Os equívocos que envolvem a arte e o ensino. A visão da imprensa especializada que trata a arte como panacéia, instrumentos de “mágicas” transformações. Hannah Arendt, em seu livro A Condição Humana, diz no capitulo “A permanência do Mundo e a Obra de Arte”:
“Entre as coisas que emprestam ao artifício humano a estabilidade sem a qual ele jamais poderia ser um lugar seguro para os homens, há uma quantidade de objetos estritamente sem utilidade e que, além disso, por serem únicos, não são intercambiáveis, assim sendo, não são passíveis de igualação através de um denominador comum como o dinheiro; se expostos ao mercado de trocas, só podem ser apreçados arbitrariamente. Além disso, o devido relacionamento do homem com uma obra de arte não é “usá-la”, pelo contrário, ela deve ser cuidadosamente isolada de todo o contexto dos objetos de uso comuns para que possa galgar ao seu lugar devido no mundo … a arte assim sobreviveu magnificamente à sua separação da religião, da magia e do mito”.
Isso implica dizer que toda e qualquer utilidade que tenha a Arte transforma-a em arte. Radical? Sim, muito, porque a necessidade de sobrevivência de uma cultura também é radical. A Arte só sobreviverá se são atendidas as suas especificidades.
Quais seriam estas especificidades? A nosso ver, o atributo principal da Arte é a liberdade do artista, se ele não é contemplado pela sociedade como alguém imprescindível, possivelmente essa sociedade perca ou mutile o que de mais valioso tem: as economias mudam e seus sistemas de poder também, os acumuladores perecem e é claro que para o futuro longínquo só sobrará a Arte, se ela conseguir sobreviver. Mas a arte comercializada, estruturada, definida como arte, essa não sobreviverá.
A Arte precisa ser concretizada em objetos para materializar-se como idéia e poder perpetuar-se no futuro, a Arte materializada pode ser vista somente como objeto e transformada em mercadoria, podendo ser comprada e vendida, como se pudesse se comprar Arte, liberdade ou felicidade!
A Arte não é instrumento para nada, nem objeto de consumo, é como a Filosofia, ambas são os níveis de entendimento mais elevados (não heirarquizados) que uma sociedade tem sobre si mesma.
Logo, seria a figura do artista a que tem que ser valorizada, não a do professor de arte, do curador, do critico ou do jornalista. Como se arte pudesse ser ensinada ou convertida em objeto de consumo. Se ensinar Arte fosse possível poderia se ensinar talento, criatividade. Segundo Gregory Bateson, este nível de comunicação com respeito à Arte, Amor e Felicidade (ensino, critica, descrição da arte são formas de comunicação), é nada mais nada menos do que uma situação de double-bind, ou seja, um grave problema que conduz a esquizofrenia quando não se pode sair desse sistema doente de comunicação, explico melhor: se eu digo para o outro: seja criativo! aprenda! me ame! seja livre! isto é Arte! Estou dizendo ao outro que os meus padrões são os corretos para sentir, pensar e amar, o que possivelmente devido à natureza humana, que é única e irrepetível, seja um verdadeiro terror ou inicio de uma tirania muito perigosa, tão intolerável que o único refúgio é a esquizofrenia.
Por isso, devemos insistir que Arte é assunto de Estado, entendendo o Estado como a instancia máxima da organização social, contrariamente ao mercado, que, para mim, é a instancia máxima da desumanização da sociedade.
Deve ser o Estado quem tem que manter o artista, o Estado é que tem que velar porque a Arte não se converta em Mercadoria e porque sejam os artistas os que tem se ocupem da difusão da Arte, abrindo e mantendo os espaços necessários para tal.
Reflitamos um pouco mais: porque a Medicina é cuidada e exercida pelos médicos? porque a Economia pelos economistas e a Justiça pelos advogados? e são médicos, economistas e advogados que cuidam da formação dos mesmos. Não tem economista ensinando cirurgia nem oftalmologista ensinando Direito Comercial.
Se consideramos que a Arte é assunto de artistas e são eles os que podem transmitir melhor que ninguém o que é Arte, criaremos um problema sério de continuidade desta sociedade, para alegria de muitos e infelicidade de poucos.
Acabaria a hierarquização da Arte, acabaria o mercado e seus sacerdócios exercidos por uns poucos escolhidos que jamais tem contato com as periferias onde mora mais do 80% dos seres humanos.
Para o artista, existiria um campo de trabalho enorme, se ele for mantido pela sociedade, se ele for dignificado pelo reconhecimento da relação que ele estabelece entre o passado, o presente e o futuro de cada sociedade na qual está inserido. E se isto acontecer, talvez a sociedade possa mudar. Talvez a liberdade deixe de ser um ideal para transformar-se em um utópico viável, talvez a Arte reprimida possa brincar nas ruas e avenidas e não ser desvalorizadas pelos canais de difusão.
Construir mitos é e será tarefa dos meios de comunicação, destruir mitos também. Numa sociedade utópica os meios de comunicação estariam a serviço da arte e não vice-versa. Hoje, como na Arte, vemos que as notícias tem que pedir por favor para serem noticiadas, porque os meios de comunicação noticiam o que alguém, que nunca sabemos quem é, alguém absolutamente invisível, como o Mercado, este alguém soberano que determina quais notícias serão noticiadas e ordena quais mereceram ser difundidas.
Fato semelhante acontece com os artistas, eles nunca sabem o que os fará famosos, se pertencer a uma coleção famosa ou se, pela sua arte, alcançar o mérito suficiente para ser difundido e/ou convertido em Mito.
Mídia e Fama estão estreitamente ligadas e infelizmente mesquinhos interesses são perpetuados a partir deste sistema que não beneficia ninguém, ainda que garanta lucros a alguns.
Arte fabricada a partir de mídias e mitos termina sendo arte e arte nunca pode ser um negócio, muito menos um bom negócio. Em última instância, é um péssimo negócio para o futuro de uma sociedade.
Por fim, Arte não é objeto, não é mercadoria, não é moda. Arte é Arte, cabe ao artistas nos mostrar o que é a sua Arte e, nela, manteremos a infinitude e estabilidade do núcleo do que é o Humano.
Maria Benites
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