Criada em 2005, no início da gestão Gilberto Gil no MinC, as Câmaras Setoriais das Artes tiveram por objetivo analisar e investigar as diversas atividades culturais (Teatro, Música, Dança, Audiovisual etc) através de um conceito denominado “cadeia produtiva das artes”, gerando distorções  e insatisfações que duram até hoje.

Na Câmara Setorial da Música, esta diagnose relativisou  o conceito de  “núcleo criativo”, ou seja, os próprios criadores: compositores, letristas, cantores, instrumentistas, arranjadores e regentes.

Fica fácil compreendermos que o núcleo criativo ou “criador de conteúdo” não é mais um elo da cadeia produtiva mas, a razão de ser da música, de onde gravitam outras atividades geradas pela exploração, comercialização e circulação desta arte.

Os novos desafios da era digital, as novas mídias, o abandono do mercado de trabalho, a pirataria, os tratados internacionais, o “jabá”, a formação de platéias, a transparência da arrecadação, da partilha e da distribuição dos direitos autorais e conexos, para citar algumas questões; necessitam de clareza, calma e um mínimo de entendimento por parte dos agentes envolvidos.

Políticas Públicas, Regulamentação, Inclusão Social, são importantes  ações do Governo Central, que devem sempre ser exercidas como Política de Estado,  podendo assim ser aprimoradas de governo para governo.

A verba destinada à Cultura, é alocada para a execução das Políticas Culturais cuja finalidade é universalizar o acesso do nosso povo à fruição dos seus bens simbólicos.

Em seu discurso de posse, a ministra foi clara ao afirmar: “Visões gerais da questão cultural brasileira, discutindo estruturas e sistemas, muitas vezes obscurecem – e parecem até anular – a figura do criador e o processo criativo. Se há um pecado que não vou cometer, é este. Pelo contrário: o Ministério vai ceder a todas as tentações da criatividade cultural brasileira. A criação vai estar no centro de todas as nossas atenções. A imensa criatividade, a imensa diversidade cultural do povo mestiço do Brasil, país de todas as misturas e de todos os sincretismos. Criatividade e diversidade que, ao mesmo tempo, se entrelaçam e se resolvem num conjunto único de cultura. Este é o verdadeiro milagre brasileiro, que vai do Círio de Nazaré às colunatas do Palácio da Alvorada, passando por muitas cores e tambores.”

A classe artística em geral e a musical em particular, deve se acalmar em relação ao início de uma gestão que tem todos os princípios e fundamentos para se tornar um exemplo.

Blogs, Lobs, ecos do “fica Juca”, Ecad, Creative Commons, “fogo amigo”, Internet Livre, Inclusão digital, Pontos de Cultura, Software Livre, Rede Música Brasil, são alguns dos  terrenos aonde vemos muita tensão, açodamento, contradições e até ações de má fé, principalmente nas insinuações feitas à ministra.

Tivemos oito anos de mandato do presidente Lula e teremos mais quatro da presidente Dilma. O conceito de “criação”, “inclusão” e “probidade” estará em alta. Resta a nós músicos e artistas em geral aguardar o novo governo iniciar sua gestão e acreditarmos com otimismo redobrado, que estamos magnificamente representados neste ministério.


contributor

Violonista, guitarrista e compositor, com formação musical na Pró-Arte (RJ), no Instituto Villa-Lobos da Fefierj (atual Unirio) e na Berklee College of Music (arranjo e composição).

18Comentários

  • Guto, 3 de março de 2011 @ 9:45 Reply

    Nada melhor que a tranquilidade nestas horas.

    Grato

  • Bruno Cava, 3 de março de 2011 @ 10:11 Reply

    Salve,

    Acusar o movimento da cultura de “açodamento”, “tensionamento” ou “má-fé” é o mais deslavado exercício de duplipensar.

    Quem toma decisões imperais, de cima pra baixo, tem sido o novo MinC. Em vez da formulação multitudinária, em rede, escancarada, do governo Lula, agora a ministra governa na base da canetada.

    “E podem falar o que quiserem!”

    Açodamento na investida contra o CC, na guinada da política da propriedade imaterial, na apresentação de uma falsa opção entre “qualificar” (profissionalizar, especializar, tecnocracia de mercado) e “expandir” (mais democracia).

    Ora, QUEM são os criadores? como se produz uma cultura?

    Por acaso algum ser iluminado, que verte das Musas ao povão consumidor, a Criação? é assim: fiat lux?

    A criatividade é imanente ao tecido social e pode ser achada em toda a cauda longa de minorias e regiões e jovens produtores pelo Brasil, que nunca receberam nem receberão um tostão do ECAD ou em “direito autoral”.

    Explorar a propriedade não pode favorecer cultura alguma, que, pássaro livre, tão mais valiosa quanto mais circular, difundir, recombinar. Daqui a pouco faremos o discurso latifundiário de um Caetano: “ninguém toca nos meus direitos”.

    Governos Lula e Dilma não põem no centro criador algum, mas o pobre. E pobre precisa sobretudo de xérox, download, remix, remédio. Precisa de bolsa família e pontos de cultura, de cultura viva.

    Lamentável aristocracia carioca que assumiu o MinC, e duplamente lamentável por trair a continuidade do governo Lula que Dilma prometera na campanha.

  • marcos pardim, 3 de março de 2011 @ 13:59 Reply

    embasbaquei-me com o grau de petulância com que vc é capaz de afirmar quais são os terrenos de onde sairão “até ações de má fé … e insinuações à ministra”… a julgar pelo que vc assertiva, quando os Pontos de Cultura, por exemplo, cobram o pagamento de editais, contratos e convênios, eles estão agindo por pura má fé e insinuando-se contra a ministra… cláudio, meu caro, em torno do cultura viva, segundo dados do ipea (já defasados por sinal), orbitam mais de 8 milhões de pessoas. um organismo vivo, pulsante e que muito fez para que o minc, em muito pouco tempo, saisse da condição subalterna para a de uma jóia reluzente, capaz de atiçar cobiças e perdições, inclusive morais e éticas. sou um ponto de cultura e conheço muitos de nós. não tem má fé nem insinuação, não, meu velho. tem é trabalho, dignidade e decência. por favor, mais respeito com essa galera valiosa que muito, mas muito mesmo, faz em prol da cultura.

