Distorções da Lei Roaunet, apontadas em artigo assinado em conjunto por Juca Ferreira e Celso Frateschi, se agravam por problemas de gestão no ministério: “estão todos perdidos, ninguém entende nada lá”, dispara Mamberti
O artigo “Incentivo ao teatro?”, assinado pelo secretário-executivo do MinC, Juca Ferreira e o presidente da Funarte, Celso Frateschi, publicado recentemente no jornal Folha de S. Paulo,caiu feito uma bomba sobre o setor cultural. O texto aponta distorções na Lei Rouanet e responsabiliza produtores por uso indevido do incentivo, mas para o produtor e ator Carlos Mamberti, maior problema do ministério está na própria gestão.”Estão todos perdidos, ninguém entende nada lá dentro”, disse ao Cultura e Mercado. Para ele, o maior concorrente dos produtores culturais é o próprio estado. “Está na hora de rever a Lei Rouanet, mas junto com a sociedade”. Confira a seguir trechos da entrevista.
Cultura e Mercado – O artigo assinado pelo secretário-executivo do MinC, Juca Ferreira e o presidente da Funarte, Celso Frateschi, no jornal Folha de S. Paulo,causou bastante alvoroço no setor cultural, qual sua opinião sobre as opiniões emitidas nele?
Carlos Mamberti – Aquela matéria é um tiro no próprio pé do MinC. Hoje, o principal mecanismo de incentivo à cultura do Brasil está operacionalmente inviabilizado. Eles estão perdidos lá dentro, não estão capacitados para análise de projetos, não entendem de teatro, de cinema. Cortes absurdos e pedidos incríveis são constantes, como pedir carta de anuência ao Machado de Assis, no centenário dele. O artigo reflete a confusão do ministério.
CeM – Segundo o artigo, as tais distorções na Lei Rouanet prejudicam o orçamento público para o setor cultural, você concorda com essa afirmação?
CM – As distorções da lei precisam ser corrigidas, mas não é por que ‘ela’ está doente que será preciso matá-la. Do jeito que eles falam parece que querem acabar com a lei. Tenho certeza que não é isso porque o nosso maior concorrente é o próprio estado. Refiro-me também a municípios e ao ministério, que utilizam muito a lei. Aliás, a maior distorção é essa: concorrer com o estado. É hora de uma revisão ampla, mas junto com a sociedade, que afinal é quem produz cultura, pra que possamos consertar essas falhas. Apontar erros é fácil, difícil é reunir a todos para juntos resolver a questão. Queremos participar do processo. A sociedade precisa ser ouvida.
CeM – Que caminhos você enxerga no horizonte da atual gestão?
CM – Pro Ministério da Cultura conseguir encerrar bem a gestão do governo Lula, e pra que a Lei Rouanet continue a ser o principal mecanismo de financiamento, com maior acesso, vai precisar corrigir um bocado de equívocos. Temos interesse em ajudar. No Congresso a classe teatral tem conseguido dialogar e o resultado já está a caminho: uma lei específica para o teatro, como existe a do cinema, e uma secretaria dentro do ministério.
CeM – Você acredita então em uma breve mudança de cenário?
CM – Contamos com um grande apoio suprapartidário no Senado, uma acolhida diferente do relacionamento atual com o MinC. Mas vejo um lado positivo nessa discussão toda, acredito que teremos êxito nesse diálogo, afinal estamos discutindo o melhor pro teatro e pra cultura brasileira.
CeM – Que avanços você espera?
CM – O setor está à mercê de situações como essa que contei, pedido de anuência para alguém que já morreu. Com uma secretaria que cuide especificamente da produção teatral poderemos tratar de demandas urgentes, entre elas o desenvolvimento de novos tipos de financiamento. Temos atualmente um número grande de produções, por isso precisamos de um olhar específico, gente que conheça o funcionamento do processo teatral, pra que a aprovação de uma proposta pela Lei Rouanet se dê em um prazo de sessenta dias e não em um ano, como ocorre em alguns casos. A formulação de políticas públicas para teatro em nível nacional exige uma secretaria exclusiva.
CeM – Você concorda com a suposta redução de público e de espetáculos após a Lei Rouanet, mencionada no artigo de Ferreira e Frateschi?
CM – Eu acho que não há números que comprovem essa redução, aposto mais no ‘achismo’. Por outro lado, o texto fala em seis espetáculos semanais, isso já não acontece desde a década de oitenta, ou seja, cita uma redução anterior a Lei Rouanet. Cabe ainda analisar de maneira mais ampla essa informação. Claro que tinha mais sessões, mas não havia tanta concorrência. Essa redução também não é apenas culpa do preço do ingresso, pois em São Paulo há várias peças em cartaz com preços acessíveis, acredito que a exceção são os mais caros. Por isso, outra função de uma secretaria de teatro deve ser justamente a de criar políticas para recuperar e formar público, oferecendo acesso a quem ainda não tem.
CeM – Sobre o trâmite de aprovação de projetos na Lei Rouanet, que problemas você aponta?
CM – É um absurdo, repito, estão completamente perdidos, pedem documentos duas ou três vezes. Recebemos cartas questionando itens que não tem nenhum cabimento. Por exemplo, aprovam que seis pessoas viajem, mas apenas quatro podem se hospedar e somente três comerem. As pessoas que estão lá não sabem analisar projetos, sobretudo na área de teatro. Da forma que está não dá pra continuar, a maior dificuldade para o produtor hoje é aprovar o projeto.
CeM – Você pode citar alguns exemplos do que poderia ser feito pra corrigir as falhas da Lei Rouanet?
CM – Rever a estrutura de avaliação das propostas e buscar segmentar, dentro do ministério, os setores que analisam as diferentes áreas, cinema, teatro, musica, e, claro, aumentar o número de profissionais para a gestão dos processos, de preferência com pessoas que tenham conhecimento. A quantidade de projetos cresceu, isso demanda aumento de pessoal. E digo mais, estamos ávidos por novos tipos de financiamento, não queremos apenas a Lei Rouanet, gostaríamos muito de ter acesso ao BNDES de uma forma mais tranqüila. Se os empresários têm, porque o setor cultural não pode ter?
Carlos Minuano
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