Tem-se convencionado como Jornalismo Cultural uma especialização que nasce das necessidades da imprensa em atender a um público segmentado, mas seu recorte temático, apesar de depender das dimensões do projeto editorial e o segmento de público para o qual se destina, vai muito além, ou pode ir, da divulgação das artes, como muitos costumam tratar, ou então, da veiculação do entretenimento.
Conceitualmente, o Jornalismo Cultural como preconiza o jornalista e pesquisador argentino Jorge Rivera, em El periodismo cultural [1], ajustou-se a duas concepções básicas de cultura: a ilustrada e a antropológica. Portanto, oscila entre um sentido restrito e um total. A ilustrada, de acordo com o teórico Edgar Morin, em Cultura de massas no século XX – necrose [2], – centra a cultura nas humanidades clássicas e no gosto literário-artístico. Do ponto de vista antropológico, ela passa a ser vista como a organização de um povo, seus costumes e tradições transmitidas de geração em geração a partir de uma vivência comum. O crítico literário e ensaísta Alfredo Bosi, em Dialética da colonização [3], explica cultura como “conjunto de modos de ser, viver, pensar e falar de uma dada formação social”. Deste modo, passa a ser entendida como um elemento comum e universal, inserida em tudo que o homem faz para melhorar sua condição de vida.

Assim, o Jornalismo Cultural ajustou-se a uma mescla ampla e variada que busca difundir os patrimônios culturais do conhecimento em esferas variadas em que a cultua passa a ter uma visão mais integradora. Para Rivera [4], tem-se definido como Jornalismo Cultural: “[…] uma zona muito complexa e heterogênea de meios, gêneros e produtos que abordam com propósitos criativos, críticos, repodutivos ou de divulgação os terrenos das ‘belas artes’, as ‘belas letras’, as correntes do pensamento, as ciências sociais e humanas, a chamada cultura popular e muitos outros aspectos que têm a ver com a produção, circulação e consumo de bens simbólicos, sem importar sua origem e destinação” [5]. Desta forma, tende a superar o prisma da dicotomia entre os campos da produção simbólica; de elite e popular, evidenciando a difusão (papel do jornalista cultural) e a análise crítica das culturas (papel do crítico de cultua) – formatando um fórum público de manifestação do pensamento, em que estão presentes a produção jornalística e a intelectual.

A esse Jornalismo Cultural cabe o papel de levar à análise e à interpretação de forma a dar subsídios para o leitor para que possa refletir, através das artes e da produção cultural, as formas de organização da sociedade. À parte expor a filosofia estética de uma obra, por exemplo, cabe também a reflexão sobre as circunstâncias sociais e históricas em que foi concebida no sentido de apresentar a obra como um processo cultural, na tentativa de captar o movimento vivo das idéias, e não apenas como produto.

Tal ponto de vista refere-se a um discuso que possa enriquecer o repertório do público, possibilitando certo posicionamento em relação ao saber tadicional e a sua bagagem cultural. É neste sentido que a pesquisadora espanhola Margerita Pérez de Eulate Vargas [6], concebe que nas páginas deste Jornalismo Cultural “nascem o diálogo e a controvérsia ideológica que possibilitará o pluralismo e o encontro com a verdade. Delas também se pode lutar contra a passividade e converter a cultura armazenada em algo vivo e eficaz” [7]. No campo teórico, designa-se ao Jornalismo Cultural um papel predominante na formação dos leitores como um mecanismo de enriquecimento intelectual. Para tanto, o papel exercido requer uma formação especializada e rigorosa por parte dos profissionais dos meios de comunicação.

Na prática profissional, o que se percebe é que, nas redações, a organização da estrutura informativa parece não deixar dúvida quanto a um sentido restrito de cultura que acomoda com prioridade a pauta dos grandes eventos, lançamentos, festivais, prêmios, feiras e o entretenimento. Mas na aproximação do sentido polivalente do termo cultura já não há a mesma uniformidade.