  • gil lopes, 3 de março de 2011 @ 15:54 Reply

    Nomear movimento é prerrogativa de qualquer um, o movimento na cultura quem fez foi o Minc inaugurando novas perspectivas, as anteriores são responsáveis por um quadro de derrotas na Literatura, na Música, nas Artes Cênicas e no Cinema. A política foquista também não mostrou ao que veio e o centro foi abandonado, entregue ao conteúdo estrangeiro.
    Do novo ministério o que se espera é ação por que falação a gente sabe, falam mesmo e falam mesmo, e que falem afinal…se mandasse calar seria pior, “que falem o que quiserem”, muito bem falado.
    CC é brasileirismo, não existe como assunto em nenhuma outra parte do globo, e não se discute a geração de riquezas na circulação de arquivos. CC é portanto no mínimo um escapismo. Guinada na política que não produziu nada é muito bem feito, Dilma sabe que precisa produzir.
    Desrespeitar Caetano não nos fará melhor, pelo contrário. O gesto de publicar suas reflexões no site ministerial é um sinal revelador, extraordinário, agregador, amplia novas alianças, constrói o Brasil de Todos.
    O Brasil precisa de união e desenvolvimento…de menos preconceito, menos sugestões preconceituosas, provincianas, bairristas, não precisamos desses “movimentos”. A aristocracia artística e popular representada pelos Jobim, Buarque de Holanda, Veloso, entre outras, são motivos de orgulho e símbolos nacionais…oi skindô, oi skindô.

  • Bruno Cava, 3 de março de 2011 @ 17:26 Reply

    Não, gil lopes, o MinC não fez o movimento. Isso é até erro conceitual. O MinC reconheceu e potencializou um movimento de cultura viva que existe. Conferiu renda, ferramental, liberdade, para milhões de pessoas sem qualquer possibilidade de expressar e produzir cultura. O MinC mobilizou ainda mais um movimento que lhe preexistia. Sua força vem justamente de ter se deixado ocupar e enriquecer pelo movimento, de baixo pra cima. O atual MinC despega-se desse movimento, e passa a funcionar como estado (estático), favorecendo quem já está no topo da produção: indústria cultural e algumas dezenas de medalhões. E não quem vinha se empoderando e subindo: a multidão, os milhões, a produção imanente de cultura e vida.

    O passivo dos Pontos é absolutamente desprezível comparado a qualquer outra área essencial do governo. O ativo, por sua vez, é gigantesco e não cabe em nenhuma parametrização. Mesmo o impressionante número de 8,4 milhões de contemplados não capta a imensidade que significa o programa Cultura Viva para o Brasil. Pode-se dizer, sem demagogia, que o bolsa família e os pontos de cultura foram a chave do sucesso e da força do Governo Lula.

  • Carlos Henrique Machado, 3 de março de 2011 @ 20:07 Reply

    Claudio
    A tônica de sua mensagem pode ser aproveitada por um pequeno número de ex-atores da falida indústria fonográfica. Ela não tem nada a ver com os movimentos populares, sobretudo os protagonizados pelas camadas mais pobres da população. O empobrecimento crescente desta indústria mostra os limites de seu discurso frente à realidade vivida pela maioria dos músicos no Brasil. Você foca uma interpretação multidisciplinar par realçar o papel que o MinC viria a ter numa busca por um novo universalismo.

    A grande questão é que o reino das necessidades registra que esse império mergulhado na hegemonia industrial da cultura não pode mais criar seu totalitarismo. Ana de Hollanda, quando incorpora a advogada do Ecad ao seu dream time, ela informa à sociedade que vai valorizar a cultura dos flashes, do antigo glamour dos barões falidos da grande indústria fonográfica. A demanda da sociedade é outra, e hoje ela se encontra com condições materiais de produzir seus próprios trabalhos sem ter que glorificar os medalhões da indústria. E a progressão dessas ideias vinha sendo feita de forma livre, o que não interessa ao mercado. Por isso o MinC de Ana usou de violência quando retirou o Creative Commons.

    Temos que entender o seguinte: a antiga exacerbação do consumo da indústria fonográfica criou um narcisismo, um imediatismo, um egoísmo na alma de muitos grandes artistas brasileiros. Eles, com isso, limitaram-se a entender a música fora das novas realidades e calcularam erradamente o tamanho de seu reinado. Agora levantam-se unilateralmente contra as regras de vida, sobretudo as novas formas de informação que a sociedade criou, tentando definir claramente que a sociedade é perversa com o artista da ex-indústria multinacional da música. Querem criminalizar o próprio povo.

    A isso, Claudio, eu chamo de salve-se quem puder, de canibalismo típico da competitividade do mercado. E o pior é assistir artistas se entregarem a supressão da solidariedade, perfilando suas artes apenas a um aferidor quantitativo, longe da generosidade que sempre marcou, de forma emergente, o caldeirão cultural do povo brasileiro.

    Ninguém imaginaria, há trinta anos, que os artistas que compunham e cantavam em seus processos de criação, a dor do povo brasileiro se unissem para criminalizar o mesmo povo, classificando-o como um povo pirata, porque tem sede de informação. Sabe o que vai acontecer? Muitos desses artistas serão deletados da nossa cultura. Isso já aconteceu em outras ocasiões, e o ostracismo é bem mais caro quando ele vira um componente histórico imposto ao artista pela própria sociedade. Por isso, ao contrário dessa mesquinhez toda, os artistas da indústria, Villa Lobos, o maior músico brasileiro é cada vez mais adorado pelo seu povo, pois Villa Lobos nunca se colocou acima do povo brasileiro e, por isso se transformou no nosso grande gênio.

  • Livia, 4 de março de 2011 @ 14:32 Reply

    interesse político é diferente de vontade pública….
    e infelizmente nesse momento de transição e início de gestão política, a vontade pública fica pra depois……
    infelizmente isso não é novidade…a questão é que temos a esperança de que quem se dispõe a trabalhar um certo tempo no poder público tenha uma postura mais madura e menos provinciana de “feudos” e disputa de poder…afinal, muuuuuito trabalho existe pra ser feito, não é mesmo?!

  • LAILTON ARAÚJO, 5 de março de 2011 @ 12:15 Reply

    “O DIREITO AUTORAL É SAGRADO… UM AUTOR AGRADECE!”

    A Internet é fantástica. Baixa-se tudo! Copia-se tudo! Usa-se tudo disponível! E a criação? Cria-se tudo com qualidade duvidosa. Existem toneladas de lixo digital! Que alimentam os analfabetos digitais! Oxente! Analfabetos digitais? Quem “são” ou quem é? Talvez sejam aqueles que não conseguem escrever uma letra no papel! São os que não possuem senso crítico, na escolha do que é bom ou ruim! Que não sabem o que é que tem qualidade. Que compram lixo como se fosse um bem cultural da humanidade!

