Ex-diretora do escritório regional da Unesco, Marta Porto vai implantar o Núcleo de Políticas Culturais do Iets Por Thaís Aguiar*
14/03/2003

Marta Porto é a mais nova sócia do Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade (Iets). Ela deixa o escritório regional da Unesco no Rio, montado e dirigido por ela nos últimos dois anos, para implantar e comandar o Núcleo de Políticas Culturais do Iets. Marta pretende aliar suas idéias sobre o setor cultural à experiência do instituto de avaliar e propor políticas públicas no embate contra a desigualdade. “É preciso tematizar a cultura como um setor importante para gerar sustentabilidade local, focando a desigualdade e refletindo sobre a sua naturalização”, pontua.

Idéias não faltam à Marta Porto. Apelidada de Furacão, por sua agilidade e capacidade de realizar, ela deseja inserir a cultura na agenda do país como uma arma apontada contra a pobreza. E sabe onde deve focar a mira. Na concentração da renda e da cultura e nos seus ativos econômicos. Um exemplo que esclarece o funcionamento desse mecanismo concentrador é o carnaval carioca, que rende cerca de US$ 555 milhões por ano, de acordo com dados do Relatório do Plano Maravilha/Observatório Turístico da prefeitura em 2000, beneficiando hotéis, restaurantes, boates, lojas, companhias aéreas e o segmento informal. “No entanto, o aumento de arrecadação, principalmente por órgãos públicos, não representa a melhoria da qualidade de vida dos responsáveis pela produção dessa festa”, aponta Marta.

Isso quer dizer que seus autores e atores, como Serrinha, Nilópolis, Mangueira e outras comunidades, pouco recebem em contrapartida. Daí a pergunta de Marta Porto. “Ao transformar o Carnaval carioca num megaevento internacional, como promover a justa distribuição destes dividendos entre todos os atores sociais envolvidos na produção?” A mesma preocupação vale para manifestações culturais capazes de gerar ativos econômicos, sem compromissos com a escala industrial nem com o patamar de lucros proporcionados pelo mercado. Merecem devido reconhecimento político, não só como ferramenta de auto-estima, mas como ferramenta de distribuição de renda e desenvolvimento sustentável.

Antes de “reverter o quadro de naturalização da desigualdade” da cultura para fora, deve-se olhar para dentro das portas governamentais. A própria estrutura de políticas culturais merece reforma. “Um dos principais passos é o redesenho do conjunto de políticas públicas”, diz Marta.

Para explicar melhor onde se insere o seu trabalho, ela encurta a história. “Se em 1960, a expressão dos jovens e interferência no espaço público estavam nos partidos políticos, a partir da década de 1980, elas se deslocaram para os agrupamentos culturais, com o hip hop como apenas um dos exemplos.” Para Marta, essa potencialidade deve ser devidamente incorporada à sociedade e impulsionada pelo poder público.

É o que já fazem muitos governos pelo mundo afora. E Marta tem a cabeça no mundo. Pretende estreitar laços com diversos países. “A cultura está no centro da questão em cidades como Chicago e Barcelona, assim como no Plano Nacional da Colômbia”, cita. Por falar em Colômbia, vale a pena observar os vizinhos brasileiros. Muitos deles já fazem parte de uma rede de cooperação ibero-americana, da qual Marta quer aproximar o Brasil. “Eles já estão na nossa frente em questões como o marco jurídico, o fomento e o financiamento – que foi banalizado no Brasil – e fizeram um enorme esforço para formação de gestores”, ressalta.

Essa última é uma das maiores broncas de Marta Porto. “O Brasil ficou 17 anos ensinando as pessoas como elaborar uma planilha de lei para isenção fiscal.” O resultado disso é uma “discussão inócua” do ponto de vista administrativo, com projetos fragmentados e desarticulados. “As leis Sarney e Rouanet estimulam as empresas a participar da cultura sem no entanto contar com uma visão política.” E acrescenta: “os 10 maiores beneficiários dos incentivos proporcionados pela lei Rouanet são atividades das grandes fundações privadas e conglomerados”. Sem análise do mérito dos programas e qualidade das ações, “é quase uma privatização do estado nesse campo”.

Em suma, Marta defende que só faz sentido manter uma estrutura administrativa de cultura se a encararmos como um serviço público. Diz ela: é dever do estado preservar o direito às diferenças e o acesso às fontes estatais em condições de igualdade”. E nesse âmbito, é um contra-senso que só 35% das cidades brasileiras tenham sala para projeção como constatou em uma das poucas pesquisas nessa área o IBGE. Igual contra-senso: 84% dos benefícios da Lei Rouanet vão para as capitais do Rio e São Paulo. Esse, diz Marta, “é o mecanismo mais exemplar da concentração de renda e cultura”. Nos planos traçados para o Núcleo de Políticas Culturais do Iets, está também a montagem do Observatório de Políticas Culturais. Um dos objetivos é organizar indicadores necessários e mapeá-los, para o diagnóstico e elaboração das políticas públicas.

De saída da Unesco, Marta traz ainda na bagagem a formação em jornalismo, com pós-graduação em planejamento estratégico, mestrado em Ciência da Informação e ênfase à cultura. Trabalhou quatro anos na prefeitura de Belo Horizonte, na gestão Patrus Ananias (PT) e colaborou ativamente no plano de governo do presidente Lula na área cultural.


*Do IETS – Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade

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