Secretária da Cultura confirma projeto de fazer da entidade um espaço para leitura. Artistas, freqüentadores e funcionários protestamPor Sílvio Crespo
02/04/2003

A Casa das Rosas será mesmo um espaço dedicado à leitura. Toda a programação artística foi cancelada pela secretária da Cultura do Estado de São Paulo, Cláudia Costin, que já marcou a data da inauguração do centro literário, dia 23 de abril. A decisão vem causando polêmica antes do anúncio oficial. Um manifesto escrito por artistas e freqüentadores da Casa circula desde a semana passada, defendendo a preservação do espaço voltado para a arte contemporânea.

Sem necessidade
Segundo Cláudia Costin, todos os programas da Secretaria foram revistos após a sua posse, em janeiro deste ano, com o intuito de avaliar a relação entre o número de pessoas beneficiadas e o gasto de recursos públicos. Após avaliação, a secretária acredita que a Casa das rosas não tem necessidade de promover atividades artísticas.

?Hoje, há vários espaços de arte contemporânea na cidade, sendo três do Governo do Estado?, disse a secretária, referindo-se ao MAC (Museu de Arte Contemporânea da USP), ao Passo das Artes e ao Centro Cultural Maria Antônia. ?E o MIS (Museu da Imagem e do Som), que reabre agora?, completou.

Mais leitura
A decisão faz parte de um projeto da Secretaria de fazer de São Paulo um estado letrado. Costin justificou seu projeto com dados do Ibope: apenas 26% dos adultos brasileiros conseguem ler e entender um texto. ?Isso não é um problema de exclusão social, é falta de hábito de leitura?. O acervo da Casa das Rosas deverá ser transferido para o Paço das artes e o MIS. ?A cidade tem muitas bibliotecas; o que falta é um centro para literatura e leitura?, concluiu.

Espaço consolidado
Mas os argumentos não convencem os artistas paulistanos, que perdem um espaço já consolidado. Segundo o manifesto, que circula via e-mail, a Casa cumpre funções diferentes e complementares aos museus citados pela secretária. O espaço ?criou seu perfil e seu público, únicos dentre os Museus do Estado, e de fundamental importância para a formação de novos agentes da Arte Brasileira?, diz o documento.

Para os manifestantes, não se justifica “o soterramento de um acervo, de uma equipe e de um legado já histórico em detrimento de um projeto de leitura que pode ser adaptado mais facilmente a espaços em outras regiões de maior carência na cidade”. Segundo o manifesto, mais de 600 artistas expuseram na Casa das Rosas ao longo dos últimos sete anos. ?Isso garante um respaldo e um lastro de confiança; imaginamos que todos esses artistas não gostariam que o destino da casa fosse outro que não um espaço para arte?, disse um dos autores do manifesto, que pediu para não ser identificado.

A Casa das Rosas desenvolveu, segundo o manifesto, trabalhos pioneiros ao aproximar mídia eletrônica e arte. “Além da criação de uma estrutura que ficou conhecida como um verdadeiro laboratório de pesquisa em net-arte, […] a Casa das Rosas consolidou um rico e denso acervo digital, hoje com mais de 1800 páginas disponibilizadas online”, diz o documento.

Funcionários
Além dos artistas e do público, os funcionários reclamam da arbitrariedade da decisão de Costin, que sequer comunicou a eles o que seria feito com o espaço. De acordo com a assessora da diretoria, Márcia Azevedo, a secretária da Cultura disse apenas que os funcionários devem ?procurar outra função na Secretaria ou então outro emprego”. Márcia afirma ter ficado sabendo dos planos da secretária apenas pelo jornal.


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Íntegra
Leia abaixo a íntegra do manifesto.

Desde 1995, a Casa das Rosas vem atuando mais notadamente como um dos principais espaços para a arte contemporânea da cidade de São Paulo. Com uma programação que procurou desde então estar em sintonia com as movimentações mais recentes na pesquisa em novas mídias, promoveu exposições que marcaram a produção artística dos últimos anos e que criaram desdobramentos inéditos privilegiando a experimentação e a valorização dos processos artísticos, e não apenas os resultados acabados, em suas mais diversas formas de expressão.

A Casa das Rosas desenvolveu uma atividade pioneira, não apenas no que se refere à inclusão da mídia eletrônica como instrumento de difusão cultural , como foi um dos primeiros espaços que utilizou a Internet como suporte específico para exposições, criando um diálogo até então inédito entre os acontecimentos nos espaços físicos e o ambiente virtual. Os eventos criados nessa área garantiram a atenção e o respeito de inúmeros convidados internacionais, tendo a Casa sido palco de experiências que não foram aceitas em outros espaços de arte existentes na cidade, por não se adaptarem aos procedimentos tradicionais. Além da criação de uma estrutura que ficou conhecida como um verdadeiro laboratório de pesquisa em net-arte, poucos anos depois de iniciadas essas atividades, a Casa das Rosas consolidou um rico e denso acervo digital, hoje com mais de 1800 páginas disponibilizadas online, o que levou o Governador Mario Covas a transformá-la, em 1998, em Galeria Virtual da Casa das Rosas.