    E quem paga para o criador de um verdadeiro bem cultural? A criação de algo de qualidade envolve tempo, pesquisa, horas não dormidas, investimento em dinheiro, desprendimento para com a família. Então vem um aventureiro e usa a criação do outro. Sua vida e seu nome. E o “corvo” pega sem pagar, sem dá crédito, e ainda diz que é moderno, intelectual, e sabe usar o lado digital.

    É fácil escrever sobre a doação da propriedade intelectual do outro, quando não se cria: apenas se usa! Antes da crítica, os que criticam, devem procurar escrever um livro, gravar uma música em estúdio, buscar o melhor ângulo de uma fotografia, tentar formatar uma tese sobre algo, apresentar uma TCC, em uma banca examinadora! É fácil! É digital. Tá tudo aí. Na frente de um computador, burro, programado, repetitivo, e com vários seguidores, repetindo, repetindo, o que já foi repetido! E com memória RAM!

    Quem pagará pela aventura da criação? Alguém precisa criar. A criação tem um preço! Qual o preço da criação? Será que uma vida tem preço?

    A ministra Ana de Hollanda está correta em brecar, a nova pirataria, que está travestida de mundo digital. É preciso que o autor receba pelo que se cria! O direito autoral – do autor – precisa ser discutido na mídia. Isso é democracia!

    Sem “essa conversa de direita x esquerda”. A criação não tem partido político!

    Abraços.

    Lailton Araújo

  • Inês, 5 de março de 2011 @ 13:11 Reply

    O que está por trás desse desacerto todo? Mau gerenciamento dos recursos do governo anterior ou mudança na política cultural da nova ministra Ana de Holanda? A questão do calote do Ministério na Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo para o pagamento dos Pontos de Cultura no ano passado parece indicar que o problema vem da gestão Juca, e perdura na gestão Ana. Por outro lado, há Editais, como o Pontinhos de Cultura,cujos contemplados sequer mereceram no ano passado um aviso do Ministério, mesmo após a publicação no Diário Oficial.

    Outros Editais, lançados no final do ano (Circo, Dança e Teatro), parecem estar irremediavelmente condenados. Mas, nenhuma comunicação foi feita.

    A impressão é que não haverá nenhuma continuidade na política cultural do Governo Dilma em relação ao Governo Lula, e que a nova administração não respeitará nada que não seja obrigada a respeitar. É LAMENTÁVEL!!

  • Yuri Soares Franco, 5 de março de 2011 @ 13:51 Reply

    Fico triste ao ver uma visão que coloca o artista contra o povo ganhar espaço entre os artistas. E pior que isso, em um governo de esquerda. Era de se imaginar um Ministério da Cultura assim em um governo do PSDB, não do PT!

    O artista é fruto do seu povo, e seu povo se vê representado nele, dialoga com ele.

    E o pior, tem artistas que não são e nunca foram beneficiados pelo atual esquema comercial que defendem a manutenção do status quo, na esperança de um dia se tornarem medalhões também…

    Um aviso: é vã a esperança de alguns que as gravadoras e o ECAD vão aceitar mudar suas regras para beneficiar mais artistas para “darem os anéis e manterem os dedos”. Eles querem manter tudo como está e ponto final, pois sabem que em qualquer mudança eles teriam de abrir mão dos seus lucros.

    Isso é sociologia pura – “a ideologia dominante é a ideologia da classe dominante”, e é isso que faz artistas de baixo se solidarizarem com algumas dúzias de figurões, mesmo sem ganharem absolutamente nada para isso.

    Precisamos mostrar a estes artistas que ainda estão iludidos que este modelo que aí está não os beneficia e que se aliarem às decadentes gravadores multinacionais e aos grandes artistas em sua cruzada contra o povo só irá prejudicá-los.

    Podem chamar de ruim, feio, pobre, sujo, amador e o que for, mas o pessoal do tecnobrega ao meu ver está bem mais avançado em perceber que é preciso cativar o público, dialogar com ele e ganhar dinheiro de outras formas. Eles não só aceitam a dita pirataria como vão nas feiras conversar com os vendedores e autografar os CDs piratas!

    São fenômenos assim que deixam os figurões dos palácios culturais de cabelo em pé.

    Yuri Soares
    Coordenador do DCE UnB

  • seupedro, 5 de março de 2011 @ 22:58 Reply

    Discutir neste sitio Cultura e Mercado, já é por si só, dar vóz a maracutaia mercadológica e seus poucos agentes, que visam retornar ao MinC para usufruirem da máquina pública visando apenas beneficios próprios.

    Assim foi no inicio da gestão Lula e Gil e Juca – que felizmente – por ordem e luz dos orixás – cortaram na raiz uma das maiaores maracutaias que estava em curso: eram os contratos com construtoras para as BAC´s – ao mesmo tempo circulava no ar uma tal de arquitetura cultural, que se apresentava as empresas com chancela do MinC.

    Já diante mão coloco com clareza que não tenho proficiência. Não faço parte da academia, e nem meu pai é figurão deste ou daquele escalão, até porque já falecido, mesmo em vida, sempre lutou e fez com a marcenaria, todos os briquedos que eu e meus irmãos brincávamos no quintal, foi um exímio lutier. foi com ele que aprendi a gostar de política. Foi ele que me disse que era Laudo Natel, e de como nasceu – hoje o Banco Brasileiro de Descontos. Esse negócio de se apresentar com Pesquisador autônomo – é fogo de palha – soa oportunismo barato, que se utiliza de redes de contatos – essta tal network – para fazer negócio com verniz de cultura. Os textos aqui publicados são da profundidade de um pires de café, ou de uma poça de água no asfalto em dia de chuva. Os comentários trazem mais teores de alcatrão que o próprio texto em si. Para corroborar a questão, fica o texto abaixo Lewis Hyde – publicado noO Globo – para açodar a discussão deste sitio, visto que os comentaristas são de cathiguria – gente boa da melhor qualidade. Alias me reporto, aos colegas Carlos Henrique, Marcos Pardim, e Bruno Cava, sem excluir os poucos mais.

    Lewis Hyde: entre as ideias e o mercado
    Ao fazer da revisão do anteprojeto da nova Lei de Direito Autoral um dos temas principais do início de sua gestão, a ministra da Cultura Ana de Hollanda não apenas desagradou setores que apoiavam a reforma debatida ao longo das gestões de Gilberto Gil e Juca Ferreira no MinC, como também chamou atenção para a dificuldade existente, ainda hoje, para definir os limites e funções da propriedade intelectual. Esta semana, a ministra e compositora afirmou à revista “Carta Capital” que pensa o direito autoral como “uma questão trabalhista” (“Se o criador perder o direito a receber pelo seu trabalho, vai viver do quê?”, perguntou), uma posição que reflete aquela defendida por parte da classe artística, mas que provocou críticas dos defensores da flexibilização da atual legislação, entre os quais estão muitos artistas.

