Londres, Bilbao, Zurique e Curitiba: cidades que usaram os recursos culturais locais e a criatividade para enfrentar os desafios do século 21
Londres, 1946. Degradado pelos recorrentes bombardeios da Segunda Guerra Mundial, o bairro de South Bank teve sua população reduzida de 50 mil para 4 mil habitantes. Como uma região sem pessoas tampouco tem vida, em um atroz círculo vicioso, os espectros dos edifícios remanescentes só se salvaram de serem demolidos, em 1977, devido a amplas manifestações populares. Em face disso, o governo se uniu à iniciativa privada para desenvolver um programa de preservação de edifícios e construção de novos espaços, fortemente ancorado em cultura e criatividade. Os resultados para a regeneração social e econômica são reforçados pelos números levantados, como os da Tate Modern Gallery. Segundo o Arts Council London, o benefício econômico da galeria para a área foi de £100 milhões, além de ter criado 3.000 novos empregos e impulsionado um crescimento de 23% no número de hotéis e restaurantes.
Bilbao, anos 1990. Em resposta à recessão industrial e portuária que assolava o País Basco espanhol desde os anos 1970, os setores público e privado desenharam uma estratégia de reposicionamento da cidade. O programa era suportado por oito pilares de desenvolvimento, a exemplo do aprimoramento da infra-estrutura regional e da recuperação do tecido urbano. A escolha pela construção do Museu Guggenheim na cidade se inscreveu nesse processo de regeneração econômico-social. Inaugurado oficialmente em 1997, já no ano seguinte o museu contratou uma empresa de consultoria para analisar o impacto econômico de suas atividades no País Basco. Desde então, o estudo é replicado anualmente. Dados fornecidos pelo departamento de atenção ao visitante da instituição revelam que no primeiro ano o museu recebeu cerca de 1,4 milhão de visitantes. Os números de 2004 mostram que as despesas diretas geradas pelas atividades do museu na região totalizaram €163,7 milhões, responderam por 4.842 empregos e contribuíram com €184 milhões para o PIB da região (ou 3,67%, tendo por base o ano de 2000).
Zurique, 2003. O governo municipal contratou uma empresa de consultoria para delinear uma nova estratégia de desenvolvimento da cidade, tida como muito dependente do setor financeiro e sem maiores atrativos para profissionais e empresas jovens ou inovadoras. O programa proposto buscava fazer da cidade um porto franco para livres-pensadores, empreendedores e criadores, apresentando Zurique como pólo de efervescência criativa e cultural. A cultura foi contemplada como aspecto fundamental da vida odierna e motor do setor criativo. Em 2005, apesar do tradicional setor financeiro ainda ser primordial para a geração de empregos na cidade (são 47 mil postos de trabalho), o novo setor já respondia por 36,7 mil contratações.
Felizmente, porém, nem todas as experiências louváveis vêm de fora. Haja vista a revolução urbana que caracterizou Curitiba e fez da cidade uma referência nacional e internacional em planejamento urbano, respeito ao meio ambiente e conciliação de programas sociais com desenvolvimento econômico. Em boa parte, devido à visão do três vezes prefeito de Curitiba e governador do Paraná por dois mandatos, o arquiteto e urbanista Jaime Lerner, eleito em 2002 presidente da União Internacional de Arquitetos. O potencial de atração da cidade não atinge somente o cidadão comum, mas se estende ao mundo dos negócios. Não surpreende que Curitiba tenha recebido o título de quarta melhor cidade da América Latina para fazer negócios, conforme levantamento elaborado pela revista “América Economia”, em 2005 (atrás de Santiago, São Paulo e Monterrey), que utilizou uma pesquisa desenvolvida junto a mais de 1300 executivos, mesclando aspectos profissionais e de qualidade de vida.
O que esses exemplos, avindos de países e realidades distintos trazem em comum? Como linha mestra que os une, há o fato de serem o que nos últimos anos vem configurando “cidades criativas”. Um dos maiores peritos no tema é o inglês Charles Landry, co-autor de The Creative City: A Toolkit for Urban Innovators (cujo download gratuito, na versão original, está disponível no site www.demos.co.uk). Landry defende que a transição da sociedade industrial para a pós-industrial, em uma economia cada vez mais globalizada, exige uma reformulação da lógica urbana. Para vencer os desafios do século XXI, as cidades devem promover seus recursos culturais locais e a criatividade, matéria-prima por excelência da geração de idéias e inovação.
Sua proposta faz coro com a do estadunidense Richard Florida, um dos escritores mais proeminentes em economia criativa e autor, dentre outras obras, de Cities and the Creative Class. Segundo ele, a criatividade se tornou a principal força motriz do crescimento e desenvolvimento urbano. Para desenvolver uma cidade criativa, ele ressalta ser importante forjar três condições: disponibilidade e investimento em tecnologia, capacitação de talentos e criação de um ambiente tolerante, diversificado.
Em um momento de eleições, que engendram (ou deveriam engendrar) revisões de programas e novos debates propositivos acerca do espaço urbano, vale ressaltar algumas teclas comuns aos casos de sucesso. Em primeiro lugar, nada se faz sem o engajamento efetivo e integrado dos setores público e privado. Condição aparentemente simples, mas que envolve no mínimo duas premissas: que o público não se confunda com o partidário (para que o programa tenha sua continuidade assegurada, independentemente do partido gestor) e que o privado tenha garantido o respeito aos contratos firmados (sem as usuais mudanças de regras no meio do jogo). Além disso, é patente que a criação dos processos que levam ao florescimento urbano devem ser desenvolvidas não só para a sociedade, mas com ela, por meio de sua participação ativa já em sua elaboração (exemplo lapidar é o da FLIP – Festa Literária Internacional de Paraty, que nasceu com e para a comunidade). Por fim, é fundamental que haja um planejamento detalhado e consistente, incluindo o acompanhamento de seus resultados e eventuais redirecionamentos de rota. A dificuldade de cumprir um quesito aparentemente tão simples envolve uma questão vital: para criar indicadores de desempenho, é preciso antes definir o que se considera realmente prioritário, em termos tão abrangentes como “criatividade” e “qualidade de vida”.
Receita simples, resultados garantidos. Só falta agora atiçar o apetite de nossos próximos chefes de cozinha.
Ana Carla Fonseca Reis
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