Projeto Arte/Cidade realiza intervenções artísticas na zona leste de São Paulo sinalizando novas tendências e estratégias Por Deborah Rocha
Além fronteiras
Pioneiro, desde 1994, em desenvolver propostas radicais de associações de artistas das artes visuais com problemas das megalópoles, o projeto Arte/Cidade está realizando, já há duas semanas, intervenções em diversos pontos deteriorados do espaço urbano paulista. Em sua quarta edição, entitulada Artecidadezonaleste, o evento exibe até o dia 30 de abril uma seleção de obras de 26 artistas brasileiros e estrangeiros espalhadas por uma área de mais de 10 km2. A curadoria é, desde a origem, do filósofo Nelson Brissac, perseguidor da idéia de tornar a cidade de São Paulo um objeto de análise e intervenção artística para além dos limites dos espaços convencionais de exposições.
Choque urbano
?Com esse descompromisso, o projeto é uma verdadeira terapia para o artista. Já disse ao Brissac que o papel dele é mais de terapeuta do que de curador?, diz José Rezende, artista plástico integrante da mostra, à Folha de São Paulo. Sua obra, que simula o choque entre seis vagões de um trem da RFFSA (Rede Ferroviária Federal S.A.) às margens da Radial Leste, foi uma das intervenções criadas para a mostra. A inauguração do Arte/Cidade foi dividida em duas etapas, a primeira sediada no Sesc Belenzinho e a segunda ocupando as ruas de dez regiões da zona leste da cidade: Torre Leste, Pátio do Pari, Parque Dom Pedro, Largo do Glicério, Estação Brás, Avenida Rangel Pestana, Radial Leste, Avenida Salim Farah Maluf e Largo da Concórdia. No dia 2 de março, 11 artistas instalaram suas obras em uma velha fábrica de tecidos recentemente adquirida pelo Sesc, e no dia 16, outras 15 foram inauguradas em diferentes locais.
Amplo preparo
Os artistas e arquitetos participantes foram escolhidos em função de sua capacidade de contribuir para o desenvolvimento de novos repertórios e técnicas para intervenções em espaços dinâmicos e complexos, tanto em aspectos estruturais quanto relativos às tensões e dinâmicas sociais. Nomes, como Krzysztof Wodiczko, Dennis Adams, Rem Koolhaas, Carmela Gross e Carlos Farjado, integram a lista de Brissac que recebeu assessoria de pesquisadores, arquitetos, urbanistas, engenheiros e curadores. ?Esse intercâmbio entre equipe de apoio técnico e artistas causou o desenvolvimento e a consolidação do repertório de ambos?, comenta Brissac ao Caderno T, publicação do Instituto Takano.
Múltiplos horizontes
Segundo Brissac, São Paulo vive uma guerra urbana em que a apropriação do espaço e da infra-estrutura foi intensificada por corporações ou grupos sociais em movimento, ambos a procura de um local para ocupar. Neste sentido, o curador busca desenvolver políticas públicas que agreguem a participação de diferentes agentes sociais e institucionais. ?Trabalhamos em rede, buscando expansão horizontal. Queremos construir um campo de forças nos mesmos moldes da cidade, participar de negociações com múltiplos agentes e, em vez de concentrar recursos, buscar participação ativa. Encontrar novos usos para lugares abandonados, espaços públicos que podem ser reutilizados?, explica o curador ao Caderno T.
Evolução devida
Quando inaugurado, o primeiro Arte/Cidade não possuía a envergadura e o compromisso de hoje, sua ação limitava-se a pequenas mostras em locais deteriorados. A edição de estréia foi abrigada pelo Matadouro Municipal (atual Cinemateca Brasileira), seguida de três prédios no Vale do Anhangabaú e de terrenos da desativada Indústria Matarazzo. Na medida em que ganhou solidez e experiência, o projeto foi ?assumindo o espaço da cidade? e aglutinando novas relações em diversos níveis da administração pública e privada por meio das artes plásticas e, mais recentemente, da arquitetura. ?Agora amadurecemos um projeto mais radical, sobre mecanismos estruturais e englobando diversos espaços da cidade?, diz Brissac ao Caderno T. ?Criamos um modo de trabalhar em conjunto e formamos uma equipe que, ao ganhar a escala urbana, passou a se relacionar com os processos vitais da cidade e não apenas com a sua paisagem?, avalia.
Cooperação
Realizado pelo Sesc de São Paulo, o Arte/Cidade conta com o patrocínio da Petrobras, por meio de seu projeto Artes Visuais, e do portal UOL. Entre os apoiadores estão a Empresa Municipal de Urbanismo de São Paulo (Emurb), Empresa Metropolitana de Planejamento do Estado (Emplasa), Metrô, Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e IPT. O evento obteve também cooperação de 20 organizações comunitárias e outras comerciais, como a rede de hotéis Blue Tree, o shopping Anália Franco e a rádio Antena 1. Está orçado em R$ 1,5 milhão sem contar com as doações.
Tubo de ensaio
Paralelamente, o Arte/Cidade organizou também, o ?SP Laboratório Urbano?, uma série de workshops e seminários que trataram da questão do urbanismo, da arquitetura e da arte como respostas ao processo de transformação da cidade de São Paulo. ?As discussões estarão fortemente focadas no repertório e nos instrumentos de pesquisa e intervenção. Apresentaremos procedimentos operacionais específicos, métodos e avaliação dos resultados com base na sua eficácia estética, social e política?, resume Brissac à Folha de São Paulo, que mediou os debates junto com o crítico holandês Chris Dercon. Ocorridos entre os dias 3 e 5 de abril, os debates contaram com a participação de prestigiados teóricos do tema, como o crítico suíço Hans Ulrich Obrist, o arquiteto italiano Stefano Boeri e a curadora belga Barbara Vanderlinden. Os brasileiros Ricardo Basbaum, Lucia Koch, Gilberto Borges, Helena Mena Barreto e o vereador petista Nabil Bonduki também estavam presentes.
Desafio em prática
Esta simultaneidade entre provocação e proposição permeia o compromisso do Arte/Cidade com os locais ?esquecidos? da metrópole. Uma tentativa de dimunuir a distância entre os diversos setores da sociedade, permitir maior visibilidade e interação entre eles. A proposta de transparência presente nos contêineres de fibra de vidro do artista Vito Acconci, em que moradores de rua ganharão um espaço de convivência com televisão e utilitários domésticos. Uma arrojada instalação que, ?ao estipular um espaço determinado para o convívio destas pessoas, periga criar um confinamento, um lugar sob vigilância?, observa o crítico da Folha, Tiago Mesquita. ?Muitos trabalhos correm riscos ao se colocarem numa tentativa de encontrar energias radicais na cidade?, diz ele. É necessário, porém, acrescentar: antes a experimentação desinibida do que a observação passiva.
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