Há muito não se via um embate tão intenso entre intelectuais e artistas de peso como o gerado este ano pela questão da publicação de biografias não autorizadas. De um lado, grandes músicos da MPB, guiados pela produtora Paula Lavigne, como Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Djavan, Milton Nascimento e Roberto Carlos. De outro, escritores consagrados como Ruy Castro, Ferreira Goulart, Mário Magalhães, Laurentino Gomes, Paulo Cesar de Araújo e o editor Luiz Schwarcz.
Destaque em cadernos culturais de inúmeros jornais do país, a contestação dos artigos 20 e 21 do Código Civil, que dão margem à proibição e recolhimento de obras por biografados ou herdeiros, apesar de ter ganhado a esfera pública e provocado debates mesmo dentro do STF, permanece ainda estagnada e não deve ser votada este ano – tanto no Congresso como no Supremo Tribunal Federal.
O deputado Newton Lima (PT-SP) é autor do projeto de lei (PL 393/2011) que pretende garantir a publicação de imagens e informações biográficas sobre pessoas de notoriedade pública.
A proposta foi inspirada no antigo projeto de Lei das Biografias, nº 3.378, de 2008, do ex-Ministro Chefe da Casa Civil, Antonio Palocci. O projeto de Palocci, que também pretendia modificar o artigo 20 do Código Civil, estabelecendo “a livre divulgação da imagem e de informações biográficas sobre pessoas de notoriedade pública ou cuja trajetória pessoal ou profissional tenha dimensão pública (…)”, foi arquivada sem ir a votação na Câmara no dia 31 de janeiro de 2011, devido ao término da legislatura vigente.
Agora, o PL 393/2011 de Newton Lima corre o mesmo risco: ficar travado no Congresso. Aprovado pelas Comissões de Constituição e Justiça e Educação e Cultura da Câmara, o texto seguiria direto para o Senado. Porém, o deputado Marcos Rogério (PDT-RO) reuniu 72 assinaturas de parlamentares e solicitou votação em plenário, onde outros 1.200 projetos aguardam. Há mais de sete meses o projeto está parado. Segundo a assessoria do deputado, essa medida, na prática, é uma forma de vetar o projeto. Afirmam que há certo temor por parte de muitos políticos, que também são figuras públicas e alvos de biógrafos.
Paralelamente a esse projeto na Câmara, está em análise no Supremo Tribunal Federal uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin), requerida em 2012, em contestação aos artigos 20 e 21 do Código Civil. Para a Associação Nacional de Editores de Livros (Anel), autora da ação, eles ferem a liberdade de expressão e o direito à informação.
A ministra do STF, Cármen Lúcia, responsável pela ação, convocou uma audiência pública para debater a publicação de biografias não autorizadas, que aconteceu nos dias 21 e 22 de novembro. “A matéria versada na ação ultrapassa os limites de interesses específicos da entidade autora ou mesmo apenas de pessoas que poderiam figurar como biografados, repercutindo em valores fundamentais dos indivíduos e da sociedade brasileira”, afirmou Cármen no site do STF.
Logo após a audiência, a Ministra prometeu liberar seu parecer até o início de dezembro. Depois da entrega, que ainda não ocorreu, caberá ao presidente da corte, Joaquim Barbosa, pautar o assunto para ser votado. Como o Supremo entra em recesso no próximo dia 20, é improvável que a Adin seja decidida ainda este ano.
Mercado – Cultura e Mercado entrou em contato com livrarias e editoras em busca de informações sobre o mercado de publicações biográficas, para tentar entender o quanto a mudança no Código Civil afetaria na prática o mercado editorial. Porém, identificou que não existem muitos dados organizados sobre o assunto.
O que ocorre é que as biografias geralmente são catalogadas também em outros gêneros, o que, de acordo com a assessoria da Livraria Cultura, impossibilita saber quanto exatamente esse gênero movimenta no mercado editorial.
A assessoria da Cosac Naify informou que possui apenas dois títulos de biografias disponíveis em seu catálogo e não respondeu se há um motivo específico para esse número ínfimo.
A Fnac declarou que a média anual de venda de biografias gira em torno de 3% em relação ao total de livros comercializados pela rede. Uma curiosidade indicada pela assessoria é que no mês de outubro houve um ponto de curva, mas não devido à polêmica levantada pelos músicos, e sim por conta das vendas estratosféricas da biografia Nada a Perder, sobre o bispo Edir Macedo: a média pulou para 13%.
Já a assessoria do Sindicato Nacional de Editores de Livros informou que a venda de biografias no Brasil representa cerca de 1% do faturamento total no mercado de livros, o que equivale a uma média de R$ 40 milhões anuais.