Acordei hoje às 5h45 para festejar o ano novo tibetano num templo budista. Sou ateu, desconfiado. Não sou de doutrinas, mas sou de crenças. De todas as crenças. Sou filho de Ogum, frequentei umbanda, convivo diariamente com judeus, católicos e várias outras religiões. A única experiência divina que eu tive na vida foi numa sessão de Ayahuasca. Corri de lá no primeiro encontro…
Tenho lido muito sobre filosofia budista (por influência da minha mulher), que vem acrescentando muito e reforçando os ensinamentos que recebi de Lia Diskin, da Associação Palas Athena. Com ela conheci Gandhi, que tem me ajudado a caminhar por entre as pedras quentes que eu mesmo coloquei em meu caminho.
Fiz um contato profundo com a filosofia e as práticas de Gandhi. aprendi o Ahmisa, cuja tradução possível é a “não violência”, que se reflete, nas palavras de Lia, em “cultura da convivência”. Esse aprendizado resultou numa mudança profunda, radical em minha vida. Deixei de comer em excesso (principalmente carne), vendi meus carros, saí da ciranda financeira em que vivia, desliguei os celulares por 6 meses, parei meu projeto de sucesso profissional, baseado em lógicas e dinâmicas que não me interessam mais.
Abandonei o mundo corporativo, de onde tirei meu ganha pão durante 12 anos. Recomecei do zero. Passei a dedicar meu tempo e minha energia para desenvolver negócios culturais sustentáveis. Criei um centro de estudos, com parceiros de mercado, para auxiliar a expor alguns desses modelos e metodologias, desenvolvidos nesse tempo todo à frente de processos culturais, patrocínio, políticas e pesquisas. Estou tentando gerar um novo plano de sustentabilidade para mim mesmo, baseados nessas crenças e vivências. Não está fácil, mas sigo em frente, mais leve e muito mais feliz.
Gosto de política. Vivo e respiro política. Política pra mim é proposta, articulação e gestão. Eu sou das ideias (não necessariamente das minhas) e conexões. Sou principalmente do diálogo. Não faço gestão das minhas ideias, nem das dos outros. Num mundo de redes e telas, o discurso articulado pode significar ação, projeto de poder. Não vejo sentido em utilizar esse poder como faz a mídia tradicional. Não quero formar opinião, me aliar com interesses políticos e corporativos.
Quero utilizar este espaço para dialogar. Mesmo porque o poder não é meu, nem seu, nem de ninguém. É de todos nós, como bem disse Rodrigo Savazoni em uma das nossas recentes discussões. Estou cercado de gente que me aconselha e garante que meus escorregões não coloquem esse diálogo em perigo. Sinto que o momento atual é desses, por isso venho pedir sua atenção para este extenso texto em primeira pessoa.
Sou do mercado. Aprendi a me virar logo cedo. Trabalho desde os 14, criei minha primeira empresa aos 21. Mas não atuo em nome dele. Não tenho a menor intenção em fazer do mercado a plataforma da minha atuação. Meu aprendizado é para mudar a lógica desse mercado e não para reforçá-la.
Não sou da academia. Sou pesquisador independente, porque gosto de observar, pesquisar, elaborar pensamentos e dialogar com todos, não só os da academia. Não só os do mercado, não só os do governo, não só os da redes (esse não é um privilégio, tampouco uma escolha, de todos).
Quero cooperar, construir coletivamente. Criar espirais, fazer uma discussão que gere outra discussão. Econtrei uma maneira de dizer isso e acho que pode funcionar. Avaliem e vejam se a metodologia proposta a seguir é pertinente:
Cultura e Mercado conversa com uma comunidade de mais de 100 mil pessoas, que acessam mensalmente o site. Temos mais de 7 mil artigos sobre política cultural e mercado, de todas as cores e credos. Os fatos recentes relacionados à sucessão governamental me fizeram dar conta de que estou à frente do mais potente canal de discussão sobre mercado e polítcas culturais do Brasil. Isso é consequência de 10 anos de trabalho ininterrupto, contra forças políticas e de mercado, mas a favor de uma demanda que não é minha, nem sua, é da sociedade. Por isso, este canal não pode ser escravo dos erros e acertos de seu editor. Cultura e Mercado precisa saber colocar em prática uma discussão que leve em conta:
1) A relevância do legado deixado por Gilberto Gil e Juca Ferreira. Não cabe a este veículo fazer qualquer contestação à importantíssima contribuição dos dois à nação brasileira. Tenho segurança das boas intenções de Juca, em especial. Tenho certeza que ele fez o devia ter feito. Eu não conheço alguém que fizesse melhor o que Juca Ferreira fez pelo Brasil. Foi o homem certo na hora certa.
