Entre as artes que ganharam um “novo mecenato” a partir da Lei Rouanet, a dança contemporânea é uma das vertentes das artes cênicas que mais crescem em todo o país, contando com apoio de entidades privadas e empresas públicas

Denise Stoklos atua em espetáculos dramáticos há anos, e é uma das artistas mais reconhecidas do país, dentro ou fora dele. Sua biografia pode ser visitada em seu site, ou em outros tantos que se vê pela internet. O “Teatro Essencial” é a linguagem dramática que desenvolveu, e no recente monólogo Olhos Recém Nascidos, em cartaz, a artista busca expressar “a compreensão de que o que parece o mais íntimo é na verdade o mais político, o mais comum”.

A obra de Stoklos, e essa montagem em especial, têm um caráter intimista muito forte, o que a distancia do teatro e, por conseguinte, torna-a mais próxima da dramaticidade da dança. Aqui paramos de falar do aspecto artístico da peça, e começamos a tratar de seu universo político.

Essa peça, como qualquer montagem cênica, foi feita para ser vista. E isso é o óbvio ululante. Mas suas montagens anteriores (a peça é de 2004) geralmente tinham temporadas curtas em palcos como o do Sesi, na av. Paulista. “Essa [peça] foi apresentada por um período muito curto, e achei que seria aquela que viria com mais interesse [para o público]”, coloca a autora. O que foi feito? Buscou-se patrocínio.

Com o patrocínio da Petrobras, aproximadamente 30 apresentações foram realizadas de fevereiro a março. Ocorrerão ainda outras seis performances no final de abril. Todas no Teatro João Caetano, da Prefeitura de São Paulo, que apóia o projeto. A justificativa para patrocínios e apoios? Formação de público, com ingressos entre R$ 10 e R$ 5 ou distribuídos para estudantes de escolas públicas e professores, gratuitamente. Procuradas pela reportagem, artista e produção não quiseram falar sobre as apresentações já realizadas.

É Stoklos então uma “mensaleira” da cultura? Discutível. Além de manter seu trabalho e pesquisa, mantém ainda os de sua equipe técnica, da equipe da Egla Monteiro produções, responsável inclusive pela captação de recursos junto à estatal, e da assessoria de imprensa, responsável pela divulgação da peça na mídia comercial. Ela se vale de linhas de fomento e patrocínio para manter em cartaz uma de suas montagens. E não é a única a fazê-lo.

Modelos de negócios

A questão política que leva uma artista consagrada como Stoklos a buscar recursos em políticas de fomento e patrocínio cultural é uma opção entre a possibilidade de trabalhar sua peça com recursos próprios ou de terceiros.

Nas artes cênicas há basicamente três opções: investimento, pelo artista, de capital próprio ou da companhia, o que parece cada vez mais raro no país; contar com apoios privados e públicos, como ocorre com os que utilizam, por exemplo, palcos públicos; ou contar com o binômio fomento-investimento, por meio especialmente da Lei Rouanet ou da ligação do artista com alguma instituição que tenha capital e interesse em investir nas artes cênicas, seja como for este investimento. É o caso dos mecenas.

Dois mecenas pela dança

Com modelos de negócios e fontes de recursos distintos, o Itaú Cultural e a rede Sesc de São Paulo são dois dos mais fortes mecenas do ramo, trabalhando com artistas de diversos estados e mantendo equipes de pesquisa e espetáculos públicos.

O Itaú Cultural atua na área por meio do Rumos, programa a partir do qual faz pesquisas e atividades em dança e em outras artes. Na terceira edição do programa, iniciada em 2006 e encerrada com apresentações, seminários e oficinas no começo de março deste ano, foi atualizada a Base de Dados Rumos Dança, um banco de dados com o mapeamento de artistas, grupos, escolas, iniciativas de apoio e de fomento e festivais de dança contemporânea. A base pode ser acessada no site do instituto, www.itaucultural.org.br, já atualizada.

Construído com o trabalho de 13 pesquisadores oriundos ou ligados a linhas de pesquisa em universidades públicas, o levantamento foi realizado em 60 cidades do país e buscou mapear “dinâmicas culturais dos lugares em que as obras coreográficas são criadas”, como define a assessoria de comunicação da instituição. O objetivo? Distribuir informação para articular a área. “De 2000 até agora a grande contribuição do programa foram os contatos, as redes formadas. E isso, não os espetáculos, é que são insubstituíveis para a área. A troca de informações é o que gera conhecimento. Essa articulação existe consolidada somente no eixo RJ-SP-MG”, expõe Sonia Sobral, responsável pelo Rumos Dança e gerente de Artes Cênicas do instituto [para entrevista completa clique aqui].

A opção pela dança contemporânea tem a ver com seu caráter experimental, que necessita mais pesquisa e articulação que as danças populares ou o balé clássico, preteridos no programa. Para facilitar a necessária articulação, a equipe do instituto realizou ainda seminários em 15 cidades, todas capitais, com exceção de Campinas, em todas as regiões do país, onde a base anterior identificara grupos e estudos na área. O programa utiliza algo em torno de 70% de recursos oriundos de renúncia fiscal por meio de políticas de fomento.

O Sesc-SP atua com um programa misto, focado na difusão por meio do espetáculo, embora realize também seminários, cursos e palestras. De acordo com Simone Silva, da Gerência de Ação Cultural (GEAC), os recursos para as apresentações tanto vêm da contribuição do comércio, que mantém a instituição, como são levantados com cachê e bilheteria. Há ainda parcerias, com a cessão do espaço para grupos que concretizam o trabalho especialmente com a captação por leis de fomento. [para entrevista completa clique aqui]

As apresentações no Sesc-SP são resultado das pesquisas do GEAC e das unidades do Sesc, assim como de propostas de curadores, artistas convidados e produtores, sem a utilização de editais. Entre os critérios de seleção, Simone coloca como importantes “a diversidade, a multiplicidade de idéias, o contato com o novo e o criativo, com o questionador e o revelador, com a inquietação, o desejo de mudar, conhecer e participar” – com o “moderno”.

Para Simone, o interesse do público na dança, ao menos na rede Sesc-SP, tem crescido “em razão do trabalho de formação de público que desenvolvemos nas nossas unidades e devido ao aumento de unidades do Sesc no estado de São Paulo. Também os programas de incentivo municipal, estadual e federal têm facilitado o aumento das produções e favorecido a circulação. Mas a produção de dança é muito menor em relação ao teatro e à música, também pelo interesse das empresas que patrocinam mais estas áreas”.

“Hoje a dança já não é o menor dos públicos nas artes, e a vertente contemporânea cresce muito, contando ainda com a regulamentação da dança em várias cidades e a articulação do setor. Aumentaram também as faculdades, as mostras e os palcos que aceitam espetáculos”, coloca Sonia Sobral. “Há pesquisa, há tentativa, mas sem métodos de pesquisa. Faltam critérios acadêmicos. Falta o como fazer”, completa a pesquisadora.

Guilherme Jeronymo


editor

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