Em entrevista exclusiva para o Cultura e Mercado, empresário fala de sua experiência patrocinando projetos culturais.
Entrevista a Sandra Ximenez
CeM – Seria bom você começar falando brevemente sobre a Iram, para quem não conhece a empresa, e sobre o investimento em cultura que começou a ser feito.
Dirceu Amadio – A Iram é uma metalurgica tradicional que agora está completando 50 anos de atividades e que fabrica e comercializa tornos, fresadoras e outros tipos de máquinas utilizadas para fabricar auto-peças, componentes eletrônicos, peças seriadas, etc., ou seja, somos o que o governo classifica como indústria de base. Com apenas 30 funcionários em apenas 23 meses apoiamos a nivel de mecenato 46 eventos entre: teatro (21 peças no Brasil e apresentações de artistas brasileiros em festivais e turnês em Portugal, Grécia, Alemanha e República Tcheca), dança contemporanea (eventos semanais durantes seis meses no Estúdio Nova Dança e alguns eventos de maior porte), esportes (colocamos a bandeira da Iram em 3 dos cumes mais altos do mundo, patrocinando alpinistas, fizemos duas expedições ao Tibet, uma delas ao Everest e participamos de duas provas do circuito mundial de corridas de resistência, uma delas na Nova Zelândia). Finalmente, na área social, estamos apoiando uma escola de ensino fundamental numa das zonas mais violentas e carentes da periferia de SP, fornecendo materiais ou levando alunos e professores aos eventos que patrocinamos.
CeM – a empresa já investia em publicidade e/ou outras campanhas institucionais antes do investimento em cultura? Quais eram os resultados? E: por que passou a investir em cultura?
Dirceu– Até o final de 2000 (ou seja durante 48 anos) investiamos apenas em propaganda, marketing direto e participamos de mais de 15 feiras do nosso setor metalurgico. Toda nossa verba era empregada nisto e os resultados sempre foram bons. No inicio do ano passado, eu, que estou atualmente na direção da empresa, vendo o estado de abandono em que se encontra a cultura, os esportes amadores e a educação no Brasil, optei por dar a contribuição da Iram e a minha pessoal para modificar este quadro. Em resumo, o que inicialmente me incentivou foi um sentimento de cidadania e de querer fazer algo além de comprar matéria prima, produzir, vender e pagar impostos o resto da vida. Poucos meses depois estava totalmente envolvido neste processo de patrocínios e voluntariado. Quando optamos por uma atuação verdadeira na área de cidadania, notamos quanto tempo perdemos por não termos feito nada antes para melhorar a sociedade em que vivemos.
CeM – como é o planejamento cultural: é desenvolvido por você, uma equipe interna, ou vocês escolhem entre projetos que recebem pedindo apoio?
Dirceu – Eu faço questão de cuidar pessoalmente dessa área pois para mim não é um trabalho: é uma satisfação. Todos os dias após as 17 horas leio todos os projetos que me chegam através do correio ou da internet – e chegam muitos inclusive de outros estados – e também aproveito minhas noites e fins de semana para acompanhar o que estou apoiando e ver outros trabalhos que me despertam interesse. Eu me envolvo totalmente neste processo: a primeira peça que patrocinei (“Einstein”), por exemplo, assisti sozinho ou com meus convidados 36 vezes! “Anjo Duro” e “Édipo Rei” e outras que gostei muito assisti apenas de 12 a 15 vezes cada uma, pois as temporadas foram menores.
Atualmente me voltei a instituições culturais e soupresidente da Sociedade dos Amigos da Casa das Rosas, e apoiador do Centro Cultural São Paulo e da Oficina da Palavra-Casa Mario de Andrade. Faço isso pois assim estou maximizando a atuação da Iram: apenas o Centro Cultural SP promoveu, de Janeiro a Junho de 2001, 674 eventos com um público de 291.624 pessoas.
CeM – De quanto são os investimentos?
Dirceu – Em termos de valores comecei empregando 2% do faturamento bruto mensal na empresa em apoios a cultura, esportes e educação, porém há meses em que aplico até 5% – sempre a titulo de mecenato, como já citei.
CeM – Quando um projeto cultural é escolhido ou desenvolvido, qual a relação dele com o público-alvo da empresa e com a comunidade (comunidade de funcionários, do bairro em que a empresa está, com a cidade)?