2) A Lei Rouanet é indefensável. Não queremos um mecanismo que garanta os direitos do patrocinadores mas não garanta a autonomia dos artistas. O Procultura está no lugar certo e tudo o que foi feito até hoje é válido e importante para uma discussão ampla e transparente sobre o destino do mais importante mecanismo de financiamento à cultura do país. O trabalho feito até aqui não pode ser jogado no lixo. Vamos avançar, promover debates públicos e convocar deputados e senadores para um novo modelo de financiamento que corresponda ao atual momento da produção cultrual brasileira (PCult?!).
3) A atual Lei de Direito Autoral e o ECAD precisam avançar e aprimorar. O atual parâmetro não está à altura dos desafios das sociedades contemporâneas, de convergência das mídias e das oportunidades políticas (no sentido da cidadania e da participação), de reflexão e de mercado. Todos devem participar dessa discussão. Os movimentos por cultura livre e também os de cultura proprietária. A verdade não está com nenhum dos lados, está com o diálogo dos dois.
Precisamos levar em consideração o papel de Dilma Rousseff como líder absoluta de uma nova política cultural, que avance além dos limites até aqui conquistados. Precisamos mais diálogo, mais gestão e mais responsabilidade fiscal. Isso não é uma crítica, é apenas a constatação da necessidade de avançar nos pontos fracos e manter os pontos fortes. Para isso Dilma foi eleita.
A política cultural que está sendo proposta e costurada com a sociedade é de coautoria de Dilma e de Lula. Eles criaram as Praças do PAC, por achar que elas são importantes veículos de inserção das populações que ascendem socialmente de crescerem culturalmente.
O primeiro ato de Dilma no Congresso é o combate à pirataria. Ela quer chamar outros agentes, inclusive do mercado, a construir a política cultural. A escolha de Ana de Hollanda não é gratuita. Ela quer falar com os artistas, que são cada vez mais autônomos, donos do seu próprio destino. Muitos deles apoiaram Dilma na campanha e fizeram a ela reivindicações. Querem participar mais da vida política e ajudar a construir as políticas culturais do país. Não podem se colocar como obstáculo a ela.
O discurso de Ana de Hollanda é esclarecedor nesse sentido. Clama por uma maior aproximação dos artistas: “é hora de olhar para quem está criando”. Isso não exclui ninguém, nenhum projeto. Apenas inclui. Atacar Ana de Hollanda é atacar Dilma. Por isso, a própria Dilma recomendou a troca de Emir Sader na presidência da Casa Rui.
Cultura Digital é prioridade no governo Dilma. Não é por acaso que ela deu função estratégica para a pasta da Cultura no Plano Nacional de Banda Larga. Precisamos ajudar a construir este projeto. Eu me coloco à inteira disposição. Não quero fazer isso como um abestalhado, quero fazer críticas, contribuir, dialogar. Mas não vou sair a campo para destruir um projeto que nem começou. Isso seria infantil, inoportuno diante do desafio que nos espera.
A condição do MinC, institucionalmente falando, é muito frágil. Já era frágil quando funcionava em torno da Lei Rouanet. Ficou mais frágil ainda diante de desafios maiores e mais complexos. Juca Ferreira deixou isso muito claro ao apontar esse como o principal desafio de sua sucessora. Compreender as profundidades e os efeitos do arsenal de problemas que cai no colo dos atuais gestores não é tarefa fácil. É preciso mais do que 100 dias para isso.