    Os dilemas da propriedade intelectual e a relação entre artista e mercado são objeto de estudo do ensaísta americano Lewis Hyde, que há três décadas escreve sobre o que chama de “a vida pública da imaginação”. Pesquisador do Centro de Internet e Sociedade da Universidade de Harvard e professor de escrita do Kenyon College, Hyde gosta de se definir como “poeta, tradutor e acadêmico freelancer”. A partir de sua dupla experiência como artista e pesquisador, publicou em 1983 o livro “A dádiva” (lançado aqui recentemente pela Civilização Brasileira, com tradução de Maria Alice Máximo), no qual reflete sobre a a dificuldade de tratar obras de arte como mercadoria. O livro se tornou um sucesso especialmente entre artistas, como se pode notar pelos elogios efusivos de escritores como David Foster Wallace, Margaret Atwood, Zadie Smith e Geoff Dyer exibidos no site do autor.

    No livro, Hyde usa o conceito antropológico de “dádiva” (no sentido de “dom” ou “doação”) para definir a relação entre artista e público: segundo o autor, assim como na troca de dádivas, essa relação é marcada por um vínculo emocional que não existe na simples troca de mercadorias. Assim, “as obras de arte existem simultaneamente em duas ‘economias’: a economia de mercado e a economia de doação”, o que leva o artista a “sofrer uma constante tensão entre a esfera da doação, à qual sua obra pertence, e a sociedade de mercado, que é seu contexto”, escreve. Essa tensão pode ser ilustrada, por exemplo, pela figura do artista que quer fazer sua obra circular pela internet, mas encontra empecilhos legais ou financeiros para isso.

    Autor de outras obras sobre o tema, como o recente “Common as air” (“Comum como o ar”, inédito no Brasil), que discute a história da propriedade intelectual do século XVIII até os tempos de Creative Commons, Hyde conversou por e-mail com o GLOBO sobre os impasses contemporâneos na legislação sobre propriedade intelectual. Hyde mostrou acompanhar os debates sobre o tema no Brasil e criticou a postura da ministra Ana de Hollanda na polêmica sobre direitos autorais.

    Você resume seu campo de estudo como “a vida pública da imaginação”. Como defini-lo e quais são os principais desafios nesse campo?

    LEWIS HYDE: Tanto a poesia quanto a política sempre foram importantes para mim desde a juventude, e a expressão “vida pública da imaginação” tenta capturar isso. Conversando com um amigo, Goethe uma vez respondeu à pergunta “Quem sou eu?” da seguinte forma: “Guardei e usei tudo que vi, ouvi e observei. Minhas obras foram nutridas por incontáveis indivíduos, inocentes e sábios, brilhantes e estúpidos. Infância, maturidade e velhice me trouxeram seus pensamentos, suas perspectivas de vida. Frequentemente colhi o que outros plantaram. Meu trabalho é obra de um ser coletivo que carrega o nome de Goethe”. Concordo com essa imagem. Grandes criadores são “seres coletivos”, não indivíduos isolados. Quanto ao “principal desafio”, é o impulso político de privatizar tudo, especialmente, agora, as artes e ideias. Não me oponho à propriedade privada nem à “propriedade intelectual”, mas é preciso haver um equilíbrio entre o privado e o comum. O equilíbrio tradicional está sob ataque.

    Em “A dádiva”, você especula sobre relações entre propriedade intelectual e culturas baseadas na dádiva. Como a noção de “dádiva” pode ajudar a pensar a propriedade intelectual?

    HYDE: Por trás de sua pergunta há outra: o que é “propriedade”? Em “Comum como o ar”, respondo com uma antiga definição: “propriedade é um direito de ação”. Se sou o proprietário de uma casa, há muitas ações que posso tomar em relação a ela (pintá-la, vendê-la, emprestá-la a um amigo…) e também há ações que não posso tomar — como, por exemplo, usá-la para estocar armas nucleares. Se tenho o direito de dar algo, então isso também é um tipo de propriedade, baseada na dádiva. Normalmente falamos de “propriedade intelectual” só em termos de um direito de excluir, mas poderíamos facilmente pensá-la em termos de um direito de doar. Muitos pesquisadores entendem que não há como ganhar muito dinheiro com suas ideias; eles preferem vê-las em circulação. Artigos publicados em periódicos acadêmicos são por isso chamados de “contribuições”. São propriedades baseadas na dádiva. No livro, tento esclarecer até que ponto muito do que pensamos hoje como “propriedade intelectual” é também propriedade comum, baseada na dádiva.

    O livro trabalha com a noção de “bens culturais comuns” (cultural commons). Como você a define?

    HYDE: Os bens culturais comuns são aquele grande estoque de arte e ideias que herdamos e que continuamos a criar. Os escritos de Shakespeare, Mark Twain, Tolstói, José de Alencar; o conhecimento sobre como fazer aspirinas e motores a vapor ou transístores; tudo isso e mais.

    Em “Comum como o ar”, você defende a importância de conhecer o debate por trás da noção contemporânea de “propriedade intelectual”. O que é preciso saber sobre a história desse debate?

    HYDE: Esse argumento é desenvolvido em mais de 100 páginas, então é difícil dar uma resposta breve. Mas aqui vai um resumo. No século XVIII, se o Estado lhe dava direitos sobre uma obra, ele não estava reconhecendo um direito natural à propriedade, estava conferindo um monopólio. Você tinha o privilégio, por um tempo limitado, de controlar a expressão que havia criado. O limite de tempo era importante porque, na experiência europeia, o controle perpétuo da expressão havia sido frequentemente uma ferramenta de despotismo. Postos em termos positivos, os limites ao monopólio ajudaram a criar uma esfera pública de debate aberto e deliberação, que, por sua vez, ajudou a criar nações autogovernantes.

    E como as leis atuais de direito autoral afetam a circulação daquelas obras e ideias que você considera bens culturais comuns?

    HYDE: O direito autoral se expandiu imensamente desde sua invenção no século XVIII. Em sua origem, esse direito garantia até 28 anos de controle sobre cópias integrais de uma obra. Além do mais, para garantir esse controle o autor tinha que registrar a obra, pagar uma pequena taxa, e colocar uma notificação de direito autoral no livro impresso. Tudo isso mudou. Na maioria dos países, a exigência de registro caiu e o termo de propriedade pode durar até um século. Nesse e em muitos outros sentidos, o direito autoral se expandiu incessantemente, e cada expansão significa um cerceamento do que antes era comum.

