Um debate sobre a crise na indústria fonográfica esquentou a noite desta terça-feira, 4, na segunda edição do Congresso de Jornalismo Cultural, que acontece entre os dias 3 e 6 de maio no teatro Tuca, em São Paulo. À mesa, defendendo argumentos distintos, o músico Lobão; o maestro e arranjador, Júlio Medaglia; e os críticos de música, Jotabê Medeiros, do jornal O Estado de S. Paulo e Sergio Martins, da revista Veja. Entre eles, só o que parece consenso é de que há, no universo da musica contemporânea, uma nova ordem. Evidente, entretanto, é que alguma coisa está fora desta nova ordem musical.

O imbróglio é antigo. O jornalista, Jotabê Medeiros, conta que em mais de duas décadas de trabalho como crítico musical, há pelo menos quinze anos acompanha discussões acerca da crise da indústria da música. Para ele, o que está em jogo na cena atual é a sobrevivência de autores e artistas, encurralados pelo crescimento do mercado de música digital. “A emergência das novas mídias tecnológicas muda a maneira como se escuta e consome música”, disse.

“O mercado musical se tornou nanico”, prossegue Medeiros. Ele se refere ao faturamento da indústria fonográfica brasileira em 2009, de aproximadamente R$ 250 milhões. Pouco, se comparado aos bilhões que empresas de outros setores amealharam no mesmo período. Segundo ele, a ilegalidade explica o encolhimento. Venda de música no formato digital aumentou progressivamente, mas 95% de downloads são ilegais. “Artistas não recebem pelo que está sendo baixado”, observa o crítico.

O cenário descrito pelo jornalista impõe uma das principais questões da atual encruzilhada a que a música chegou. Afinal, se não há mais lucro com a venda de discos, como artistas serão remunerados por seu trabalho? Por ora, a saída tem sido turnês intensas e frenéticas. Músicos estão trabalhando bem mais, e isso na opinião de Medeiros representa um prejuízo para a elaboração musical.

Na visão do crítico, a necessidade de aceleração do processo de composição e produção para se lançar na estrada em agendas exaustivas de shows prejudica o produto musical do artista que carece de tempo para pesquisa e maturação de sua obra. Uma realidade que atingiu até campeões de vendagem como Roberto Carlos, cuja agenda de shows anda bem mais intensa.

De volta ao vinil

“Estamos vivendo uma nova ordem”, afirmou o músico, Lobão. “Alguns artistas não gostam de fazer show, ou estão cansados, mas são pressionados a tocarem”. Diferentemente da maioria, ele acredita que o futuro da música está no vinil. “Estive em Londres recentemente e quase todas as lojas que vi eram de vinil, somente algumas poucas eram de CD”. O músico afirma que o Brasil estaria sonegando esta realidade, porque é mais caro mas também por uma visão limitada em relação a investimentos.

Ainda assim, defende que vinil será o grande suporte do futuro. Ele usa o exemplo da válvula, que sumiu do mercado por causa da chegada do transistor, mas que no final da década de 80, teve que retornar à cena por alta demanda entre guitarristas, que só queriam a boa e velha válvula.

Questionado sobre a tal crise da indústria, Lobão aponta empecilhos fiscais como o maior problema, por inviabilizar mercado de música digital. “O iTunes do Steve Jobs não vem para o Brasil por causa de impostos”, argumenta.

Como já era de se esperar, a proposta do governo de mudança na lei de direito autoral não poderia deixar de ser citada. Na opinião do crítico Jotabê Medeiros, a mudança pode sanar alguns problemas como remuneração de artistas e perda de receita da indústria, ambos supostamente ameaçados pela pirataria e internet. No entanto, para o maestro e arranjador, Júlio Medaglia, o problema está na qualidade do produto oferecido pela indústria fonográfica atualmente. “Sabia que o camelô que vende CDs por dez reais levaria a culpa pela música de merda que se escuta neste país”.

Em sua segunda edição, o Congresso de Jornalismo Cultural, promovido pela revista Cult e CPFL Cultura, reúne mais de 70 palestrantes, em 22 mesas temáticas. Entre eles, artistas, professores e jornalistas especializados, que discutem políticas, ciências humanas, literatura, música, teatro, artes visuais e cinema. Segundo a assessoria do evento, em 2009, o congresso teve uma audiência estimada em cerca de 600 pessoas por dia.


Repórter de cultura. Além dos trabalhos em reportagem, dedica-se atualmente à produção de dois livros: Memórias Psicodélicas e a ficção Cigarro Barato.

2Comentários

  • Paulo Morais, 6 de maio de 2010 @ 0:09 Reply

    Não consigo enxergar o mercado de música encolhido, como o palestrante quis dizer. Pelo contrário, o que existe é uma variedade impressionante de novos artistas e títulos. O que encolheu foi o mercado das gravadoras, da indústria. Mas esse não é o mercado que interessa a 97% dos artistas.

    A cultura livre favorece a todos. O império das gravadoras já caiu. Outros também deverão cair. Este é o presente.

  • alvaro santi, 11 de maio de 2010 @ 15:41 Reply

    Caro Paulo,
    Como explicou o autor do texto ao citar o palestrante, “mercado” é neste caso o “faturamento” da indústria, isto é, o dinheiro gerado pela venda de música. Assim, pode perfeitamente haver aumento de número de artistas e títulos, como você fala, e ao mesmo tempo queda na receita que eles geram. Isso se explica, ao menos em parte, porque artistas que antes vendiam um produto agora são praticamente OBRIGADOS a oferecê-lo de graça (ou serão pirateados). O slogan “Cultura LIVRE”, portanto, só vale para o consumidor, soando falso para o produtor. Não adianta nada pular da frigideira do ECAD direto pro fogo.
    O “império das gravadoras” talvez já tenha mesmo acabado, assim como a internet felizmente vai acabando com o império da TV e dos jornalões. Mas a propriedade intelectual é fonte de receita fundamental para a economia para muitas nações (11% do PIB dos EUA, por exemplo), e objeto de tratados internacionais.
    Por isso, em vez de lavar as mãos, deixando cair sobre os ombros dos artistas a obrigação constitucional de prover os cidadãos do direito a fruição da arte, o Estado brasileiro deveria tratar nossa música como o produto de exportação que é, estratégico para o desenvolvimento. Tida por muitos como a melhor do mundo, mas cujo resultado em divisas ainda é pífio.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *