O último debate do curso “Cultura e terceiro Setor” contou com a experiência de Hugo Possolo da Cia Parlapatões, e Bruno Assami do Instituo Tomie Ohtake, no domingo, 25 de setembro. Os palestrantes falaram de gestão, políticas públicas para o setor, leis de incentivo, as relações mercadológicas onde a cultura se insere e outras questões que artistas, gestores e o público enfrentam na atualidade.

Numa primeira abordagem, Hugo Possolo fez um histórico da Cia Parlapatões. Lembrou da mudança de atitude que adotaram na transposição das apresentações do circo para intervenções nas ruas, que pressupõe uma relação diferente com o público. “Tem que ter uma capacidade de sedução diferente, você lida com a complexidade cultural urbana”, disse. Logo depois falou da aproximação com a Cia Paulista de teatro, quando passaram a ter uma representação jurídica e conexão com as leis de mercado, o que sugere risco à autonomia na produção. Passaram a ter também uma publicação interna sobre as peças, chamava-se Camarim, um panfleto que foi transformado em revista e “mudou o paradigma”, lembrou Hugo, “pois achava um contra-senso falar sobre o que fazíamos para nós mesmos”.

O posicionamento político da Cia Paulista de teatro ganhou corpo durante o período Collor, que tentou enfraquecer o Ministério da Cultura, e mais adiante com FHC, fase de total desmonte de algumas estruturas.  “Reunimos diretores intelectuais por seis meses, em diálogos fechados, para discutir políticas públicas e escrever um manifesto sobre a indignação com o descaso das políticas públicas do governo”. O documento foi inspirado na Constituição, “que prevê a cultura como prioridade do Estado” acrescentou.  A única referência de política pública, “as Leis de incentivo, a exemplo da Lei Rouanet, seguem um modelo que transporia essa responsabilidade para o setor privado, com a privatização do dinheiro público”.

Neste ponto, o relato entrou no campo filosófico, no sentido de que todo o pragmatismo “objetivo” e ocidental entra em confronto com a natureza humana e impede o subjetivo, em favor do sistema mercadológico. Para Hugo, nesta dinâmica, “quem tem direito à subjetividade são poucos”, e as conseqüências são perversas na medida em que “os cidadãos não conseguem pensar e refletir. E aí entram as drogas, o medo e a violência”. A arte ressurge aí como um antídoto, pois, “consegue contribuir na construção do processo civilizatório”. Em suma, “a função social da arte”.

Bruno Assami, apresentou seu relato sugerindo um conceito de cultura, que apesar de apresentar referências difusas, “seria um caldo de formação de sentido das relações entre as pessoas” e mais adiante enveredou pela crítica das políticas culturais no Brasil, que aferiu ao longo da palestra como sendo do ponto de vista do gestor. “O que espero dos Secretários Gerais de Cultura, teoricamente os formuladores da nossa política pública para cultura, é que se estabeleça o foco para que eu possa atuar complementando esta ação”, disse otimista, acrescentando que acredita no compromisso do gestor, “que precisa apresentar diagnósticos à sociedade civil”.

Referindo-se à lei de incentivo à Cultura, Assami explica que é uma ferramenta precária, “porque o conselheiro não pode dar o parecer sobre a qualidade o projeto’, o que limita sua atuação no processo. Os investidores vêm buscando uma ‘função gestora operativa, criando essas analogias, quando os investimentos poderiam ser direcionados para onde está a experiência criativa”.  Um calendário só de arte contemporânea, por exemplo, “seria extremamente ermético e afastado do púbico”, colocando em xeque a função social da arte. E aí entra o financiador que, diante da possibilidade de escolha de uma expressão artística complementar, “identifica pelo aspecto midiático, artistas consagrados e estrelas da TV. Isso cria situações limítrofes em relação à essência cultural”.  O papel do Gestor de pensar dialogar essas questões foi reafirmado constantemente por Assami, “seja em Fóruns, seminários ou em iniciativas como esta. Teoricamente é o papel do Estado, mas nós da iniciativa privada temos que apoiar nessas frentes”.

Bruno falou do modelo Francês de gestão, que se apóia na estatização, como o “sonho de consumo” dos profissionais de cultura do Brasil. “Eles contam com uma estrutura mais sofisticada, trabalham com foco no público e o Estado financia as grandes Companhias”. Em outra referência, o modelo americano, com apelo à privatização “trabalha com ferramentas e subsídios muito importantes e entende o segmento cultural como indústria”, explicou, citando o exemplo da taxação de 50% sobre herança para argumentar que ele não é democrático, mas funciona. No Brasil, uma ferramenta como esta “poderia fomentar por exemplo, o circo, que é uma manifestação de referência da nossa infância”. O modelo de gestão do Brasil seria uma fusão entre esses dois exemplos.

Ao responderem algumas questões elaboradas pelos presentes, os dois palestrantes elogiaram a apropriação do Sesc de Itaquera e do Butantã pela comunidade local, diante da falta de planejamento de atuação no espaço. A participação do público foi direta neste ponto do debate: “É preciso enxergar as particularidades de cada comunidade para que um projeto funcione, mesmo que seja uma superestrutura como a do Sesc”.

Maira Botelho


editor

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