Segue o debate sobre financiamento público da cultura
Nova York, Havana, Buenos Aires, Bombaim. Essas são algumas das cidades para onde embarcaram 16 autores brasileiros. A missão: viajar durante um mês e voltar com uma história de amor. O projeto Amores Expressos, do produtor Rodrigo Teixeira, possui tonalidades peculiares, sobretudo por se tratar de literatura brasileira. Além das cifras milionárias de execução, aproximadamente R$ 1,2 milhão, o time dos felizardos escolhidos, apesar de composto por nomes conhecidos, garimpa também novos talentos.
Os romances devem tornar-se uma coleção da editora Companhia das Letras e, possivelmente, serão adaptados para o cinema. Isso acabou incomodando alguns autores que não foram chamados. O motivo é que parte da verba seria paga por meio da Lei Rouanet – o projeto tramita no Ministério da Cultura. Para Teixeira, “a reação é movida por ciúme de um ou outro autor que não foi convidado”, mas foi suficiente para fomentar o debate, via internet e reportagens, sobre financiamento público da cultura.
Ciúme ou não, uma questão permanece pipocando e perpassa quase todas as discussões sobre o tema. Afinal, o que tem gerado as atuais políticas culturais em termos de acesso? Outro imbróglio envolvendo a lei de incentivo, ocorreu com a recente visita do Cirque du Soleil ao Brasil. A temporada de shows do grupo canadense, estimada em R$ 9,4 milhões, teve patrocínio pela Lei Rouanet, cuja prioridade é o incentivo à produção cultural brasileira. Ainda assim, os ingressos custaram entre R$ 50 e R$ 370.
Para que as leis de incentivo à cultura cumpram objetivos como ampliar a diversidade, circulação e acesso, é preciso mudanças, ou distorções continuaram ocorrendo, afirma o advogado Fabio de Sá Cesnik, da CesnikQuintino e Salinas Advogados, especializada no setor cultural. “Projetos importantes são aprovados, mas não conseguem captar patrocínio”. Teixeira, do projeto Amores Expressos, defende, no caso da Lei Rouanet, uma simplificação. “Ela atende todas as áreas da cultura, isso gera uma competição muito grande, os benefícios deveriam ser específicos e diferenciados”.
Um exemplo dos tais desvios e distorções que assombram o cenário cultural em terras tupiniquins é o heróico Cheiro do Ralo, do diretor Heitor Dhalia. Apesar de aprovado nos editais das leis de incentivo fiscal, o filme, orçado em R$ 2 milhões, não conseguiu angariar patrocinadores. O longa-metragem acabou sendo produzido com apenas R$ 330 mil. Um genuíno malabarismo, de fazer inveja a trupe do Cirque du Soleil, que em termos financeiros não precisou de tanta ousadia, afinal, não encontrou obstáculos para captação de patrocínio.
Trocando em miúdos, a alternativa encontrada para o Cheiro do Ralo foi a seguinte, como não havia quem apostasse no projeto, diretor, produtores e o ator Selton Mello resolveram tirar a verba do próprio bolso, enquanto parte do elenco e da equipe abriram mão de seus cachês. A solução, que inclui ainda acordos e permutas com fornecedores, já ganhou nome: cooperativa de cinema.
Por ironia do destino, ou simples coincidência, o produtor Rodrigo Teixeira, que se tornou alvo de críticas ao tentar viabilizar a coleção Amores Expressos pela Lei Rouanet, integra a corajosa equipe de Cheiro do Ralo. “Ficamos um ano tentando captar. Mas chegamos à conclusão de que filmar no chamado esquema de guerrilha seria a única solução para não guardar o projeto na gaveta”, conta.
Apesar das disparidades do caminho, Teixeira não desanima. “As leis de incentivo são ferramentas importantes, sobretudo para o produtor independente, mas é necessário que se realizem discussões em busca de soluções concretas para os atuais entraves do processo”. Sem isso, na opinião do produtor, a cultura no Brasil dificilmente avançará de estágio.
Carlos Minuano
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