A diversificação e heterogeneidade dos serviços oferecidos nas economias modernas fazem da cultura uma atividade que envolve muitas modalidades de consumo. Desde a gastronomia, passando por um espetáculo de arte erudita, chegando a um documentário, até a promoção de uma festa popular, tudo envolve a presença de profissionais de cultura. Dados do Sistema de Informações e Indicadores Culturais, produzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes ao ano de 2003, dão conta que a massa salarial gerada pelo setor cultural foi de quase R$ 18 bilhões. Considerando-se os salários dos trabalhadores em 2003, observou-se que o salário médio mensal pago pelo conjunto dos setores econômicos (indústria, comércio e serviços) relacionados direta ou indiretamente à cultura foi de 5,1 salários mínimos, acima da média geral dos setores econômicos (3,3). A análise do conjunto dos setores econômicos mostra que as atividades industriais, comerciais e de serviços relacionadas direta ou indiretamente à cultura auferiram uma receita líquida em torno de R$ 156 bilhões, em 2003, enquanto o montante de custos atingiu a ordem de R$ 114 bilhões. Isso indica uma participação do setor cultural no total (incluindo indústria de transformação, comércio e serviços) de 6,5% nos custos totais e de 7,9% na receita líquida total.
Em 2004, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, estimou 3,7 milhões de pessoas ocupadas com 10 anos ou mais de idade em ocupações ou atividades relacionadas à cultura. Nas atividades culturais, prevalece um nível de escolaridade mais elevado que o do mercado de trabalho em geral. Nestas atividades, predomina a participação dos ocupados com 11 anos ou mais de estudo (55% no setor cultural; 37,6% nos demais). A natureza das atividades relacionadas a cultura aponta para maiores requerimentos de qualificação e instrução, sem os quais determinadas atividades não seriam desenvolvidas, como é o caso dos jornais, bibliotecas, museus, entre outras. Isto sinaliza, segundo o IBGE, “maior absorção do contingente populacional mais instruído em atividades relacionadas à cultura, principalmente nos grandes centros urbanos, onde concentram-se setores mais organizados de produção e disseminação de cultura do País, gerando postos de trabalho, tanto que a região Sudeste apresentou o maior percentual de pessoas com 11 anos ou mais de estudo vinculadas a atividades de cultura”.
Em 2005, atuaram 321 mil empresas e outras organizações nas atividades aqui consideradas como culturais, o que corresponde a 5,7% do número total de empresas que constituem o Cadastro Central de Empresas do IBGE – CEMPRE. Elas ocuparam 1,6 milhão de pessoas; 70% assalariada, cuja média remuneratória mensal, em 2005, foi mais elevada que o total de pessoas ocupadas nas empresas formalmente constituídas (R$ 1565,74 e R$ 1060,48, respectivamente). Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, em 2006, dos 89,3 milhões de trabalhadores com 10 anos ou mais de idadde no Brasil, 4,2 milhões estavam vinculados a ocupações ou atividades relacionadas à cultura. De 2005 para 2006, a população ocupada no Brasil cresceu 2,4%, enquanto que nas ocupações ou atividades relacionadas à cultura, verificou-se um crescimento maior, 5,4%. Do total de pessoas ocupadas no Brasil, em 2006, 4,8% exerciam ocupações relacionadas às atividades culturais. Em 2005, representavam 4,6% e, em 2004, 4,5%.
A transformação da cultura em negócio, no Brasil, é reflexo da junção entre a indústria cultural e as manifestações populares, sobretudo aquelas ligadas ao lúdico e ao entretenimento/turismo. As mudanças econômicas e políticas verificadas na década de 1990, dentre elas, a valorização das “autenticidades culturais”, o aumento dos contatos interétnicos e afirmação dos direitos culturais trouxeram o declínio da produção em massa e da padronização simbólica, implicando num desejo de diversão e viagem mais ligado a particularidades artísticas, a uma espécie de valorização do outro, do desconhecido e do diferente. Estabelece-se uma identificação com o outro. Grupos de intelectuais, pesquisadores e artistas retomam o tema da cultura popular vinculando-a à autenticidade e à criatividade, assim como às várias formas de resistência contra as indústrias culturais globais que, segundo eles, insistem na imposição de padrões culturais homogeneizadores. A grande mudança na relação entre economia e cultura é, portanto, a inserção das tradições populares (rituais religiosos, festas, celebrações, culinárias, artesanato) promovendo, incentivando e fomentando a criatividade da cultura popular, no sentido de desenvolver emprego e renda, disseminando seus bens (materiais e imateriais) sem, contudo, comprometer a preservação das tradições e as formas de identificação e pertencimento. Estamos diante de uma sociedade culturalmente plural, multicultural, ainda que este último termo seja alvo de críticas.
