Mestres de capoeira falam sobre transformações e cenário atual desta arte, considerada uma das mais importantes manifestações da cultura popular brasileira.
A capoeira é considerada hoje uma das mais importantes manifestações da cultura popular brasileira, reconhecimento que se expressa em incentivos, patrocínios, prêmios e difusão da arte Brasil afora. Os duros anos de perseguição e repressão ficaram relegados ao seu devido lugar: o passado.
Mas o que pensam os mestres da arte? Como avaliam as transformações ocorridas e as condições atuais de trabalho? A reportagem do 100canais conversou com alguns deles para saber.
Mestre Môa do Katendê tem 52 anos, sendo que 45 deles dedicados à pratica da capoeira. Ele explica que começou ainda criança, com nove anos de idade, em Salvador, onde nasceu, se criou e vive até hoje – a academia era na rua mesmo. “Foi na brincadeira, olhando os capoeiristas adultos, fazíamos uma espécie de roda paralela só de crianças”.
Depois de alguns anos, as aulas com o mestre Bobó passaram a acontecer num fundo de quintal, melhorando um pouco as condições. “Hoje tem escolas, didática, é bem mais fácil”, compara. Naquela época a capoeira já havia se dividido em duas, a angola mais antiga, defendida pelo mestre Pastinha e a regional, criada pelo mestre Bimba, com características mais voltadas para a luta.
Angoleiro desde pequeno, Moa, esteve por duas vezes junto com Pastinha, jogando capoeira nas domingueiras que eram realizadas na academia do mestre, no Pelourinho. Sobre o momento atual, diz que apesar das iniciativas e projetos em prol da capoeira, ainda sobra espaço para ações. “Conheço muito mestre antigo que parou de dar aula por falta de condições, com mais incentivos quem sabe possam voltar a mostrar seus trabalhos”.
A capoeira está no mundo todo, mas muita sabedoria está se perdendo com esses nomes marginalizados, observa Môa: “É preciso novos espaços para que esse conhecimento não se perca e para que possa ser mais diverso e não restrito a meia dúzia de escolas”.
Môa menciona ainda o programa Capoeira Viva, do MinC (Ministério da Cultura). Ele conta que não participou por falta de tempo, mas diz que está acompanhando “de orelhada” pelos amigos contemplados, e elogia as ações desenvolvidas por meio dele. “O trabalho do professor Marinheiro, feito com pessoas carentes em uma área muito difícil de Salvador ganhou ânimo novo com esse programa”.
Sangue novo
Bem mais jovem que o mestre Môa, Plínio Ferreira dos Santos, também é mestre. Não revela a idade, diz apenas que é por volta de 30. “Trinta e uns”, diz rindo. Mas deixa escapar que, desde 1979, começou a praticar capoeira – também na rua. Há quase duas décadas ele está à frente do grupo paulista “Angoleiro Sim Sinhô”, e acaba de receber o título de mestre em uma viagem recente à Bahia, sua terra natal.
Plínio diz que o cenário da capoeira mudou muito hoje em dia. A angola, por exemplo, há pouco mais de uma década praticamente não existia em São Paulo. Na regional ele diz que as coisas estão mais organizadas em relação ao ritual, instrumentos.
Segundo ele, o saldo geral é positivo, apesar de não concordar com algumas transformações. “Tem mestres incorporando elementos de outras artes, como lutas orientais, isso não é bom para a capoeira”. Para ele a estética a serviço do “show” tem matado a essência africana.
Ao ser questionado sobre o que seria a capoeira, Plínio dispara: é arte, malícia, dança, luta, mas, além disso, diz ser o alicerce de sua vida, fonte de energia e ainda uma poderosa ferramenta de autoconhecimento. “Ela faz uma ponte de mim pra mim mesmo”, diz ele.
Sobre o projeto de lei que pleiteia a regulamentação da capoeira como profissão, Plínio diz não conhecer, acha positivo todo o reconhecimento da capoeira, porém adverte: “Tem que haver um conselho de mestres acompanhando esse processo para que outras pessoas não se aproveitem disso em beneficio próprio”.
Mestre Bimba é reverenciado em filme
“A capoeira tem que crescer, se organizar, ou corre o risco de ser tomada por estrangeiros”, afirma à reportagem do 100canais, Luiz Fernando Goulart, diretor de “Mestre Bimba – a capoeira iluminada”. O cineasta acredita que ela pode deixar de existir nacionalmente caso não seja reconhecida como patrimônio cultural brasileiro – processo em trâmite no MinC.
Goulart não conhecia nada sobre o assunto até o convite para dirigir o longa, mas conta que ficou fascinado com a figura de Bimba. “Foi um líder carismático, muito forte e educador”. O filme, que reverencia o mestre criador da capoeira regional, levou pouco mais de um ano para ser feito e como tantos outros títulos nacionais, teve vida curta no cinema e deve chegar em breve ao DVD.
Carlos Minuano – 100canais