“Não há milagre: a prioridade não está onde está o discurso, mas sim onde estiver o recurso”O CBC, Congresso Brasileiro de Cinema, congrega 40 entidades de todos os segmentos da atividade audiovisual do país –de escolas de cinema à federação dos exibidores, incluindo a produção, direção, distribuição, infraestrutura, pesquisa, crítica, preservação etc. Foi constituído pelos dois últimos congressos nacionais de cinema, realizados nos anos de 2000 e 2001, nos quais as resoluções por consenso atribuíram-lhe uma instância de representação do setor audiovisual nacional.
O CBC ressalta o papel fundamental que vem realizando a Comissão de Educação e Cultura do Senado e a Subcomissão de Cinema na democratização dos debates de idéias e posições, possibilitando à sociedade civil organizada apresentar de forma transparente e pública o pensamento sobre as questões que se apresentam na pauta desta Casa para as decisões soberanas com reflexos na atividade cultural, cinematográfica e audiovisual de modo particular e da nação de forma geral. O CBC vem trabalhando para manter estreita relação com os demais segmentos culturais organizados, procurando encaminhar nossas demandas em consonância com o interesse geral do setor cultural, do qual somos parte. O CBC tem contado com toda a colaboração, subsídios e apoios dos demais segmentos culturais, o que fortalece sua atuação junto aos poderes públicos e à sociedade em geral.
Para o CBC, a arte e a cultura carecem de mecanismos permanentes de fomento, por meio de fundos públicos, distribuídos por editais, com periodicidade, verba e critérios conhecidos, garantidos, transparentes, democráticos, levando-se em consideração a presença nesse cenário de todas as regiões do País. As leis de incentivo devem contribuir para a diversificação das fontes de decisão e escolha para o apoio à cultura e à arte. Devem se consolidar como um mecanismo a mais que garanta a diversidade das opções e também que desenvolva o gosto, o hábito e a responsabilidade de todos pelo fortalecimento da expressão artística e cultural da Nação.
O que vivemos durante quase uma década, após o furacão presidencial Collor que “zerou” a cultura e a arte do país, foi a crença do Estado de que, ao se recriarem as leis deincentivo culturais, estaríamos provendo o país de uma política pública nacional para a cultura e a arte brasileiras.
Os setores culturais organizados, como o audiovisual porexemplo, sempre viram criticamente esta compreensão eapontaram a necessidade de uma abordagem sistêmica quegerasse políticas públicas nacionais, que enfrentasse o apoioinsuficiente à cultura e a responsabilidade de encará-la comouma atividade produtiva estratégica para o País. É patente a riqueza de manifestações culturais do Brasil, comum território de dimensões continentais, revelando umadiversidade que em si representa uma invejável reservapotencial que estimulada pode se transformar não apenas naimagem que resultará na verdadeira face de uma nação,povoando os nossos imaginários com o que somos,possibilitando a emergência da auto-estima de um povo que sereconhece, mas também representando uma valiosa fonte detrabalho, de geração de empregos e de renda.
Recursos advindos não apenas da disponibilização dos nossos produtos culturais, frutos da criação e inventividade de nossos artistas e criadores à nossa sociedade, mas também do retorno que possibilitará o acesso ao mercado externo. Comparamos o manancial cultural do País a nossas jazidas de petróleo, disponíveis e ainda não exploradas, com a vantagem de que quanto mais venha à tona, tanto mais ela se desenvolverá, se expandirá, não havendo o risco do esgotamento,disponibilizando ao país um tesouro inesgotável.
Com essa perspectiva, podemos afirmar que a cultura não pode continuar sendo vista como um problema a exigir sempre uma ajuda do Estado, mas sim como uma solução, uma aliada no enfrentamento das grandes questões que a Nação tem que vencer. Há estudos que demonstram o peso do setor cultural na produção brasileira hoje. Com o pouco estímulo que recebe, a cultura já gera recursos estimados em 5% do PIB. Mas o Estado não tem retribuído no mesmo patamar, mesmo considenrando apenas o ponto de vista econômico-financeiro, o que demostra no mínimo a insensibilidade para a vocação criativa de nosso povo, para transformar o país num celeiro cultural capaz de preservar asnossas ricas identidades e oferecer ao país uma alternativaconsistente de crescimento de renda.
A cultura é comprovadamente o setor que mais cria emprego por recurso aplicado. Num país onde há déficit alarmante de vagas de trabalho, só esta propriedade já deveria colocá-la como prioridade nacional. Uma Nação em desenvolvimento, apresentando ainda umnível precário para as exigências deste novo milênio, devíamos estar atentos para as conclusões do estudo realizado pelo BID, três anos atrás, que condiciona a possibilidade do desenvolvimento econômico e social de um país ao seu desenvolvimente cultural. Não há milagre: a prioridade não está onde está o discurso, mas sim onde estiver o recurso. Hoje o montante que conta o MINC em seu orçamento os Cr$160 milhões de reais, corresponde a 0,26% dos Cr$400 bilhões do orçamento total da União.