Dirceu – Estou consciente de que eu apoio dois tipos de trabalhos: um que é muito necessário porém que poucas emprêsas se arriscam a atuar: é o do patrocinio de trabalhos de pesquisa em teatro e dança. As empresas não gostam porque não dá visibilidade e o público é bem específico. Porém eu, particularmente, acho necessário este tipo de apoio, assim como é necessario o trabalho de pesquisa pura em física, quimica, etc. Sem eles não haverá futuro. O meu segundo tipo de apoio é para aquele que dá um retorno mais concreto para a sociedade, ou seja: peças de teatro, eventos de dança ou palestras dos atletas, em que eu possa levar meus funcionários e suas famílias, convidados, os alunos e professores da escola que eu apoio, e que sejam vistos pelo grande publico.
CeM – Que instrumentos de medição de resultados do investimento são utilizados e quais são esses resultados?
Dirceu – Como todo este processo é recente para mim, menos de dois anos, os instrumentos de medição são ainda empíricos, porém os resultados foram muito, mas muito mesmo superiores aos que eu imaginava: já recebi carta de incentivo de um senador, os parabéns de toda classe empresarial e matérias em grandes jornais, além de duas entrevistas na televisão, e tive a satisfação de ver a Iram ser citada em levantamentos e trabalhos sobre os apoiadores da cultura no Brasil ao lado de bancos e grandes empresas.
Considerando-se que a Iram tem apenas 30 funcionários, um retorno e reconhecimento num volume destes em apenas 23 meses é algo inacreditável. Mas um retorno financeiro deve vir num prazo de 3 a 5 anos, que é também o prazo de retorno para um investimento na indústria, por exemplo a compra de uma nova máquina, coisas assim.
CeM – Do seu ponto de vista, como pode ser melhor realizada essa associação da iniciativa privada com a cultura para benefício da sociedade? Como aliar ações sociais às ações culturais?
Dirceu – Exceto aquele trabalho de apoio à pesquisa que comentei, não estou mais apoiando projetos em que o grupo ou o artista não me dêem uma clara visão do retorno que o apoio dará para a sociedade. Por isso apóio eventos semanais na Casa das Rosas, cuja entrada é franca, na Oficina da Palavra, também com entrada gratuita, e no Centro Culural, cujos ingressos são extremamente baratos. Não me interessa apoiar eventos para as classes mais favorecidas ou para uma elite cultural. Meu público alvo são as pessoas de baixa renda ou as que têm dificuldade em ter acesso à cultura e à informação. Até o casal de alpinistas que apoio, Paulo e Helena Coelho, acabaram de ganhar um prêmio internacional da UNESCO pela conduta ética em esportes, e constantemente dão palestras à escolas e instituições filantrópicas.
CeM – O investimento, no caso da Iram, sei que não se dá por meio de leis de incentivo à cultura. Como é isso? O que você pensa desse assunto hoje em dia? A opção de não usar as leis se deve ao porte da empresa?
Dirceu – A Iram é uma das raríssimas empresas que apóia atualmente através do mecenato. Faço isto por não poder utilizar as leis de incentivo, já que minha empresa é de pequeno porte. Mesmo assim tenho a certeza que cada centavo que apliquei foi bem utilizado e faria tudo novamente se tivesse que começar de novo. Em vez de desanimar ou desisitir, transformei o fator negativo de não poder me beneficiar das leis de incentivo em um diferencial: sou respeitado nos meios empresariais justamente por este mecenato, e com isso vejo todas as portas se abrirem para mim com muito mais boa vontade.
CeM – A porcentagem de investimento permitida usando uma lei de incentivo (em torno de 4% do imposto de renda devido) é equivalente ao valor que a Iram já investe normalmente espontaneamente?
Dirceu – A Iram já investiu muito mais do que os 4% permitidos quando se usa uma lei de incentivo. Gostaria de deixar bem claro que vejo esta verba como um investimento no próprio futuro do país, muito mais do que uma operação financeira. Mesmo na pior das crises que possam vir no futuro estarei apoiando com o que puder a cultura, ou cedendo um espaço e máquinas na minha indústria para que artistas plásticos executem seu trabalho, como farei no ano que vem com uma escultora que trabalha com aço.
Para concluir gostaria de deixar uma mensagema aos empresários: estou trabalhando na Iram há 27 anos. Nunca me senti tão útil à sociedade como agora. Mas não basta apenas abrir um talão de cheques e patrocinar. O empresário deve envolver-se com aquilo que está fazendo: participar e procurar obter o maior alcance social possível do seu apoio. Sem perceber, ele estará deixando a sua marca no tempo em que viveu, sua empresa estará sendo útil, e ele poderá dizer que fez a sua parte.
Serviço:
Industria Mecânica Iram Ltda.
Dirceu Amadio (Diretor)
iram@iram.com.br
www.iram.com.br
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