    Na sua opinião, o que organizações como o Creative Commons podem fazer para modernizar as leis atuais de propriedade intelectual?

    HYDE: Muitos projetos procuram ampliar o conceito de bens culturais comuns trabalhando dentro da lei. O Creative Commons é o mais conhecido, oferecendo já há uma década um pacote de licenças que permitem que os proprietários publiquem suas criações sob termos mais liberais do que os oferecidos pela lei de direito autoral padrão. Um compositor amador pode, por exemplo, lançar suas canções sob uma licença “Atribuição — Uso Não Comercial” que diz, essencialmente: “Qualquer um é livre para copiar essa música, remixá-la ou adaptá-la, desde que me cite como autor e não a use para fazer dinheiro”. Ou um poeta que se preocupa com a integridade de seus textos pode usar a licença “Atribuição — Uso Não Comercial — Não a Obras Derivadas”, que diz a mesma coisa, mas acrescenta que usuários “não podem alterar, transformar nem acrescentar nada à obra”. As licenças Creative Commons permitem que milhões de obras circulem sem os problemas de permissão e taxas que automaticamente afetam todo material protegido por direitos autorais. Devo dizer que não entendo a ordem recente da nova ministra da Cultura brasileira, Ana de Hollanda, para a retirada da licença Creative Commons do site do ministério. Para dizer o mínimo, a mudança oferece a oportunidade de discutir os propósitos do direito autoral.

    Além do Creative Commons, que outras iniciativas você destacaria?

    HYDE: Aplaudo o movimento pelo “Livre Acesso” (“Open Access”) encontrado hoje em muitas instituições de ensino superior. Nos Estados Unidos, muitas universidade, incluindo Harvard, pedem que os professores coloquem suas pesquisas na internet para download grátis. A adesão é voluntária, mas o Acesso Livre está se tornando um procedimento padrão nas publicações acadêmicas. Outro movimento importante exige o “uso justo” (“fair use”) dos direitos. As leis americanas estipulam que “o uso justo de obras protegidas por direito autoral… para fins como crítica, comentário, jornalismo, ensino (incluindo múltiplas cópias para uso em sala de aula) e pesquisa não infringe o direito autoral”. Muitas comunidades criativas têm trabalhado nos últimos anos para esclarecer esses direitos. Em alguns sentidos, o Brasil está à frente dos Estados Unidos nessa questão do “uso justo”. Nos Estados Unidos, é ilegal contornar as restrições de DRM (sigla para “Digital Rights Management”, ou “Gestão de direitos digitais”), mesmo que para uso considerado “justo” em circunstâncias normais. Até onde sei, no Brasil é possível quebrar o DRM sem quebrar a lei, desde que não se cometa violação de direito autoral. Além disso, um detentor de direitos que usa DRM que restringe ações permitidas pela lei brasileira está sujeito a multa.

    Em “A dádiva”, você fala sobre a dificuldade de conciliar as esferas da prática artística e do mercado, mas diz que, ainda assim, é preciso buscar essa conciliação, sem prejudicar a porção de “dádiva” da arte. Que conciliação é possível?

    HYDE: Há três ou quatro respostas possíveis. Assumindo que existe uma verdadeira incongruência entre ganhar a vida e fazer arte, muitos artistas escolhem uma vida de pobreza voluntária. Vivem com pouco e constroem sua obra. Em segundo lugar, há sociedades que reconhecem esse problema e apoiam artistas de maneiras não-mercadológicas. O patronato era uma forma arcaica desse tipo de apoio, e hoje temos fundações privadas e bolsas públicas. Em terceiro lugar, muitos artistas têm um segundo emprego, removendo da arte o fardo de ter que pagar suas contas. Até ensinar a própria arte é uma espécie de segundo emprego (eu mesmo ensino escrita, o que não é a mesma coisa que escrever). Por fim, existem aqueles poucos felizardos que vivem diretamente de seu trabalho, romancistas, pintores e dramaturgos de sucesso. Bravo para eles.

  • Carlos Henrique Machado, 6 de março de 2011 @ 12:26 Reply

    Claudio
    A sociedade é que está perguntando quem está a bordo dessa canoa furada que Ana de Hollanda embarcou, aonde ela não pára de dar trimiliques de intolerância. Em geral, o indivíduo comum está desconfiado do nariz tão em pé da ministra. Essa turma que vê assombração nas trocas de conteúdo, parece que bateu no portão do casarão do MinC. Os movimentos contra Ana estão crescendo enormemente. Alguns que querem ostentar um possível conformismo têm agora que aturar um estouro de boiada contra a ideia miúda de “categoria” de criadores em prol do Ecad. Em resumo, Claudio, Ana está num vagão de um trem desgovernado conduzido por um maquinista que tomou um banho de cachaça.

    O vocabulário corporativista é cheio de tentações, sobretudo as que tratam os tais criadores com excepcional capacidade psicanalítica que a luminosidade o predestinou. A ordem do dia é muito maior que do que a bolha especulativa mau conselheira de Ana de Hollanda. Há um caldo grosso de estupidez em tudo isso que dá uma sensação selvagem quando vem fatalizando a sociedade para desoficializar a sua participação cidadã. Tem muita gente, inclusive Ana de Hollanda, perdendo tempo e prestígio, tentando acompanhar a cronologia inserida nesse jogo de interesses.

    As futuras elaborações de cultura buscam outra trajetória, outra sequência de organização. A nossa cultura não pode continuar trancada em uma cabine de estúdios e manter uma sequência de crônicas contra as futuras gerações deste país.

    O desenho do MinC hoje ilustra sem dúvida a ideia de um Brasil particular, um elemento tropical que se tornou grotesco e inadequado. Precisamos entender a cultura muito além do tamanho do ofício. Essa visão é bastante envelhecida. O projeto de um novo Brasil exige uma manhãzinha cheia de felicidade e de liberdade. O Brasil é bem mais azul do que a cultura de patrimônio privado que o MinC atual quer dar guarida. Por isso o MinC não pára de engolir mosquitos, engasgar e tossir bobagens em declarações de uma ministra cada dia mais isolada politicamente. Quem está por trás dela, quem está em seu perespírito, é o que todos nós queremos saber.