Neste momento, quando tramita em nosso Congresso Nacional umareforma tributária que tenta resolver problemas estruturais graves do país, vemos entre tantas propostas justíssimas uma grave perversidade. Da forma como foi aprovada na Câmara Federal, a reforma extingue a continuidade de uma das principais fontes de fomento da cultura e da arte que vem permintindo a tão prometida descentralização. Sob o argumento de impedir a indesejável guerra fiscal entre os Estados, atinge pelo menos 17 unidades da Federação e retira em curto prazo, um montante entre R$ 150 a R$ 200 milhões dos apoios que vemrecebendo a cultura, que não participa e não contribui para nenhum tipo de guerra. Ao contrário, ela constitui-se na atividade que mais constrói as bases para o entendimento e a paz, e contribui para a integração e a igualdade regionais.
O texto da reforma tributária aprovado na Câmara no dia 4 de setembro permite aos Estados manterem as leis estaduais de incentivo à cultura por apenas mais três anos. Depois disso, não será mais possível apresentar novos projetos culturais com benefício desse mecanismo e aqueles já aprovados terão prazo de onze anos para serem finalizados, contados a partir da data de publicação da reforma no Diário Oficial da União.
Nesse momento estarão eliminadas todas as leis de incentivo baseadas em renúncia de ICMS. Por outro lado, os Estados poderão vincular a fundos de cultura até 0,5% da receita líquida do imposto, a critério de cada governo estadual, podendo a cultura contar com esse recurso ou não. Na verdade esse adendo não obriga o Governo a criar um fundo com 0,5% por cento do ICMS arrecadado, mas criou um teto que não havia antes para esse incentivo, 0,5%. Hoje, o incentivo estadual à cultura proveniente do ICMS é considerado um dos mecanismos que contribuem para que a desigualdade entre os recursos investidos nos diferentes Estados seja minimizada, o que é desejável. Um simples parágrafo e essa conquista será mantida. É pedir muito? Diante de tantas negociações necessárias para se chegar aos consensos, quem seria contra essa medida?
É necessário mencionar o montante com que a cultura conta, como atividade estratégica desse novo momento brasileiro: apenas 0,26% do orçamento Federal. Ainda que se chegasse a 1%, conforme a meta defendida pelo ministro Gilberto Gil e pelas diferentes lideranças do setor, o valor ainda seria irrisório. Basta confrontar com outros países. A França, por exemplo que tem servido de paradigma para nossa reação a ocupação avassaladora de uma cultura alienígena, segundo depoimento de um adido cultural francês, há pouco tempo atrás, a dotação do Ministério da cultura francês é de 12 bilhões de euros.
Dá para entender que a renúncia fiscal dos incentivos culturais estaduais, no Brasil, vem complementando esta bárbara deficiência dos orçamentos, ainda com a precariedade que nós sabemos, vivemos e vimos apontando.As Secretarias Estaduais e Municipais, também destinam para a cultura, importâncias insignificantes em seus orçamentos.
Não podemos diminuir esse mínimo. Ao contrário, é urgente pensar em ampliá-lo. Temos que estabelecer uma política pública da cultura para o Brasil em nível nacional, implantá-la, avaliá-la, ver seus efeitos na prática, sem interromper ou comprometer os mecanismos em vigor neste momento, garantindo que as atividades culturais e artísticas do pais não se extingam e que não tenham solução de continuidade. Por outro lado, o direito a incentivos culturais são mantidos para doisníveis de administração pública: a federal e a municipal, e é retirado esse direito às instâncias estaduais o que fere o princípio da isonomia.
Podemos estar certos e tranquilos: não são os parcos recursos aplicados em cultura no país que estão causando o déficit das contas públicas da Nação ou aumentando sua dívida no exterior. Com uma política vigorosa de apoio à atividade cultural, teríamos mais empregos, pagaríamos mais impostos e haveria menos violência, pois estaríamos oferecendo opções de trabalho e lazer, de qualidade de vida. Aumentaríamos a auto estima do povo brasileiro, remeteríamos menos divisas para o exterior e certamente traríamos recursos ao país, promovendo o acesso de nossos produtos culturais nos mercados externos.
Não se deve inviabilizar o que vem funcionando, ainda que caibam correções, conforme as inúmeras propostas já apresentadas pelo setor. Neste caso, governos estaduais e municipais e o próprio Ministério da Cultura estão em consenso com a sociedade civil organizada, lutando pela preservação do incentivo estadual, na defesa de suas manifestações culturais. Só a mobilização permanente do setor cultural em nível nacional e a sensibilidade do nosso legislativo possibilitarão a garantia dessa conquista.
Assunção Hernandes é Presidente do Congresso Brasileiro de Cinema e do Sindicato da Indústria Cinematográfica de São Paulo-Sicesp.
Pronunciamento à Subcomissão de Cinema e à Comissão de Educação do Senado.
Assunção Hernandes