Mais de 600 artistas plásticos expuseram na Casa das Rosas ao longo dos últimos sete anos. No Projeto Segundas Rosas Feiras, desenvolvido a partir de 2000, já se apresentaram mais de 200 grupos nas áreas de dança, música, teatro, vídeo e performances, projeto este que foi premiado pela APCA em 2001. Além disso, a Casa das Rosas se estruturou como um pólo fomentador de reflexões não apenas em torno da arte e tecnologia, tendo promovido debates, palestras e discussões sobre os mais variados temas na área cultural.

Em março de 2003 a Casa das Rosas já estava com sua programação definida para dar continuidade à ação cultural consolidada ao longo dos últimos anos, quando recebeu uma ordem para cancelar toda a programação em função de novos planos para o espaço a serem implantados pela Secretaria de Estado da Cultura.

A nota, Leitura na Paulista, GIOBBI, Cesar – IN: O Estado de São Paulo, Caderno 2, Coluna Persona, São Paulo, 20.03.2003, revela a intenção da atual Secretária Cláudia Costin em transformar a Casa das Rosas em espaço de leitura para jovens, o que demonstra no mínimo um grande retrocesso no percurso trilhado no campo da arte contemporânea. Mesmo havendo a convicção de incrementar a leitura naquela região da cidade não justificaria acabar com um projeto artístico-cultural único como o da Casa das Rosas, sendo que na região da Paulista a oferta de espaços dedicados à leitura é bastante farta, tendo como bons exemplos a Biblioteca do MASP, Biblioteca Maria Brás, Itaú Cultural, Centro Cultural São Paulo, Biblioteca Circulante Mario de Andrade além de alguns espaços privados.

Conhecendo a aptidão do espaço para abrigar atividades vivas e indutoras de energia no campo da arte não se encontra explicação para o soterramento de um acervo, de uma equipe e de um legado já histórico em detrimento de um projeto de leitura que pode ser adaptado mais facilmente a espaços em outras regiões de maior carência na cidade.

Vale dizer contudo que algumas das exposições promovidas nesse período já davam conta de vertentes ligadas à literatura e ao incentivo à leitura, mas promovendo cruzamentos mais eloqüentes, como Rosas Rosa, realizada em 2000, que promoveu instalações de artistas plásticos e vídeo-artistas baseadas na obra de Guimarães Rosa.

Em 2003 a Casa das Rosas foi o 3º espaço cultural do Estado mais visitado em toda a cidade — apesar de sua programação nem sempre estar em sintonia com os interesses dos investidores mais tradicionais.

Com relação aos planos indicados, apenas e unicamente através da coluna de Cesar Giobbi, torna-se necessário ressaltar o equívoco que seria um possível desmembramento entre as exposições e o acervo digital constituído pela Casa das Rosas, pois ambos são resultados um do outro, atestando o caráter de hibridismo em que as atividades foram desenvolvidas.

A decisão tomada de forma arbitrária, sem ter sequer consultado os membros da Sociedade dos Amigos da Casa das Rosas, encerra de forma triste um capítulo promissor da arte veiculada em nosso estado, atingindo tanto o público como os artistas.

Assim, manifestamos nosso repúdio às decisões tomadas a portas fechadas e que dizem respeito à sociedade, artistas e produtores culturais. A secretária Claudia Costim, talvez por não ter o devido conhecimento e interesse no âmbito da área artística e cultural, pode estar reproduzindo ações autoritárias e discrepantes com relação à própria função da Secretaria de Estado, e que causarão a ruptura de um processo e o soterramento da história recente de nossos espaços para a arte.

A CASA DAS ROSAS criou seu perfil e seu público, únicos dentre os Museus do Estado, e de fundamental importância para a formação de novos agentes da Arte Brasileira .

Só nos cabe lastimar que, de um momento para o outro, por vontade exclusiva da Sra. Secretária da Cultura, possamos assistir à destruição deste esforço.

Este documento tem o fim de exigir que se mantenha este espaço com os mesmos objetivos que mostrou ser capaz de cumprir, com qualidade.

Ao Sr. .José Geraldo Alckmin, Governador do Estado de São Paulo eA Sra. Claudia Costin, Secretária de Estado da Cultura.

Nós, abaixo assinados estamos por meio deste, manifestando nossa indignação com relação à possibilidade de ver a CASA DAS ROSAS deixando de cumprir seu papel de Museu que abriga, principalmente, a arte visual emergente.

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