Neste aspecto, a avalanche de eventos e dos produtos da indústria cultural, em especial, cinematográfica, editorial e fonográfica, toma conta dos espaços da cobertura diária, o que muitas vezes condiciona a liberdade criativa e impossibilita o desdobramento para uma reflexão mais analítica, crítica e social sobre o conteúdo. A dificuldade de informar reside na multiplicidade dos produtos lançados pela indústria cultural, nos gêneros e subgêneros presentes na manifestação cultural, nos escassos espaços destinados à cultura, no quadro de profissionais nas redações (por vezes, também na falta de qualificação) e no predomínio de certos produtores. Na disputa por espaços, alguns produtores/divulgadores têm mais “notoriedade” para defender suas produções empacotando pautas às redações. Neste universo, avalia de forma crítica e seleciona o que deve ser pautado, além de ter que garimpar pautas e ângulos diferenciados, é uma tarefa árdua para um editor.

A quantidade de oferta da agenda da indústria cultural leva à utilização freqüente do formato de notas, notícias ou resenhas comentadas em que predomina o aspecto do serviço como uma espécie de “orientação” para o público, mais no sentido de informar o que está acontecendo, do que no da divulgação de idéias. A agenda cultural e o entretenimento preenchem outra parcela considerável, por vezes predominante, com listas de progamação de cinema, teatro, televisão, espetáculo, coluna social, cotidiano das celebridades e até horóscopo do dia. Assim, as editorias de cultura, via de regra, têm centralizado um gande mosaico de fragmentos, pautando com primazia a atualidade dos eventos e do entretenimento que acontecem nos grandes centros, negligenciando a cultura que se processa nas diferentes regiões e esferas sociais.

Sob a óptica do serviço orientado para o consumo, muitas vezes o produto cultural é levado à condição de mercadoria, quantificado e qualificado numa escala de valores. A intensa produção desse tipo de cultura leva, por conseqüência, a privilegiar deteminados produtores e a maginalizar outros, sem contar as vezes em que acontece dos enfoques serem os mesmos levando a uma homogeneização cultural.

Espremido pela cobertura da agenda e o entretenimento é que decorre o pocesso de banalização em que é comum associar a editoria de cultua ao ornamento, o secundário, dispensável diante da avalanche de catástrofes e de más notícias que cercam a máquina informativa, como se lhe fosse o antídoto.

Há que se observar, no entanto, que há análises importantes, consistentes e de interesse, que respondem a uma dinâmica mais ampla da que nomalmente lhe é conferida, mas muitas questões permanecem à margem.

Nos diferentes suportes de informação que se ocupam da difusão da cultura, o Jonalismo Cultural da atualidade vive o dilema de dar pouco espaço para a diversidade cultural existente nas diferentes regiões e esferas sociais e para o debate de políticas públicas de cultura. Grosso modo, falta espaço para a valorização das diferentes identidades culturais, para estéticas diferenciadas, para os movimentos engajados com a cultura popular, para o debate de idéias, para a contraposição de tendências, enfim, para a cultura como conhecimento, incumbida da função sociológica e crítica com o ato de pensar voltado para a formação cultural e para os problemas da sociedade que estão relacionados à cultura do homem. A cultura do povo, que está nas ruas, no folclore, nos discursos e nas festas, seja em centros urbanos ou rurais, por sua vez, pouco aparece, de maneira geral, a não ser quando está associada a grandes eventos ou quando se transfoma em mercadoria de consumo, caso típico de festas como o carnaval em que é comum referendar estereótipos já existentes, esquecendo-se das diversidades existentes dentro de cada cultura.

Fica aqui o estímulo ao debate sobre esse campo que é tão vasto, rico em possibilidades e abordagens diversificadas sobre os bens culturais. É preciso alertar que existem tabalhos interessantes, debates consistentes, que surgem a cada dia, na expectativa de refletir e aprofundar sobre o campo de produção e a prática pofissional. Há também publicações voltadas a núcleos e públicos seletos que surgem na tentativa de se desvincular da agenda e dos interesses que cercam a área.

