Estudantes de licenciatura de artes plásticas da USP abrem sua semana acadêmica com debate sobre a formação do arte-educador que dialoga com seus pares e profissionais de área e faz refletir e ampliar a visão sobre o professor-pesquisador.

A 2ª Semana de Arte-Educação da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP começou no último sábado (dia 6 de outubro), com o tema central “o papel do arte-educador na sociedade”, em aula aberta no grande auditório do MASP. Organizada por um grupo de estudantes da licenciatura em artes plásticas e unidos em um grupo de estudos sobre arte-educação, começou com a palestra da professora Ana Mae Barbosa, uma das principais referências para a área no país, discutindo os pontos de encontro entre os vários desmembramentos da arte-educação na formação educacional do Brasil hoje.

Em breve entrevista, o aluno Guilherme Leite Cunha, um dos organizadores do evento, frisou a importância do tema, relegado para um segundo plano nos ambientes acadêmicos e por este motivo sem eventos que o discutam de maneira ampla e que possibilite mudanças substanciais. Paulo Portella Filho, coordenador do serviço educativo do museu, contou a esta reportagem que a articulação para que a Semana tivesse palestras fora da ECA surgiu do contato com uma das estudantes, envolvida na preparação da atividade, e que se mostrara positivo em vista do auditório lotado. Portella havia participado de uma das mesas na Semana de 2006, e chamou atenção ainda para a necessidade da relação entre os estudos da Academia e o dia a dia dos professores, preocupação esta que diz presentes nas atividades de ensino desenvolvidas pelo MASP.

Em sua explanação, com o objetivo de historicizar o evento, Mae fez referência ao movimento que surgiu com os professores e estudantes da ECA no ano de 1980, reunindo aproximadamente 3000 pessoas e batizado de 1ª Semana de Arte e Ensino, dizendo sentir-se muito feliz por ver hoje evento semelhante sendo organizado e realizado pelos estudantes. Do início dos anos 80 para cá, a situação mudou, e muito. À época, o governador, nomeado, era Paulo Maluf, e sua proposta de arte-educação envolvia um coral com crianças de todas as escolas se apresentando em um recital no Pacaembu, acompanhado dele mesmo ao piano, entre outras situações e conjunturas deveras pitorescas.

A arte-educação não era então mais do que um núcleo de educadores na ECA-USP, e por isso mesmo o momento foi tão significativo para a formação desta disciplina/especialização. Hoje já existem cursos, presenciais e à distância, além de especializações na área, e estudos em outras universidades nacionais – a própria Ana Mae leciona na Universidade Anhembi-morumbi, em São Paulo – além de haverem associações estaduais e uma federação de arte-educadores.

Quanto à política, suas peculiaridades são hoje outras, inclusive no campo cultural, mas não será este o foco desta breve reportagem (Leia mais aqui). Mae citou em sua fala também a importância de reunir os educadores para discutir quem são e qual seu papel na sociedade, e na necessidade da interlocução entre o erudito e o popular, dando visibilidade a todas as produções culturais de todas as classes sociais. Diz-se, por sua vez, flexível a leituras das pluralidades culturais devido a sua experiência vivida nas cidades do Rio de Janeiro, Recife, Brasília e São Paulo.

Por professores pesquisadores

A importância do professor pesquisador também foi um dos focos da palestra. O cerne da crítica e explanação de Mae é que o professor deve fazer da pesquisa um princípio educativo, aliando a esta a criatividade e a criticidade, visando atingir no educando a autonomia intelectual. Na visão proposta, triangular (ler, contextualizar e fazer) é preciso construir um vínculo real entre a arte e o processo educacional, que teria início com a tríade: educação do olhar para a fruição da arte, formação a partir da aquisição de conhecimento, e reflexão sobre o papel da arte e da cultura como um todo.

Sobre esta necessidade, foi comentado ainda o princípio de que ao colocarmos a pesquisa como condição (responsabilidade) indispensável da prática docente, a conseqüência decorrente é que a pesquisa, tanto para o docente quanto para o discente, torna-se um princípio educativo referencial, uma vez que o professor não educa apenas através de palavras, mas também pela postura revelada em suas atitudes ou no conjunto de suas ações, coerência esta que repercutirá nos alunos. À medida que o professor insere estas marcas no seu trabalho, ele abre possibilidades significativas para a superação de práticas alienadas e alienantes como a pura cópia, a imitação cega e submissa, enfim, a reles reprodução. Isso significa que o trabalho docente em sala de aula deve ser realizado de tal modo que o questionamento, a dúvida e a incerteza devem ser não só aceitos, como também fomentados. Uma das formas de aplicar estes conceitos, sugerida e amplamente defendida pela palestrante, foi a educação à distância.

