?A cultura sempre careceu no Brasil de uma visão estratégica centrada no desenvolvimento humano de nosso povo?O Instituto Pensarte assume a responsabilidade, como membro ativo da sociedade civil, de tomar também para si a discussão sobre política e orçamento culturais. Apresenta-se como a voz civil no debate que ocorre, em outro nível, nas esferas oficiais, como ministério (com o Seminário Cultura para Todos) e secretarias da cultura brasileiros.

Para tanto, em junho de 2003, o Instituto lançou o Seminário Visões da Cultura iniciando um ciclo de debates que se encerraram no dia 9 de setembro do mesmo ano com a intenção de avaliar a situação do setor no país, fixar proposições gerais para a formulação de uma política cultural para o Brasil e subsidiar o próprio Instituto Pensarte, e outras instituições congêneres, para a elaboração de projetos de políticas culturais para o Brasil. Com base na participação da sociedade, que enviou centenas de propostas e contribuições, durante o tempo de duração do Seminário, o Instituto Pensarte apresentará aos órgãos públicos e à sociedade brasileira uma Carta Propositiva que reflita o pensamento e as necessidades apresentadas pelos participantes. Pela sistemática identificada como a mais profícua, o Seminário foi dividido conforme os seguintes setores que manifestam a cultura nacional: artes cênicas, artes visuais, audiovisual, cultura popular, livro e leitura, museus, música e patrimônio. Para cada um desses setores formularam-se propostas, aprovadas pelos presentes ao encerramento do Seminário Visões da Cultura, que integram a Carta Propositiva.

Ainda, o Fórum que o Instituto Pensarte busca organizar com outros atores da comunidade cultural deve servir de porta-voz da sociedade civil no debate de política e financiamento. Com isso, pretende-se um acompanhamento constante da situação da cultura no país, modificando a lógica que hoje impera na qual a sociedade apenas se reúne em momentos de crise ou de ameaça, quando, muitas vezes, já é tarde demais. O Instituto Pensarte deverá colaborar com o governo lutando pela inclusão da sociedade civil em toda e qualquer ação que envolva a cultura no país.

O momento dessa proposição nasce de uma necessidade e de uma oportunidade únicas. Ao mesmo tempo em que se observa a tendência oficial em se limitar as leis de incentivo à cultura, nota-se o movimento de diversos setores nacionais busca por mais recursos destinados à cultura. Nesse aspecto ganha maior relevância a iniciativa do Instituto Pensarte como catalisador de vozes e divulgador de novas propostas que visem ao bem democrático do acesso ao bem cultural.

Com o afastamento sistemático da sociedade, a cultura sempre careceu no Brasil de uma visão estratégica centrada no desenvolvimento humano de nosso povo, tornando-se um instrumento quase exclusivo de deleite de uma elite econômica. A verdade da assertiva transparece quando notamos que historicamente a cultura serviu ao sabor de ideais de governos, sendo o setor primeiro atingido por cortes de verbas estatais, levando-se ao cúmulo de ter, no período Collor, toda sua estrutura desmontada.

Com o desenvolvimento das leis de incentivo fiscais, que em nível federal teve como marco a lei Rouanet, 1991, e o retorno do Ministério da Cultura, em 1994, levou-se à iniciativa privada a prerrogativa maior de investimento cultural com o benefício de renúncia fiscal por parte dos governos. Esse novo mecanismo (que hoje se apresenta em 16 estados, na União e em diversas cidades) possibilitou a criação de um novo estado da cultura no país, com o desenvolvimento de diversas áreas e a profissionalização de empreendedores, artistas e investidores da área cultural.

No entanto, não foi capaz de criar qualquer estrutura que garantisse a permanência da cultura na pauta nacional. A falta de uma importância estratégica que a cultura tem na sociedade brasileira, o que se demonstra pela instabilidade de suas instituições oficiais, ainda é latente. Confundiu-se, na verdade, instrumento de política cultural com a própria política, suprindo a primeira, sem eficácia, a falta da última.

