O papel do estado é trabalhar na formação de sujeitos coletivos. Reconhecer a diversidade não significa tolerar o outro. O conflito é necessário. O conflito do reconhecimento das diferenças.
O músico e compositor Marcelo Yuka, que acompanhou o Seminário Internacional sobre Diversidade Cultural em Brasília, no fim de junho, disse, em entrevista à Agência Brasil (s://www.agenciabrasil.gov.br/blogs/2007/06/26/blog-da-diversidade-cultural), que o debate sobre a proteção e promoção das expressões artísticas não pode se restringir à discussão de boteco. “O que adianta ter tanta informação disponível, conclusões belíssimas como está havendo aqui, se tudo for virar argumento para mesa de bar, para manutenção de um status quo?”, questiona.
O temor de Yuka é o do músico brasileiro que caiu na graça das grandes gravadoras, com O Rappa, e que, logo após o incidente que o deixou tetraplégico, abandonou os rumos da banda da Warner, como o Acústico MTV, e seguiu com seu novo projeto musical e social: o F.UR.T.O. (Frente Urbana de Trabalhos Organizados). Mais do que músico, Yuka tornou-se um importante agitador cultural.
O professor argentino Miguel Bartolomé lembra que os latino-americanos consideram-se sempre como vítimas de outros países imperialistas, e esquecem-se que muitas vezes são eles os opressores das culturas. A diversidade, afirmou o palestrante, pode ser vista através de diversos prismas. E essa pluralidade de tratamentos varia entre alguns extremos, principalmente no que se relaciona com as políticas desenvolvidas pelos Estados para tratar da questão indígena. Muitas das formas escolhidas para tratar dessa questão podem transformar-se em verdadeiras manifestações de um neo-colonialismo.
Contudo, Bartolomé lembra que os nossos povos mostram através de manifestações culturais suas resistências. Assim, nasce o que o argentino chama de resistência cultural, que se expressam nos batuques de tambores, nos zapatistas do México, na Convenção da Unesco e no trabalho de Yuka, que representa a nossa cultura de resistência.
Atitudes como a de Yuka representam um avanço na relação para o protagonismo do artista com as políticas culturais. Recentemente, o multiinstrumentista Egberto Gismonti disse, à Revista Multicultural (Leia na íntegra), que está comprando todos os direitos sobre suas músicas para devolver, em forma de domínio público, para todos os ouvintes que acompanharam sua carreira.
“Minha luta agora é dar minha música, de graça, para as pessoas que foram responsáveis pela minha vida profissional – não foi a EMI ou outra gravadora, nem produtor de show, foram as pessoas, que compraram meus discos, que me financiaram. E agora, como já tenho 60 discos, o único objetivo que eu tenho não é lançar um disco, nem dois, nem cinco: é dar de graça toda a obra que me pertence”, afirma o músico.
“O papel do estado é trabalhar na formação de sujeitos coletivos. Reconhecer a diversidade não significa tolerar o outro. O conflito é necessário. O conflito do reconhecimento das diferenças”, define Bartolomé. E diz mais: “Toda tradição dominante tenta surgir na idéia de universal. Mas não há liberdade sem a diferença”.
Atitudes isoladas conquistam, na internet, o verdadeiro sentido de coletividade. O iSummit 2007, encontro dos pensadores dos commons, realizado em junho (Saiba mais), mostra como o compartilhamento da informação tem desenvolvido alternativas para questões centrais como a propriedade intelectual.
Para o pensador Jesus Martín-Barbero, “a internet é o único lugar onde a América Latina está realmente se integrando. As pesquisas, experimentações artísticas, tudo sendo feito de maneira colaborativa na rede. Temos que apoiar, proteger, não travar isso. Muitas vezes, o que os governos fazem é impedir o desenvolvimento das redes”.
No Brasil, o avanço nos últimos anos nos debates sobre políticas públicas para cultura ganha ainda forte presença da articulação dos gestores regionais da cultura, com o Fórum Nacional de Secretários Estaduais de Cultura (Leia cobertura completa). Os milhares pontos de cultura não conveniados pelo Cultura Viva, que também precisam de massagem, continuam excluídos do debate, por faltas de informação ou de cultura participativa.
Hugo Achugar, diretor do Observatório de Políticas Culturais do Uruguai, afirma que “alguns diretores de políticas culturais” que usam conceitos dos séculos 19 e 20, que acham que livros e exposições de formas tradicionais de arte são suficientes. O uruguaio não mencionou nomes, nem países. O grande erro ocorre, na opinião dele, quando o Estado acha que deve iluminar o cidadão, sem saber se este quer a luz que o Estado tem a oferecer. Está errado, na opinião dele, o governante que oferece arte clássica quando a população quer tecnologia digital, quer funk e tecnobrega.
Embora afirme que a participação dos negros nas decisões que envolvem cultura esteja aumentando na América Latina, o diretor de Promoção, Pesquisa e Divulgação da Cultura Afrobrasileira da Fundação Palmares, Antônio Pompêo, diz que, sem a inclusão de negros e índios nesse processo, a discussão sobre diversidade cultural torna-se retórica.
“Fora dos shoppings, as novas tecnologias permitem maior disseminação dessa produção”, diz o cineasta e presidente da Coalizão Brasileira pela Diversidade Cultural (CBDC), Geraldo Moraes. Ou seja: multiplicam-se as pequenas gravadoras e os mecanismos de produção e distribuição independente, na contramão do domínio norte-americano de 85% dos filmes norte-americanos e das grandes transnacionais que controlam mais de 70% dos registros musicais.
Nos bares e bailes da vida, onde artistas sacrificam-se em busca de alguns trocados, persiste a lógica da reprodução do mercado, salvo os focos de resistência. O holandês Joost Smiers, autor de Artes Sob Pressão (Veja entrevista exclusiva), considera que apenas com a abolição total dos direitos de autor a diversidade poderá aflorar. Para ele, propostas alternativas e integradas ao sistema possibilitam novas experiências e visões de convívio, mas não dizem jamais como os artistas sobreviverão. E, segundo ele, os artistas são as engrenagens da diversidade e são os menos inseridos no debate. Ainda em tempo de levar a discussão para a mesa do bar, e não permitir, como disse Yuka, que as palavras fiquem por lá.
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