Geraldo Moraes, eleito por aclamação como sucessor de Assunção Hernandes no comando da principal entidade representativa do setor audiovisual no país, fala a C&MPor Israel do Vale
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17/12/2003
O cineasta Geraldo Moraes começa a dirigir a partir deste mês seu projeto mais complexo. O ?épico? em questão é conhecido como Congresso Brasileiro de Cinema ?CBC, para os íntimos. Eleito por aclamação como sucessor de Assunção Hernandes no comando da principal entidade representativa do setor audiovisual no país, Moraes começa agora a tomar pé do aspecto administrativo do CBC, que vai implicar na mudança de sede de São Paulo para Brasília, onde vive há muitos anos, embora gaúcho de nascimento.
Com passagens pelo cineclubismo, o curta-metragem, o ensino e a crítica, Moraes tem no currículo longas como ?No Coração dos Deuses?, ?Círculo de Fogo? e ?A Difícil Viagem?. Tentará conciliar a atuação política que o cargo exige com dois novos projetos, ?O Herdeiro do Paraíso? e ?Desafogados? ?nomes sugestivos para o atual momento de conquista de espaços pelo audiovisual junto ao poder público e à sociedade civil.
Abaixo, Moraes dá seu ponto de vista para as mesmas questões apresentadas à sua antecessora.
Cultura e Mercado – A decisão do 5º CBC de rever sua condição de “interlocutor legítimo e independente do cinema brasileiro perante Governo e Sociedade”, como ficou estabelecido no 4º Congresso, não enfraquece a entidade como voz ativa do conjunto do setor? O que levou a esta decisão e o que ela muda na prática?
Geraldo Moraes – As atribuições do CBC são definidas no estatuto e ele não foi alterado. A resolução do 5º. Congresso foi motivada pela necessidade de se definir a forma como a entidade exercita essas atribuições e contou com o apoio integral da antiga e da nova diretorias, que participaram inclusive da sua redação. Na prática, ela estabelece uma salvaguarda para os dirigentes, pois fortalece as decisões consensuais da Assembléia e das entidades que compõem o CBC e respeita cada entidade enquanto representante específico de cada categoria ou região.
C&M – Especulava-se, antes do 5º Congresso, que disputas internas poderiam levar a um esfacelamento da entidade. Estas disputas eram relativas à sucessão?
Moraes – A sucessão foi um exemplo de coesão e em nenhum momento foi discutida a formação de uma segunda chapa concorrente. Mostramos mais uma vez que somos diversificados mas não somos divergentes em relação ao que pretendemos, pois temos muito claro o desenho de como o cinema deve ser estruturado no Brasil. Na minha opinião, as eventuais disputas se explicam porque ainda está em vigência uma estrutura anterior ao atual crescimento do cinema brasileiro e dos meios audiovisuais no país, o que cria um funil muito estreito tanto na produção como na distribuição e na exibição. Além disso, se fôssemos uma grande e monótona unanimidade não teríamos chegado aonde chegamos. É preciso entender que o cinema tem que ser mesmo diversificado, ele abrange entidades e personalidades, filmes caros e baratos, longas e curtas, tendências e gêneros que precisam ser estimulados sem preconceitos ou preferências. A grande tarefa de hoje, tanto para o governo como para o setor é justamente reformular o audiovisual, de modo a assumir as novas tecnologias, atender à nossa crescente capacidade de produção e abranger toda a sociedade.
C&M – O consenso final significa que chegou-se a um entendimento ou vive-se apenas uma trégua?
Moraes – Não posso falar em trégua porque não existe nenhuma guerra… O consenso é a decisão natural de um setor que amadureceu o bastante para reconhecer que o cinema brasileiro ? e o audiovisual como um todo ? não pode evoluir sem um projeto abrangente. O Brasil não pode mais tratar um setor estratégico como esse através de medidas emergenciais e localizadas.
C&M – Como se chegou ao nome do novo presidente? Ele representa a continuidade das orientações da entidade ou uma nova visão?
Moraes – Meu nome foi resultado de um grande consenso e sem qualquer pretensão pessoal de minha parte. Não há qualquer tipo de oposição em relação à diretoria anterior, que inclusive está fazendo a transição junto conosco.
C&M – O recém-criado conselho consultivo vai orientar a linha de ação da entidade e arbitrar eventuais divergências?
Moraes – Como a Assembléia do CBC só se reúne ordinariamente a cada dois anos e a realidade muda muito rapidamente, pode haver a necessidade de uma base mais ampla para questões políticas que venham a surgir nesse período. E se houver alguma divergência mais séria, ele pode muito bem auxiliar a diretoria e as entidades, por que não? Crescemos no debate, porque iríamos evita-lo agora?
C&M – O debate em torno da ida da Ancine para o MinC ou o MDIC dividiu o setor nos últimos meses. O que a ida para o MinC pode trazer de vantagens e desvantagens?
Moraes – A ida para o MinC e a possível transformação da Ancine em Ancinav centralizam o debate e o MinC é o espaço que tradicionalmente abrigou o cinema. O que é preciso entender é que a presença e a coordenação do MinC não eliminam a responsabilidade de outros setores do governo, pois o cinema e o audiovisual implicam em políticas que abrangem as comunicações, a tecnologia, a educação, a exportação e por aí afora.
C&M – A TV digital e a aproximação com a TV insinuada pela transformação da Ancine em Ancinav devem concentrar as atenções a partir de agora. Qual a posição do CBC a respeito?
Moraes – Em resumo, a televisão digital não é uma simples inovação tecnológica, mas implica em geração de conteúdos e num novo modelo para as comunicações e para a produção audiovisual. Ou o Brasil enfrenta esse desafio ou continuaremos como consumidores de conteúdos por mais cinqüenta anos.
C&M – Quais foram os trunfos e os desacertos desta gestão que se encerra?
Moraes – Internamente, o trunfo maior foi ter mantido a coesão do setor em torno de propostas de interesse comum. Externamente, o cinema brasileiro, como um todo, nunca esteve tão presente como agora. Os desacertos foram sempre momentâneos e contornados com habilidade dentro desses dois parâmetros maiores. Nesse particular, cabe um elogio: sempre que o debate se tornou mais acirrado, a diretoria soube reunir todo mundo para promover o entendimento. Como disse a Assunção: basta nos reunirmos para chegarmos a um acordo.
C&M – Que outros assuntos devem mobilizar o setor nos próximos dois anos? Quais as prioridades entre o que vem adiante?
Moraes – A prioridade é a redefinição do modelo do audiovisual. O que deve mobilizar o setor é a conjunção de todos em torno da ampliação do que conseguimos até agora e de mudanças que contemplem toda a nossa diversidade em termos de gêneros, formatos, mídias, regiões e tendências.
C&M – Como representante do consenso, o CBC espera ter uma atuação pública maior ou menor a partir de agora?
Moraes – A atuação pública é justamente uma conseqüência do consenso interno. Prefiro falar numa atuação na esfera pública, pois o CBC e todas as entidades precisam estar presentes no debate e no encaminhamento de soluções. Ou entendemos que o cinema é prioritário, estratégico, ou vamos marcar passo. No momento em que o país está sendo rediscutido e reformulado, nossa função não se limita a reivindicar, mas a propor e exigir um novo panorama para o audiovisual no país.
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