  • Manoel Neto, 6 de março de 2011 @ 20:07 Reply

    Caro Claudio, acho que você um dos articuladores da tomada do Minc e CEMUS por membros do meio musical que tem relações profundas com quem lucra alto nos direitos autorais deveria ir mais devagar.
    Recaptulando sua mensagem, a câmara setorial de música em 2005 nunca finalizou o 5 GT realizado que tinha por tema direito autoral, por paralização dos trabalhos por bloqueio dos setores editorais e industriais. O documento com as propostas da sociedade civil posteriormente foi tirado do site do MINC a pedidos das organizações de direitos autorais que pressionaram a Ana de Hollanda então diretora da CEMUS/Funarte, que prontamente lhes atendeu.
    Naquele documento original de 2005, nunca pactuado, alem da defesa do autor como matriz da industria, outros tópicos existiam muito mais radicais do que apresentado na reforma da lei do direito autoral.
    O que existe em comum em todos os manifestos de todos os setores da música (excluindo é lógico o ECAD, editores e uns poucos que lucram muito), é o apoio para que seja feita uma reforma no setor. O instrumento mais pedido é a criação de um órgão público fiscalizador e regulador do setor.
    Acredito que não podemos generalizar a vontade uns poucos sobre a vontade da maioria absoluta do setor, dos usuários e da população. A reforma do direito autoral é urgente!

  • Manoel Neto, 6 de março de 2011 @ 20:17 Reply

    Caro Claudio, como pode afirmar para que tomem cuidado com a opinião da Rede Música Brasil? Coloca em dúvida a representatividade deste organismo representativo de entidades nacionais relacionadas a música? Olhando a lista de 16 entidades representativas do setor no site da RMB e percebi que estas apoiam uma manifesto de 2009, chamado a carta de Recife de 2009. Na carta eles defendem a reforma dos direitos autorais. Vai continuar insistindo em dizer que o meio musical brasileiro não quer a reforma da lei?

    Segue a carta de Recife:

    O dez pontos essenciais:

    1. Agência: Criação da ANM – Agência Nacional da Música.

    2. Fomento: Criar o Fundo Setorial da Música integrado ao Fundo Nacional de Cultura.

    3. Marcos Regulatórios: Estabelecer um novo marco regulatório trabalhista e desonerar a carga tributária para o setor criativo e produtivo da música.

    4. Direito Autoral: Revisar a Lei de Direito Autoral através de processo de consulta pública.

    5. Formação: Regulamentar imediatamente a Lei 11.769/2008 que institui a obrigatoriedade do ensino de música nas escolas.

    6. Mapeamento: Promover o mapeamento amplo e imediato de toda a cadeia criativa e produtiva da música. Incluir o setor da música na matriz insumo-produto utilizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

    7. Comunicação: Garantir a execução da diversidade da música brasileira nos meios de comunicação e fortalecer as redes de emissoras públicas, comunitárias e livres.

    8. Redes: Estimular e fomentar a formação e organização de redes associativas no campo da música, pautadas nos princípios da economia solidária.

    9. Circulação: Fortalecer e fomentar ações de circulação através das redes de festivais, feiras, casas e espaços de apresentações musicais em sua diversidade.

    10. Exportação: Incentivar a criação de ações de exportação e aumentar o fomento às ações existentes, assim como regulamentar os mecanismos legais existentes para a exportação da música brasileira.

    MARCO ZERO/ Recife – PE

  • Manoel Neto, 6 de março de 2011 @ 20:18 Reply

    Oi pessoal antes que digam que a Rede Música Brasil é uma mentira, segue a lista das entidades:

    O CONSELHO DA REDE MÚSICA BRASIL É COMPOSTO PELAS SEGUINTES ENTIDADES:

    ARPUB

    ABEART

    Academia Brasileira de Música

    ABRAFIN

    ABEM (editoras de música)

    ABEM (ensino de música)

    ABPD

    ABMI

    Circuito Fora do Eixo

    CUFA

    MPBaixar

    Fórum Nacional da Música

    Federação das Cooperativas de Músicos

    Casas Associadas

    BM&A

    Fenamusi

    UBEM

    Colegiado Setorial de Música

  • Manoel Neto, 6 de março de 2011 @ 20:20 Reply

    Em tempo, segue aqui também a carta do FNM sobre direitos autorais que saiu esta semana:

    O Fórum Nacional da Música (FNM) lançou um documento em que defende a “reestruturação do sistema de arrecadação e distribuição dos direitos autorais, com a criação de um órgão público regulador com a participação da sociedade civil”. Esta regulação hoje é feita por uma associação de direito privado, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad).

    O Ecad é uma entidade da sociedade civil, de natureza privada, instituída pela Lei Federal nº 5.988/73 e mantida pela atual Lei de Direitos Autorais brasileira – 9.610/98. Administrado por nove associações de música, realiza a arrecadação e a distribuição de direitos autorais decorrentes da execução pública de músicas nacionais e estrangeiras.

    O Fórum Nacional da Música foi criado em 2005, pela articulação de fóruns estaduais da música. Os fóruns estaduais reúnem entidades ligadas aos profissionais da música, como sindicatos, associações, cooperativas, etc. A proposta apresentada pelos músicos é de criação de um órgão público, com participação paritária de governo e sociedade civil organizada, que fiscalize o Ecad ou qquer outro que o venha substituir.

    Leia a íntegra do docuento do FNM:

    Direito autoral para a música

    Fórum Nacional da Música

    A questão do Direito Autoral no Brasil vem sendo amplamente discutida há vários anos. Em 2005, durante a Câmara Setorial da Música esse foi um dos temas centrais do debate. O Fórum Nacional da Música, naquela ocasião representado por onze das dezessete unidades da federação mobilizadas (Alagoas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, São Paulo e Sergipe), participou ativamente das discussões, junto a diversas outras entidades ligadas à música.

    Os documentos aprovados pela Câmara Setorial de Música trazem significativos avanços para a área, não somente no que tange o Direito Autoral, mas em diversas outras questões importantes. Especificamente sobre o Direito Autoral, consideramos que tal documento, fruto de debates já desenvolvidos com a sociedade civil em diversas cidades brasileiras, contribui com a transparência e eficiência da legislação e do sistema de arrecadação de direitos de autor, em benefício deste. Por esta razão, reconhecemos a importância do debate conduzido pelo Ministério da Cultura. Propomos, como meta fundamental, a reestruturação do sistema de arrecadação e distribuição dos direitos autorais, com a criação de um órgão público regulador com a participação da sociedade civil. Por estes motivos, explicitamos algumas ações que acreditamos sigam nesta direção:

    1 – Criação de uma instância ou órgão público (dividido paritariamente entre sociedade civil e governo) que exerça a fiscalização e regulação do sistema de arrecadação e a mediação de interesses, ampliando a transparência na Gestão Coletiva do Direito Autoral no Brasil.