Mae colocou ainda a importância do professor fomentar a educação através do ver e fazer presentes na criação, estabelecendo significados para produções em diversos códigos, a seu ver questão essencial para garantir a multiplicidade e diversidade culturais. Nesse sentido, criticou ainda o atual modelo do direito autoral – em que o empresário, intermediário que não agrega valor, está preocupado com a pirataria, mas não com a melhoria do acesso aos bens culturais, ao que comentou: “eu quero ver é conhecimento sendo transmitido, e nesse sentido eu apoio o pensamento e a posição de Gilberto Gil”.

Educação Artística x Artes

Outro tema pontuado por Mae é a questão da forma como é entendida a educação para e pelas artes no espaço escolar. Além de criticar em parte os PCNs, fez dura crítica ao termo Educação Artística, responsável por designar a disciplina de ensino das artes até o começo da década.

A questão de fundo implícita na crítica da professora aponta para os Parâmetros Curriculares Nacionais a questão de ter sido elaborado por acadêmicos espanhóis, franceses, não sendo implementada uma política de educação partindo dos professores e sim de um modelo europocêntrico. Porem não considera a história da educação do Brasil que desde de 1500, temos grande influência do modelo europeu.

Mae ressaltou também a questão do ensino-aprendizagem, não se pode esquecer que é no início da década de 70 que a disciplina de Educação Artística tornou-se obrigatória, a partir da Lei de Diretrizes e Bases 5692/71, que centra o ensino da arte em técnicas e habilidades. A nominação atual para a disciplina nas escolas foi conquista recente, mudada em 2005 pelo Conselho Nacional de Educação, de acordo com MAE.

Política partidária X política de Estado

Numa palestra tão caracterizada por seu lado propositivo e militante, é importante frisar que uma política pública de formação de professores é ausente, porém já é garantida na Lei de Diretrizes e Bases n.º 9.394/96 (LDB 9394/96) em seu artigo 67 que garante ao professor a valorização. Na visão de Mae, a melhor forma de suprir essa necessidade seria através da educação à distância, apontada por ela como a alternativa mais viável e eficiente para promover a capacitação de arte-educadores e profissionais da educação em geral.

A LDB 9394/96 valoriza a qualificação dos profissionais da educação e, inclusive, estabelece um prazo — 2006 —, a partir do qual só poderão ser admitidos professores formados em nível superior. Além disso, no artigo 87, reforça a necessidade de elevar o nível de formação dos profissionais, determinando que “cada Município e, supletivamente, o Estado e a União, deverá (…) realizar programas de capacitação para todos os professores em exercício, utilizando também, para isto, os recursos da educação à distância“. A professora não colocou, entretanto, justificativas, além da permeabilidade do meio, para o uso desta tecnologia, pondo-a em pé de igualdade com a formação presencial de nível superior e técnico.

Em entrevista, a palestrante fez elogios ainda aos Pontos de Cultura como política pública de educação, e criticou a falta de uma Política de Estado contínua na área, a seu ver inexistente, o que relega este e os demais setores estratégicos a gestões descontinuadas, de governos e de personalidades públicas. Autonomia nestas políticas então é algo que, para Mae, está muito longe da realidade política do Brasil hoje.

Outras visões sobre esta palestra e as demais que compuseram a semana de arte-educação no blog s://semanadearteeducacao.blogspot.com/

Elisangela Oliveira – 100canais
conteúdo compartilhado em 100canais.org.br


editor

1Comentário

  • Arleide Araújo, 21 de julho de 2008 @ 13:43 Reply

    Gostaria de receber dados sobre arte-educação pricipalmente sobre as mudanças no ensino de arte. Sou formada pela UFMA _ MA. em Educação Artística. Quanto ao artigo, bastante interessante e nos permite visualizar a realidade do que está sendo feito para conceber as mudança na prática dos trabalhos com arte nesse país.

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