Livro da Unesco mostra que o contato com a arte pode mudar o destino de jovens que convivem com pobreza, drogas e violência. Conheça alguns dos programas selecionados pela publicação.Por Roberto Cobas
Uma vez por semana, um grupo de 42 adolescentes encontra-se na Escola Municipal Dejane Ribeiro Campos, em Cuiabá (MS) para dar início a mais um ensaio da Orquestra de Flautas Doce – um dos orgulhos da cidade. Os mais experientes comandam as batutas, os mais novos, as flautas doce. Nem todos sabem manusear com precisão os instrumentos. Mesmo assim, participam do ensaio.
“Não vira uma bagunça. Os mais velhos são respeitados e orientam os novatos. Todos tocam os instrumentos, é uma metodologia que torna o processo mais interessante”, afirma Gilberto Mendes, coordenador e idealizador do programa, que é financiado pela Secretaria Municipal de Educação. A orquestra de Cuiabá é uma das ações que mereceu destaque no livro Cultivando a Vida, Desarmando Violências (583 págs., R$ 30). Lançado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura – Unesco – a publicação selecionou 30 ações exemplares no combate à violência e proteção dos direitos humanos.
Fruto de uma pesquisa de mais de um ano que levou em conta 222 experiências, o livro da Unesco registra uma tendência que se espalha pelo Brasil: o uso da arte, por organizações não-governamentais e poder público, como instrumento de socialização entre jovens.
“Queríamos ilustrar a diversidade dos projetos de promoção à cidadania.
Todos, no entanto, traziam presente um elemento cultural. Alguns de forma bastante intensa, outros em menor proporção”, afirma Mary Garcia Castro, coordenadora da pesquisa da Unesco. Ela lembra que a violência é incompatível com o belo, daí a importância da arte.
Segundo a pesquisadora, o mérito desses trabalhos é fazer do jovem o protagonista de sua mudança. “Com a arte, eles são criadores e criaturas, assim como os pintores”.
A transformação dos jovens é visível em outra das experiências selecionadas pela Unesco. Em Belém (PA), por exemplo, a Secretaria Municipal de Educação e os jovens uniram-se para embelezar a cidade. Em 1999, foi lançado o projeto Cores de Belém. Atualmente, a iniciativa está presente em dez escolas, unindo o governo a grupos que se tornaram grafiteiros. “Despertamos nos jovens um novo olhar sobre o patrimônio público e, ao mesmo tempo, damos possibilidades para que eles procurem mais elementos para congregar seu movimento artístico”, afirma a coordenadora da equipe técnica de arte-educação, Celza Chaves. Como resultado, a prefeitura conseguiu diminuir o índice de depredação patrimonial e legitimar o trabalho artístico dos jovens. “Os participantes afastaram-se dos meios da marginalidade e deixaram de cometer atos de vandalismo. Também houve uma melhora na auto-estima desses jovens”, conta Celza.
Além de promover uma mudança na estrutura emocional dos adolescentes, as ações destacadas pela Unesco também contribuem para diminuir um apartheid brasileiro: a exclusão do acesso aos bens culturais. Só na cidade de São Paulo, segundo pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS), 88% dos jovens que residem em bairros com alto índice de violência, usam drogas, nunca assistiram a espetáculos de balé clássico, e 52% nunca foram a um museu de arte. A situação dos meninos que vivem nas ruas do centro não é diferente. Para inverter o quadro, há seis anos a Fundação Projeto Travessia promove os direitos de crianças e adolescentes moradores de rua da região central da cidade. Com trabalhos sócio-educativos, a entidade faz da arte um dos elementos de “travessia” para que eles abandonem o uso das drogas, deixem de cometer delitos, voltem ao convívio social e criem novos projetos de vida. “Utilizamos a arte como uma maneira de apresentar o mundo para esses meninos. O trabalho artístico é também um forte comunicador. Com tintas nas mãos, os adolescentes contam suas histórias sofridas e, na mistura de cores, percebemos que a violência ainda não os matou”, explica Regina Kutka, artista plástica e educadora da Fundação.
O teatro, o balé, o cinema, a música erudita e até mesmo a programação de televisão só passaram a fazer parte da vida da ex-menina de rua Odília Sharon Rosa Barbosa de Oliveira, 16 anos, quando ela começou a participar das atividades promovidas pela Fundação.
“Quando eu morava na rua, tinha muita vontade de ir ao cinema, mas estava sempre na correria, roubando ou usando cola. Agora eu vejo peça de teatro, paro para escutar música e, na semana passada, fui ver Planeta dos Macacos no cinema”, diz Odília. Na opinião dela, a arte foi fundamental para mudar: “experimentei a arte da rua, que só atrasou meu lado, que me destruiu um pouco. A outra, salvou minha vida”, conclui.
fonte: 3setor do YahooGroups.