[1] RIVERA, Jorge B. El periodismo cultural. 3. ed. Buenos Aires: Paidós, 2003, p. 15.
[2] MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX – necrose. 3a. Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999.
[3] BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. 4. ed. São Paulo: Cia. das Letras, 2003, p. 319.
[4] Idem, p. 19.
[5] Tradução nossa
[6] VARGAS, Margarita Pérez de Eulate. Las páginas culturales de los diarios como puente e comunicación con el lector. Revista de Comunicación Social. La Laguna (Tenerife). Março de 1999 – número 15.
[7] Tradução nossa

BIBLIOGRAFIA RELACIONADA AO TEMA >>

Eliane Fátima Corti Basso


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1Comentário

  • Carlos Henrique Machado, 22 de janeiro de 2008 @ 10:27 Reply

    Já li, aqui mesmo, algumas vezes, críticas à grande mídia em relação à questão cultural. A meu ver, todas elas equivocadas. A mídia não tem essa força para transformar pensamentos. Pode criar um produto ali, mas logo na frente o próprio povo o descarta como se fosse um corpo estranho que, assim como um furúnculo, será expurgado pelo organismo. Não tenho o menor medo de mídia. Acho que é um fantasma otimizado por uma ausência de pensamento crítico relacionado ao próprio estado. As perguntas deveriam ser: órgãos do estado, como o Minc, refletem o pensamento do homem comum brasileiro? A resposta é, não. E por que não? Porque mantém-se imperial, com a coroa da soberba em riste. O estado, o Minc, nesses anos de administração Gil, vem provocando a cada dia, um enorme gosto amargo. Não porque seja pior que as políticas anteriores, mas existia uma expectativa de toda a classe artística que o Minc romperia com o viciado mundo das celebridades. Ao contrário, como vimos no último edital do BNDES, continuou, ampliando, a privilegiar os Cacás e os globais.

    Talvez seja isso, o Minc funcionou como um bacamarte, muita pólvora, espalhou muito chumbo e não acertou nada, pelo menos nada que invertesse a ordem das coisas. Ficou muito carnavalizado, muito foguete antes do cortejo, muito espetáculo pirotécnico, mas as ações estruturais de base que dessem suporte a uma política grande, a um pensamento nacional de cultura, foi absolutamente inexistente. O Ministério da Cultura, assim como em governos anteriores, foi abduzido pelo glamour, pelos tapetes vermelhos, pelos flashes que expandem midiaticamente a logomarca do Minc e seus pares. O oscar brasileiro, a Hollyood da Cinelândia trazem bastante a fotografia desses anos de Minc, estendendo um tapete vermelho no coração do Rio de Janeiro, símbolo máximo das tensões sociais, de uma segregação sem precedentes, onde o foco central dessas tensões é justo a questão cultural que, por obra de um pensamento de superioridade, massacrou a auto-estima de milhares de brasileiros, suas tradições e seus sentimentos não oficiais. Enfim, culpar a mídia por uma responsabilidade para que tenha uma visão ampla do país, antes, precisamos cobrar dos órgãos oficiais que reflitam de fato, os anseios da sociedade. Fica a marca de um Minc capenga que privilegiou, num certo saqueamento, todas as outras manifestações culturais para continuar a atender aos tubarões. Seus representantes estão dentro do Minc, atendendo, como sempre, ao corporativismo de um pequeno grupo. O discurso? O mesmo de sempre. O insuportável, “vamos levar cultura ao povo”.

    Os músicos brasileiros, representantes da principal marca da nossa cultura, a música brasileira, cada vez mais distante do Minc, por uma total ausência de política para esta área, estão descobrindo as novas tecnologias e revitalizando as suas produções. Hoje, dentro do nosso país, o Myspace para o músico brasileiro, tem peso dez vezes maior do que o Minc.

    Como vemos, meus amigos, debaixo da ponte dessa mau-falada mídia correm as águas poluidas de um rio viciado em atender seus pares nos encontros noturnos.

    Enfim, com o Minc, eu, assim como muitos outros artistas, literalmente, joguei a toalha. O Minc não teve a grandeza de um ministério que representasse de fato a imensidão cultural do Brasil. Sem um mínimo de projeto nacional, transformou-se mesmo no que ele mais apostou e acabou se confundindo com os seus apadrinhados. O Minc de Gil é uma obra de ficção.

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