Eu não acredito que os interesses do ECAD ou de qualquer outra organização privada vá prevalecer no MinC. Tenho certeza que Dilma Rousseff, gestora pública implacável que é, não deixaria Ana de Hollanda um dia a mais no cargo se tivesse dúvida disso.
Escrevo tudo aqui na primeira pessoa, mas minha intenção é retirar a pessoa da discussão, é limpar esse personalismo, criar uma forma de estabelecer conexões mais amplas e dialógicas. Por isso, quero falar também em nome de Fabio Maciel (não pedi autorização para falar em seu nome, mas tenho certeza que posso fazê-lo), presidente do Instituto Pensarte. Quem conhece Fabio sabe que falar em seu nome é falar sério. Quem não conhece, devia conhecer. Falo também em nome de Ricardo Albuquerque, atual vice-presidente do Pensarte, alguém com 40 anos de militância na esquerda. Ricardo me ouve e dedica seu tempo a me orientar em horas como esta. É a pessoa que eu mais recorro para discutir meus erros e acertos diante do Cultura e Mercado. Não posso deixar de citar Px Silveira e Fábio Cesnik (que fundou o Instituto Pensarte comigo) e tantos outros membros de uma rede articulada com anos e anos de luta dedicados às políticas culturais.
Uma luta articulada com inúmeros agentes, que pensam de forma diversa e complementar à minha, mas é inegável que estamos todos no mesmo barco. Alguns companheiros dessa luta estão agora no Ministério da Cultura e ajudaram a contruir a política que hoje está de pé, articulada sob as lideranças de Gilberto Gil e Juca Ferreira. Vitor Ortiz, Marco Acco, Sergio Mamberti, Henilton Menezes, Antonio Grassi, Ana Paula Santana, Glauber Piva, Americo Córdula e a própria Ana de Hollanda, todos eles fizeram parte da gestão anterior e estão em novas funções, para dar cabo de novos desafios.
Mas há também companheiros de grande capacidade profisisonal, que ajudaram a construir, pensar e articular a atual política. Quero dar destaque especial a Marta Porto, que já comandou a Unesco no RJ e deu contribuição decisiva ao programa de Lula em 2003 e a programas governamentais como o Cultura Viva (o documento de formulação do programa leva um texto de sua autoria). Foi Marta, por exemplo, quem me conectou com Lia Diskin, indicando meu escritório para dar consultoria à Associação Palas Athena.
Marta chamou Cesar Piva, com quem já trabalhou na Unesco, para auxiliar no difícil mas instigante propósito de juntar Cidadania com Diversidade Cultural. Cesar é um dos mais importantes tecelões da delicada teia dos Pontos de Cultura. Seu trabalho foi fundamental para costurar o programa Cultura Viva por dentro, além de auxiliar na construção de uma rede de produtores audiovisuais das mais potentes. Está envolvido também na criação da RAIA – Rede Audiovisual Ibero Americana.
O governo Dilma tem nas mãos gestores de primeira grandeza. Pessoas compromissadas com o futuro da nação e capazes de gerir uma política cultural totalmente dialógica, em rede. Não uma rede sectária, de pensamento único. Uma rede que expõe conflitos de interesses, contrapõe diferentes visões de mundo e inclui movimentos sociais, partidos, academia, os demais entes da federação e o mercado.
O movimento agora é de conversação. Cultura e Mercado mudou para atender ao atual momento. A coluna PROVOCAÇÕES passa a se chamar PONTO DE PARTIDA, que desde a semana passada é uma coluna escrita e também um webcast da TVCeM, um canal audiovisual do Cultura e Mercado, presente no YouTube. Queremos a participação, as ideias e as críticas de todos os membros dessa rede para auxiliar e pressionar o Estado a andar junto com a sociedade.
Os recentes ataques a Ana de Hollanda (embora queiram atingir outras instâncias de poder) são ataques diretos ao governo Dilma (consequentemente ataques diretos ao ex-presidente Lula). Em nome de um projeto amplo e participativo, precisamos confiar nas escolhas da presidente e auxiliar a construção do novo projeto de política cultural do Brasil, que não pertence ao governo. É de todos nós. É da sociedade brasileira.
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