DEMOCRACIA - Sobre a opinião pública publicada - Cultura e Mercado

DEMOCRACIA – Sobre a opinião pública publicada

Uma dessas histórias sobre democracia, conta que um jornalista brasileiro, de luto fechado pela derrota do seu candidato à presidência da República, afirmou: “O povo votou contra a opinião pública”.A mensagem das boas-vindas é pré-publicada. Aproprio-me do recado do cérebro eletrônico: “Welcome to WordPress.com. This is your first post. Edit or delete it and start blogging!”. Todo cuidado é pouco, mas entendi que seria desperdício deixar aquela mensagem xoxa como a minha primeira carta ao mundo. Portanto, edito. Reescrevendo a filosofia dos tempos digitais: Penso, logo blogo. (s://yodajor.wordpress.com/)

Não foi minha primeira carta, porém uma primeira tentativa de uso consciente da ferramenta blog para outras propostas além da construção de um veículo de comunicação, ou o que se entende por mídia e mediação da informação. Outros sonhos e imagens e conexões fazem acreditar que essa era digital que se populariza permite a livre apropriação da sociedade ao direito à comunicação, direito interdependente dos conceitos de democracia e do direito a cultura.

Imagina-se que o assunto deveria ser há tempos a pauta e a prática daqueles que carregam o discurso democrático, na radicalização de seus propósitos, de participação da sociedade. No entanto, as vozes da democracia insistem no distanciamento das massas de gente do poder de voz, por medo, e com a fabricação do medo, interpretado como respeito.

Retomo, no mesmo texto que o homem caranguejo de hoje sai da ribeira para namorar no parque de diversões da grande rede. Seu sonho é a ilusão. A mesma que nos contamina. A mesma dos malucos pretos todos fardados que bateram em outros pretos, quase brancos. Mas que são pretos. Todos pretos quanto aqueles da Fundação Casa de Jorge Amado, na reitoria da Universidade Federal da Bahia, que recepcionam a todos como estrangeiros no Pelô.

“São os mesmos que não estavam no Fórum Internacional: Mídia, Poder e Democracia. Afinal, de qual democracia estamos falando? A minha? Eu, branco, homem, paulistano, jornalista? Não poderia ser sem me questionar, e sem ser questionado. Represento a opinião pública publicada. E não quero representar ninguém, cada um conta a sua história”, acredito um dia.

As experiências de democracia acontecem no campo da cultura, conforme afirmou durante a abertura do evento a coordenadora do Programa de Pós-Graduação do Cult-Ufba, Eneida Leal Cunha. Pouco repercutiu.

O Fórum, coorganizado pelo Centro de Estudos, no entanto, privilegiou o debate da construção de Observatórios de Mídia como solução para a representatividade da sociedade no contraponto ao poder midiático.

As mentiras fabricadas na mídia são extremos de uma realidade que tem levado a sociedade a sofrer do que o jornalista Ignácio Ramonet, diretor do jornal francês Le Monde Diplomatique e do Media Watch International, chama de “insegurança informativa”. Segundo Ramonet, todo poder tem seu contrapoder. O problema da mídia seria então não reconhecer que ela não representa toda a democracia, “eles não são os guardiões da liberdade de expressão”.

Redes virais
Ao mesmo tempo em que as aparentemente ilimitadas possibilidades de intercomunicação oferecidas pelas novas tecnologias digitais vislumbram o aprofundamento da democratização do fazer e do acessar informações e conteúdos, está em curso uma corrida desenfreada do capital pelo controle da rede. Este foi o alerta dos debatedores Jonas Valente, jornalista e membro do Intervozes -Coletivo Brasil de Comunicação Social, e Sérgio Amadeu da Silveira, professor de pós-graduação da Faculdade de Comunicação Cásper Líbero.

O avanço das tecnologias atropelou o organograma do grande capital. O que se percebe é a tentativa de amarrar a sua utilização seja através da apropriação dos espaços de transmissão, no chamado processo de convergência de mídias, quanto através de lobbies junto aos governos, no sentido de impor mecanismos de controle e restrição de sua utilização.

Sobre Democracia
Uma dessas histórias sobre democracia, conta que um jornalista brasileiro, de luto fechado pela derrota do seu candidato à presidência da República, afirmou: “O povo votou contra a opinião pública”. E o sociólogo Emir Sader escreveu: “Afirmação que permite que nos perguntemos: que povo é esse que não respeita a “opinião pública”? Mas, sobretudo: que “opinião pública” é essa, que se choca com a opinião do povo? E que jornalista é esse, que imprensa é essa, que fabrica uma opinião pública ilusória?”

Ilusão é engano de sentido, coisa da mente, o que faz tomar uma coisa por outra. Um sonho, um devaneio. Ilusório é o enganoso. O iludido fica dos dois lados. Iludido aquele que não se reflete, não se enxerga naquilo que ouve, lê ou vê. Iludidos aqueles leitores da Folha desconectados com os problemas diários da maioria das pessoas do mundo. A batalha está nas idéias, diz Emir Sader. Na idéias encontra-se a construção da opinião pública a partir dos consumidores, o que explica também porque o jovem não participa.

Conforme o sociólogo, o estado é uma disputa entre o mercado e o público, e por isso deve interferir com políticas que democratizem a produção de informação e comunicação. “Democratizar significa também desmercantilizar”, pontua Sader, lembrando que a esfera estatal também faz parte do espaço público: “É muito bom o observatório, mas é preciso discutir o financiamento da publicidade do governo, o fechamento das rádios comunitárias e a pluralidade”.

Marilena Chauí, da Universidade de São Paulo, não apenas concorda, como aprofunda que este consumidor é induzido o tempo todo a não pensar: “Sempre se pergunta o que gosta, o que sente, jamais o que se pensa a respeito de…”. Chauí entende ainda que a democracia é forma sociopolítica da sociedade e pode ser interpretada de forma direta (participação) ou indireta (representação).

“A sociedade brasileira é extremamente antidemocrática. O clientelismo bloqueia a representação. A burocracia da máquina estatal é emperrada porque é fundada em proposta de poder, em uma ideologia de competência. É impossível construir democracia com essa mídia”, afirma Chauí, lembrando que o confronto de idéias ainda é impedido pela mídia mesmo nos processos eleitorais, ficando restrito às mídias alternativas.

Carlos Gustavo Yoda – Cultura e Mercado
Carlos Gustavo Yoda está coordenador editorial da revista Cultura e Mercado e esteve em Salvador por convite da organização do evento

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