As atividades, eventos, celebrações e festas que compõem o setor da cultura popular tem, no Brasil, uma grande capacidade de desenvolvimento. Trata-se do que tem sido chamado por economistas e sociólogos de “indústria da criatividade”, que engloba dança, artesanato, folclore, música, culinária dentre outras manifestações culturais. A pujança deste novo setor da economia, chamado de “economia da cultura”, é verificado através dos números: a produção de bens e serviços industriais relacionados à economia criativa movimentou, em 2003, quase 25 bilhões de reais entre edição e impressão de livros, revistas e jornais; calçados de couro; móveis com predominância de madeira; peças de vestuário (exceto roupas íntimas e semelhantes). Neste mesmo ano, o número de trabalhadores em empresas e organizações com atividades criativas alcançou cerca de 2,5 milhões (confecção de artigos do vestuário e acessórios; atividades recreativas, culturais e desportivas; fabricação de artefatos de couro e calçados; atividades de informática; fabricação de móveis; edição, impressão e reprodução de gravações dentre outras atividades). Se estendermos o cálculo da economia da cultura for estendido às festas populares (carnavais da Bahia e Rio de Janeiro, Boi Bumbá na Amazônia, festas juninas espalhadas pelo Nordeste) jogos de futebol, shows musicais, estima-se que o valor do PIB da cultura chegue a cerca de 10% da soma total do produto interno bruto.
A relação entre economia e cultura é bastante delicada. Muitos artistas não gostam de relacionar os seus trabalhos com a economia, considerando um perigo para sua liberdade artística. Por outro lado, muitos economistas tratam a cultura como uma atividade irrelevante em sua agenda de pesquisa ou simplesmente como tema que deva ser abordado por outras ciências. A influência da perspectiva econômica na formulação de políticas públicas é uma tendência contemporânea em que políticas econômica e pública têm sido, muitas vezes, tomadas como sinônimo. Na realidade, cultura e economia devem ser compreendidas como forças complementares, como bem diz a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural da UNESCO, de 2002, afirma:
“Frente às mudanças econômicas e tecnológicas atuais, que abrem vastas perspectivas para a criação e a inovação, deve-se prestar uma particular atenção à diversidade da oferta criativa, ao justo reconhecimento dos direitos dos autores e artistas, assim como o caráter específico dos bens e serviços culturais que, na medida em que são portadores de identidade, de valores e sentido, não devem ser considerados como mercadorias ou bens de consumo como os demais.” (UNESCO,2002)
Ainda de acordo com o documento da UNESCO, comumente existem conflitos entre as visões da academia, das empresas privadas e do poder público quanto ao tratamento dado à produção de bens culturais. Os intelectuais tendem a olhar a produção mercantil de cultura como de baixo valor, “vendida” ao mercado. Os gestores públicos tendem a ignorar o potencial produtivo das atividades culturais, as considerando apenas geradoras de despesas. Já os empresários dos setores culturais, por sua vez, tendem a considerar a cultura apenas pela ótica do mercado e de seus negócios. Mais recentemente, passou-se a compreender que a produção mercantil de bens culturais, por lidar com o simbólico e a formação de identidade dos indivíduos e das nações, tem singularidades que não podem ser ignoradas, sobretudo pelo poder público.
A implantação de uma verdadeira democracia cultural no Brasil pressupõe o reconhecimento das diferenças reais existentes entre os diversos grupos que compõem a sociedade. Ao valorizar as múltiplas práticas e demandas culturais, o Estado brasileiro permite a expressão da diversidade cultural e nada mais faz do que zelar pelo cumprimento do que dispõe a Constituição Brasileira de 1988 que, em seu artigo 215 diz: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”. E com dividendos materiais, por que não?
2Comentários