Integrante do Grupo Espanca!, Gustavo Bones representou o Movimento Nova Cena – e, por tabela, boa parte dos artistas de Belo Horizonte – na audiência pública pela cultura realizada na última quarta-feira (23/3). Na ocasião, ele cobrou da prefeitura posicionamento em relação ao setor. Nesta entrevista para o jornal O Tempo, o ator reflete sobre o momento de intensa mobilização coletiva existente na cidade.

De alguma forma, as restrições do prefeito Márcio Lacerda quanto ao uso dos espaços públicos da cidade tiveram como consequência positiva um tipo de ocupação inédita em Belo Horizonte, como os movimentos da Praia da Estação e do Carnaval de Rua. Como você avalia essa relação?
Eu sou um pouco contra essa ideia de “quanto pior, melhor”, acho perigoso. Acredito que, se a gente tivesse uma administração pró-cultura, ela seria incentivadora dessa mobilização. Acho que a cidade já viu isso acontecer em outras épocas, com o teatro de rua, por exemplo, quando o Grupo Galpão despontou e essa efervescência caminhou junto com o Estado. No período, a então secretária de Cultura, Berenice Menegale, incorporou o festival criado pelo Galpão e gerou o Festival Internacional de Teatro Palco & Rua de Belo Horizonte (FIT-BH). Por isso, é interessante quando o poder público caminha junto e não nega tais mobilizações, como acontece hoje. Se a gente pensa a cultura como direito, tem que pensar no Estado como assegurador desse direito, e, mais ainda, como órgão responsável por incentivar a mobilização, as práticas simbólicas. Por outro lado, acho que esse movimento cultural novo daqui tem um caráter de resistência e de crítica quanto à prefeitura, este é um fator agregador dessas pessoas. Mas acredito que, se o Estado estivesse ao nosso lado, esses motivos de agregação seriam outros, tanto que já houveram iniciativas nesse sentido, como as políticas de ocupação de praças existentes no passado.

Na audiência pública sobre a cultura da cidade, estiveram presentes cerca de 400 pessoas. A que você atribui esta grande mobilização?
Primeiro, queria ressaltar que não é fácil reunir 400 pessoas numa quarta-feira após o almoço e com a representatividade que tinham naquele espaço. Não vou dizer unanimidade, porque não sou leviano, mas digo que a cultura da cidade esteve lá presencialmente e acredito que essa mobilização vem de vários motivos. Primeiro, porque quando esses movimentos individualmente se articulam – como o Duelo de MCs, a Praia da Estação e o Nova Cena – vemos representações mais reconhecíveis. E, como vivemos na mesma cidade, temos uma unidade comum que favorece a articulação, de maneira espontânea mesmo. Outro fator importantíssimo são as redes sociais, via Twitter e Facebook, que promovem rapidamente uma articulação. E existe uma relação forte com o Poder Legislativo, porque o gabinete do vereador Arnaldo Godoy tem uma capilaridade e capacidade de articulação muito grande. Então, quando a gente se alia ao mais importante parceiro político da cultura da cidade, conseguimos outras parcerias com pessoas atentas à cultura e que não necessariamente estão ligadas às redes tecnológicas.

Durante a audiência, várias pessoas mencionaram a volta da Secretaria Municipal de Cultura como possibilidade de fortalecimento do setor na cidade. A seu ver, esta seria uma alternativa?
O que a gente precisa é cobrar do poder público a efetivação dos direitos, dentre eles o direito à cultura. Sendo fundação ou secretaria, a gente quer é que o poder público olhe a cultura como bem simbólico no patamar da primeira importância para a cidade. Ao mesmo tempo, quando a Fundação Municipal de Cultura (FMC) foi criada no governo do ex-prefeito Fernando Pimentel, uma das justificativas dadas é que ela estaria mais apta a captar recursos junto à iniciativa privada e fazer contratos temporários de trabalho. Essa justificativa aproxima a FMC da iniciativa privada e não é isso o que nós acreditamos ser o mais desejável para nossa cidade. Queremos não depender da iniciativa privada para ter verba para a cultura, pois falamos de uma prática simbólica que nem sempre gera lucros, nem sempre tem a visibilidade almejada pela iniciativa privada. E, para isso, queremos ter dinheiro público. Então, se será fundação ou secretaria, este é um problema do prefeito, mas acho que devemos fugir dessa concepção de Estado que pensa a cidade como partilha de espaços privados. E acho que atrelar a administração pública cada vez mais à iniciativa privada é caminhar para isso. Portanto, tendo a crer que a existência da secretaria seria mais coerente com os nossos desejos.

Uma das polêmicas em torno do descaso da atual gestão com a cultura da cidade diz respeito aos supostos responsáveis pela omissão. Como você avalia a parcela de responsabilidade da Fundação Municipal de Cultura e da Prefeitura Municipal de BH, através do prefeito Márcio Lacerda?
Acho difícil separar a fundação da prefeitura, pois, se queremos cobrar do poder público, essa é uma armadilha que a burocracia nos coloca: cada um pode transferir as responsabilidades para o outro. Prefiro pensar que a fundação é a prefeitura, uma vez que o cargo de presidente da FMC, no caso a Thaís Pimentel, é nomeado pelo prefeito. Claro que entendemos o básico sobre administração pública para saber que algumas coisas não competem à fundação. Mas um órgão que pretende realizar as políticas para a cultura da cidade tem também que comprar algumas bandeiras. É difícil a gente culpar o empregado ao invés de cobrar do patrão, principalmente numa administração que não tem participação popular para definir suas políticas públicas, que se nega a ouvir a categoria. A gente sabe que a fundação repassa as diretrizes da cultura, então, acho coerente que o prefeito privatize as praças da cidade e a FMC privatize os teatros públicos. Queremos dizer ao prefeito, ou convencê-lo – parafraseando o verbo usado pela Thaís Pimentel na audiência – que os assuntos da prática cultural não retribuem a lógica da empresa.

E qual é sua expectativa quanto à tentativa de se reunir com o prefeito na tarde desta segunda-feira, após caminhada que sairá do Teatro Marília?
Li um artigo que o Luiz Carlos Garrocho escreveu no blog dele sobre a audiência de quarta e achei muito esclarecedor. Ele coloca um conceito interessante de política do Jacques Rancière. O que a gente chama de política partidária, o Rancière chama de polícia e a política seria aquilo que transforma o barulho desorganizado em discurso. Então, nosso maior objetivo é mostrar para o Márcio Lacerda que esse movimento coletivo e espontâneo formado na cidade, que tem diversas ações culturais, democráticas e populares, não é barulho de menino baderneiro fazendo zorra, que tem desejo político e ideológico claramente definido, além de estar simbolica e performaticamente enraizado na cidade. Esses agentes culturais que estavam na audiência conhecem a população de rua de Belo Horizonte, convivem com a população da Serra, onde duas pessoas foram assassinadas, estão debaixo do viaduto com a comunidade hip hop e isso dá credibilidade ao movimento. E é para esse público que a prefeitura também deveria governar: para os marginais, o que inclui também artistas, já que a cultura está à margem na cidade. Então, vamos colocar para o prefeito que esse movimento não é formado por meninos baderneiros, pois acho que é assim que eles nos viam antes da audiência. Ele é formado por pessoas com posicionamento e visão de mundo.

*Com informações do jornal O Tempo


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