, proteção do meio ambiente, proteção do patrimônio cultural, entre outros.

Assim, esta convenção disciplina a proteção daqueles bens culturais considerados representativos para a humanidade, especialmente aqueles de natureza imobiliária, tais como os monumentos, as reservas naturais, os centros históricos das cidades, e os conjuntos arquitetônicos e urbanos. Através desta convenção, a cooperação internacional consiste na assistência financeira, técnica e educativa prestada pela Unesco aos Estados, onde os bens culturais representativos para a humanidade estão localizados.

C&M- A legislação brasileira é favorável à preservação do patrimônio histórico e cultural do país? Se não, o que deveria ser mudado?
FFS
– A legislação brasileira é avançada nesse sentido, pois ela engloba as vertentes de proteção mais significativas: a conservação e a proibição do tráfico ilícito. A conservação visa manter a integridade física do bem cultural; o combate ao tráfico ilícito assegura a reunião dos nossos bens culturais no território brasileiro. Estas vertentes de proteção jurídica são previstas na Constituição Federal de 1988, do Decreto- Lei Federal 25/37 (lei que disciplina o tombamento no país) e demais leis federais, estaduais e municipais.

C&M – Atualmente, quais as principais fontes de financiamento ao patrimônio histórico e cultural no país?
FFS
– As fontes de financiamento são diversificadas, cabendo destacar a assistência financeira prestada pelo Fundo do Patrimônio Mundial ?órgão vinculado à Unesco, às cidades brasileiras protegidas pela Convenção da Unesco de 1972, a exemplo, de Ouro Preto, Salvador, Olinda, Brasília e Diamantina? e os projetos de proteção ao patrimônio cultural promovidos pelo Governo Federal e pela iniciativa privada, por meio da lei de incentivo à cultura, assim, como projetos estaduais e municipais congêneres.

C&M – Como o senhor avalia, de modo geral, as políticas para o patrimônio no Brasil e, particularmente, o programa Monumenta?
FFS
– Vejo com otimismo pelo fato de que a sociedade civil está cada vez mais engajada nas ações de proteção. O programa Monumenta possui vários aspectos positivos. Ressalto o aspecto auto-sustentabilidade dos espaços urbanos contemplados pelo programa, que exige do Governo e da sociedade civil a criação de condições para que tais espaços sejam habitados e que possuam funções vitais do ponto de vista institucional, cultural, de serviços, de comércio, de turismo e de lazer.

C&M ? É verdadeira a afirmação de que as políticas de preservação no Brasil não têm considerado a grande diversidade, mas privilegiado um tipo específico de patrimônio: o barroco, católico e branco?
FFS
– É difícil tal afirmação, pois ela depende de dados estatísticos. Por exemplo, um desses dados seria uma lista de todos os bens tombados no Brasil acompanhada de uma análise das razões que motivaram o tombamento de cada bem, nos âmbitos federal, estadual e municipal. Entretanto, esta lista seria apenas um segmento de análise, pois existem outras formas de proteção. Verifico pelas notícias veiculadas pela imprensa que há um crescente interesse pelos bens arquitetônicos modernos, especialmente aqueles concebidos por Oscar Niemeyer.

C&M – Os brasileiros têm tido mais consciência da importância da preservação do patrimônio histórico nacional?
FFS
– Sim.

C&M – A que isso se deve?
FFS
– Não tenho condições de analisar todas as razões, mas posso identificar algumas: o fim da ditadura militar em 1984, pois a partir de então a sociedade brasileira vem podendo manifestar de forma livre os seus mais diversos interesses e desejos. Tal situação é verificada pelo número crescente de organizações não governamentais ligadas à proteção do meio ambiente, à proteção do patrimônio cultural e à proteção de comportamentos sociais diversificados.

Outra razão, a própria Constituição Federal de 1988, que inovou em relação às constituições anteriores ao prever um capítulo específico e detalhado para a proteção do Patrimônio Cultural, permitindo a viabilização de políticas públicas com esse fim.

C&M – Que aspectos do patrimônio cultural as empresas patrocinadoras do setor têm beneficiado? O que elas mais patrocinam? Existe algum segmento “esquecido” pelas empresas?
FFS
– As empresas, através das suas fundações, vêm contribuindo significativamente para a proteção do patrimônio cultural brasileiro, em face dos efeitos produzidos pela lei de incentivo à cultura, aprovada em meados de 1991 ? conhecida como ?Lei Rouanet?. Não sei se este é o segmento ?esquecido?, mas creio que a promoção de programas educativos nas escolas de ensino fundamental é o principal instrumento de proteção do patrimônio cultural brasileiro, pois possibilita às futuras gerações a formação de uma sociedade comprometida com a proteção, evitando atos de vandalismo e de descaso, e de políticas governamentais desinteressadas com esta vertente de proteção.

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