    2 – Publicização do documento resultante da Consulta Pública realizada pelo Ministério da Cultura junto à sociedade civil em 2010.

    3 – Penalização de emissoras de rádio e televisão inadimplentes

    4 – Criminalização do Jabá (pagamento ilegal para execução de música em rádio e televisão)

    5 – Estudo, modernização e implementação de um novo mecanismo de arrecadação e distribuição de direito autoral levando em conta as novas tecnologias disponíveis

    6 – Estabelecer uma nova destinação para o Fundo Retido de Direitos Autorais tais como a criação de um Fundo para formação musical e linha de crédito para os autores

    7 – Estabelecer mecanismos, por meio do órgão regulador, para que a cobrança de direitos autorais dos provedores de conteúdo digital seja realizada de maneira transparente

    8 – Publicização do balancete analítico-financeiro do órgão arrecadador e distribuidor.

    Por fim, entendemos que somente através do debate entre governo e sociedade civil podemos encontrar soluções viáveis para o desenvolvimento da cadeia formativa, criativa e produtiva da música no que tange os Direitos Autorais e as diversas questões que necessitam ser avaliadas. Desde nossa fundação estivemos presentes em diversas oportunidades contribuindo propositivamente com as discussões, e atualmente, presente em 22 estados da federação, não mediremos esforços para colaborar com os debates e consolidação de políticas públicas em defesa da música no Brasil.

    À disposição,

    Recife, 25 de fevereiro de 2011.

    Fórum Nacional da Música

    Executiva Nacional

    Du Oliveira (Centro-Oeste);

    Gláfira Lobo (Norte);

    Naldinho (Nordeste);

    Makely Ka (Sudeste);

    Téo Ruiz (Sul)”.

  • Bosco Maciel, 8 de março de 2011 @ 7:37 Reply

    A CULTURA POPULAR E AS PEDRAS DO CAMINHO

    Segundo Luis da Câmara Cascudo (Grande folclorista brasileiro), Cultura popular “ é a cultura tradicional e milenar que nós aprendemos na convivência doméstica. É aquela que até certo ponto nós nascemos sabendo. Qualquer um de nós é mestre, que sabe contos, mitos, lendas, versos, cantos, danças, superstições”. E, é esta cultura que carrega beleza e encantamento herdados de nossos índios, negros, portugueses, espanhóis, e árabes. Cite-se que o clássico e o erudito, invariavelmente nascem da cultura popular. E, no contexto em que a educação e a cultura são a base transformadora da sociedade, a Cultura popular é ponta-de-lança, por ser ela a geradora da “identidade cultural” de cada cidadão. E, somente cidadãos com “identidade cultural”, transformam qualquer País em Nação.

    Entretanto, no Brasil, desde o nascimento da república, existe uma dificuldade de diálogo entre o Poder público e os Fazedores de cultura popular, apesar de um estar umbilicalmente ligado ao outro. Enquanto os Fazedores de cultura popular necessitam do apoio do Poder público para suprir deficiências burocrático-administrativo-financeiras no processo de produção cultural, – pois artista sabe fazer arte e não sabe mexer com burocracia -, o Poder público necessita das ações dos Fazedores de cultura popular para criar meios que ajudem na formação de cidadãos conscientes de nossa riquezas culturais. E, dentre as dificuldades encontradas pelos Fazedores de cultura popular junto ao Poder público, destacam-se: A complexidade para preenchimento de formulários exigidos nos editais voltados a projetos culturais. A excessiva quantidade de documentos exigida por estes mesmos editais. O rigor na análise dos documentos, quando por exemplo, uma assinatura esquecida tem o poder de anulação de um projeto. Os rígidos critérios utilizados pelos Analisadores, nos processo de avaliação. Sem falar, das dificuldades estabelecidas pela `Lei Rouanet` – criada para fomentar a produção cultural em nosso país -, mas que até hoje, não cumpre os objetivos em sua plenitude. Se tem peso o argumento, de que, o controle dos recursos públicos dirigidos para a produção cultural devem ser muito bem administrados pelo governo (daí a nessessidade do controle burocrático), seria também interessante que o próprio governo dispusesse de `Departamentos de suporte a serviços burocráticos`, com atendimento integral aos artistas e produtores culturais, cujos serviços seriam pagos com os recursos advindos da própria aprovação de projetos. E, isto ocorre de forma adequada em outros setores. Por exemplo, para a compra de um apartamento, a tramitação burocrática é feita por um corretor de imóveis. Para o licenciamento de um carro, a liberação dos documentos é realizada por um despachante. Porque não, para a obtenção de recursos do governo para a produção de um projeto cultural, não se dispõe de um `especialista` que acessore o requisitante, na tramitação burocrática.

    Em função do exposto, percebe-se que existe a nessessidade de aperfeiçoar-se a estrutura governamental no que concerne a `Administração cultural`, no sentido de se valorizar na forma devida, os artistas e produtores culturais que lidam com a “Cultura popular”. Cultura esta, rica em diversidade, história, preservação de costumes, e encantamento. Isto tudo, com baixo custo. E, só com Artistas e Produtores culturais valorizados será possível reverter o quadro que já se estabeleceu em nosso país. Por exemplo, hoje assistimos em nossas tv`s `Reality shows`, `novelas`, e, `programas` de nível cultural tão baixo, que por vezes, ultrapassam a linha tênue da ética e da moral, promovendo de forma rápida, a degradação e o aniquilamento do pouco que ainda resta de nossas reservas culturais. A Internet disponibiliza a informação cultural de valor. Mas, a imensa maioria do povo brasileiro não acessa a Internet para buscar informações educativas e culturais, dispondo apenas da TV como meio de informação, cultura, e lazer. E esta falta de opção é extremamente nociva. Porisso, é urgente que a reversão desse quadro ocorra logo. Senão, muito brevemente teremos um país de acéfalos. Aí sim, com prejuízos incalculáveis para a nação, cujas cobranças recairão sobre os que hoje são responsáveis pela implantação e manutenção de políticas culturais, no Brasil.