Neste sentido, as leis de incentivo à cultura que possibilitem renúncia fiscal devem fazer parte de estrutura reguladora que determine princípios e objetivos de uma política cultural pública e que demonstre à sociedade a competência que a cultura possui em gerar riquezas econômicas e em afirmar a essência identitária dessa sociedade. É necessário que se compreenda a renúncia fiscal como um instrumento de política cultural com fim específico, de financiar ações culturais que possuam capacidade de retorno de mercado para os investidores da cultura ao qual ela se adapte melhor. Portanto, para que o mecanismo funcione com maior vigor, ele deve ser entendido em meio a outros mecanismos de financiamento que possam abarcar de modo completo as diversas dimensões de expressão cultural.

Ganha sentido, então, a proposta que o governo federal vem levantando de criação de fundos nos estados e na União com o fim de destinar verba direta dos governos a iniciativas culturais. Desse modo, os fundos teriam uma ingerência direta governamental. Serviriam para o financiamento de projetos menores e relevantes social ou artisticamente, que não tem necessariamente a competência de alcance de visibilidade de mercado para que se adapte aos benefícios de renúncia fiscal. No entanto, há de se salientar, uma vez mais, a especificidade do objetivo que os fundos devem contemplar, não podendo ocorrer como negativa ou substituto dos mecanismos já existentes, mas como um complemento dentro de uma estrutura ampla de incentivo à cultura.

Por fim, é necessário que se ataque uma problemática central na discussão de cultura: o baixo orçamento (soma de recursos do tesouro nacional e do fundo nacional de cultura) destinado ao Ministério da Cultura que mesmo com o aumento anunciado pelo governo federal para o ano que vem, ainda representa o segundo menor de toda a União.

O orçamento destinado ao ministério, além de capacitá-lo para o desenvolvimento de ações estruturais em cultura (hoje extremamente abalado pela falta de investimentos) pode significar uma mudança de visão frente à cultura por parte do governo federal, demonstrando o seu valor no processo de desenvolvimento social. É de se notar que a cultura deve ser encarada sob essa perspectiva que não se limita ao artista, mas que entende seu bem como um benefício social, integrada a outras ações do governo.

Nesse sentido, desde seu Manifesto, o Instituto Pensarte luta pela destinação de 1% do orçamento da União ao Ministério da Cultura, implicando em um crescimento significativo não apenas do montante de verba, mas especialmente de visão estratégica a ser dada a cultura. A campanha iniciada pelo Instituto é hoje encampada por diversos setores da sociedade civil e por membros do próprio governo federal, como pode ser notado em diversas manifestações do ministro Gilberto Gil. No entanto, ainda não alcançou seu objetivo devendo permanecer na pauta até que tenha sua importância reconhecida e assumida pelo governo.

Com essa estrutura de disseminação de mecanismos de financiamento e uma clara determinação do sentido público que o governo federal deseja à cultura, com a implementação de uma política cultural efetiva, a cultura no Brasil poderá, finalmente atingir o fim a que deve se destinar. O acesso democrático e livre será possível, com o respeito à diversidade, à toda a população. De um benefício da elite econômica do país, a cultura passará a ser um direito da população (respeitando, inclusive, o texto constitucional) sendo parte do desenvolvimento humano, espiritual e da identidade brasileira, em seu caráter próprio ao mesmo tempo em que diverso.

Não negar o que existe, mas entender a necessidade de se ampliar os benefícios (com a melhor regulação de leis de incentivos fiscais, fundos e maior orçamento) dentro de uma visão estrutural é ao que o Instituto Pensarte procura dar voz em suas ações, cumprindo assim sua missão principal de articular o setor cultural contribuindo para transformar a sociedade brasileira através da cultura.


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Sergio Ajzenberg


editor

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