    Compete portanto, a nossa Ministra da cultura Ana de Hollanda, cuidar de nossa `Cultura popular` com uma atenção muito especial, considerando os seguintes pontos: 1 – Buscando eliminar o excesso de burocracia, potencializando (como conseqüência) nossa produção cultural. 2 – Mantendo e aperfeiçoando os programas que capilarizam os bens culturais do nosso povo, como o Programa `Cultura Viva` e, `Pontos de cultura`. 3 – Resistindo as pressões dos grandes `nomes` e `grupos nacionais` (alguns criados artificialmente pela `Mídia’), que ocupam espaço e recursos por vezes não merecidos. 4 – Estimulando a participação de programas `folclóricos` e de `Costumes regionais` (urbanos e rurais) em nossas televisões abertas, por assinatura, e públicas. 5 – Promovendo a mistura de nossas `culturas populares`, com a criação de programas que permitam a grupos, e artistas, se apresentarem em todas regiões do país. Percebe-se que tudo isto é possível. Mas, faz-se absolutamente nessessário, que as pessoas que acessoram nossa ministra, vibrem com o cheiro, o som, e as cores da cultura vertida a cada segundo, pelo povo brasileiro. E mais, que estas mesmas pessoas, disponham da coragem, garra, e determinação de homens como `Célio Turino`, que deu a alma em favor da funcionalidade dos `Pontos de cultura` em nosso país. É também fundamental, que os `Fazedores de cultura` e a própria sociedade não espere apenas ações do Ministério da cultura, mas que seja co-participante no processo, exercendo cidadania. Cidadania no acompanhamento e fiscalização das ações públicas do governo, na proposição de idéias e projetos, mas, acima de tudo, na atuação como agentes geradores da própria história. É oportuna a célebre frase de John Kennedy ”Não pergunte ao seu país o que ele pode fazer por você, diga o que você pode fazer por ele”.

    É chegada a hora de assumirmos que um “Novo Brasil” está nascendo com perfil de país emergente. E porísso mesmo, com novos e grandes desafios que devem ser equacionados exatamente por esta geração, que ora se forma com a `educação` e a `cultura` que dispomos; sendo esta a razão maior de nossa inquietude.
    Urge então, que mudemos nossos velhos paradígmas. Que finalmente, passemos a tratar a educação e a cultura como prioridades absolutas. Que ensinemos aos nossos filhos e netos, que os nossos valores culturais estão prontos para serem descobertos e cultivados. Enfim, que busquemos alternativas para a construção de uma sociedade mais humana, educada, e, culta, que seja motivo de orgulho para as gerações vindouras.

    Bosco Maciel – Poeta, Folclorista, Cantador, Produtor cultural, Criador da Casa dos cordeis, Membro da AGL – Academia Guarulhense de Letras

  • Carlos Henrique Machado, 8 de março de 2011 @ 11:20 Reply

    Bosco, por isso eu escrevi este texto abaixo.

    O discurso de Manevy e o retrocesso do novo MinC
    Carlos Henrique Machado Freitas | quarta-feira, 26 janeiro 20115 ComentáriosPoderia empregar o termo “Consciência do que é Povo” para definir, em síntese, o que foi exteriorizado pela grandeza do discurso do ex-secretário executivo do Ministério da Cultura, Alfredo Manevy, na II Conferência Nacional de Cultura.

    É muito comum confundir o destino da cultura brasileira, sobretudo a sua grandeza social quando passam despercebidos os caminhos delineados pela nossa identidade racial. Portanto, nesse ambiente aonde a pseudociência ganha cada vez mais as tribunas institucionais de cultura, ver um secretário executivo defender a importância da aproximação do Estado com o cidadão, é algo extraordinário. Manevy rompe com a estética psicológica, letárgica que não provoca uma única centelha de sensação e defende o que tem valor nacional para o nosso Estado. Isso é muito, é determinar e normatizar com firmeza e rapidez objetivos de políticas de Estado de um Ministério como é o da Cultura. Aproveitar todos aqueles elementos sugeridos na II Conferência para as novas ações e impor uma reflexão objetiva, direto na veia, no coração da nossa cultura é necessariamente ter um brasileiro integral dentro de si.

    No discurso de Manevy existia um brasileiro com uma porcentagem mais forte de sangue guarani e negro como uma inspiração para se basear uma nova documentação brasileira que ali nascia. Agora, quando verificamos que a SID (Secretaria da Identidade e Diversidade) foi decapitada e teve os restos mortais incorporados à SCC (Secretaria da Cidadania Cultural), podemos e devemos dizer que foi feita uma deformação para ser intitulada de adaptação.

    Sinceramente, neste momento em que leio a nova composição estrutural do MinC, sinto gemendo dentro de mim uma legítima repulsa. Isso é uma atitude gelatinenta que, misericordiosamente manifesta ou ignorância ou antipatia com o Brasil que conhecemos e que passamos a conhecer ainda mais com a enorme contribuição que a Secretaria da Identidade e Diversidade Cultural (SID) nos trouxe. Isso de acabar com a SID, é soterrar a alma brasileira, não há outra sensação que caracterize o meu sentimento neste momento.

    Vamos viver de quê? Da curiosidade exótica? Dos atrativos pitorescos? Do exclusivismo unilateral das classes dominantes? É aí que queremos chegar? Ao mesmo tempo imediatamente vemos chegar o conceito da indústria criativa, sei lá o que é isso, para a formação permanente de um mercado cultural.

    Em mim, confesso que isso se resume em uma curiosidade besta de ver um ministério virar uma instituição anti-nacional para se alimentar das formalizações que a mundialização cultural está nos oferecendo.

    Como disse Mário de Andrade… “Isso é ser brasileiro como turco ou francês”. É tangenciar, é romper com a nossa porcentagem mais forte tão necessária à nossa brasilidade para viver dessa variedade livre que a globalização cultural está nos oferecendo. Positivamente entraremos oficialmente numa doutrina de dinâmica falsa, fora do compasso determinado por nossas características tão acentuadas para nos jogarmos numa concorrência universal sem ritmo próprio, sem um discurso que não seja o conservador trazido de forma recorrente e, agora, sublinhado da velha civilização européia.

    Vamos obrigatoriamente abandonar todo o nosso remelexo corporal tão marcante em nossas livres manifestações para carregar um gesso específico e aleijar os nossos movimentos.

    Pelo que li e entendi, o escrete de Ana de Hollanda vai jogar na retranca de forma burocrática seguindo todas as metáforas das convenções internacionais. O que falsifica naturalmente a nossa identidade como cultura soberana. Mas incrivelmente os erros do Ministério de Gil e Juca em criar uma king box para o audiovisual e fazer ouvidos mocos para a música brasileira são repetidos.

    Sem dúvida, confirmam-se as expectativas de que o novo MinC cora a pílula da gestão corporativa de cultura com o belo nome de Secretaria da Economia Criativa rumo à indústria cultural. Isso, de antemão, acentua misteriosamente o estado-de-alma dos sabidos e de toda a nossa erudição falsificadora.

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