Entrevista com George Yúdice, um dos maiores especialistas mundiais em políticas culturais e professor da Universidade de Nova York

George Yúdice é PhD em literatura pela Universidade de Princeton, nos EUA, e diretor do Center for Latin American & Caribbean Studies, na Universidade de Nova York. É ainda Diretor de Estudos Culturais no Inter-American Cultural Studies Network – IACSN e tem diversos livros publicados. Um dos mais importantes é “On Edge: The crisis of contemporary latin-american culture” (No limite: a crise da cultura latino-americana contemporânea), com Jean Franco e Juan Flores (Minneapolis: Univ. of Minnesota, 1992). No Brasil, teve publicado “A Conveniência da Cultura: usos da cultura na era global” (Editora UFMG, 2004).

No último dia 10, Yúdice esteve em São Paulo fazendo a conferência de abertura do seminário “Políticas Culturais & Eleições”, realizado no Espaço ArteCidadania, em São Paulo, e concedeu esta entrevista a Leonardo Andrade para Cultura e Mercado:

CeM: Em sua palestra no Seminário Internacional Políticas Culturais & Eleições, o senhor falou sobre uma cultura integrada, articulada com as esferas de governo. Qual o risco, a  longo prazo, de não se enxergar a cultura como um processo integral, ou seja, continuar no modelo político atual e tradicional, que enxerga a cultura fechada em poucas expressões artísticas?

GY: Quando se vê a cultura dessa forma tradicional, perde-se a oportunidade de incidir nessas outras esferas. A cultura vai continuar sendo dança, teatro, filmes, e se perde a oportunidade de trabalhá-la como recurso de sociabilidade, governabilidade, segurança, educação. Desde a perspectiva da sustentabilidade, a cultura tem essa função. A cultura tem esse potencial de desenvolvimento. É um desperdício o que hoje se faz em termos de políticas culturais. Condena-se a cultura a continuar sendo um setor menor dentro de todo o aparato do Estado. A sociedade não aproveita o que está acontecendo em áreas que não são as áreas convencionais da cultura. Mas ela está aí: nos bairros, cidades, empresas, em toda a parte. Devemos aproveitar isso e ter uma visão muito mais integral da cultura.

CeM: Nessa visão integral o senhor coloca ainda a educação com uma abrangência ainda maior, englobando todos os outros processos. Qual o papel da educação nesse todo?

GY: A primeira coisa é que deveria se ensinar a cultura nessa forma mais ampla. A cultura não é só dança, artes plásticas e cinema. Mas está presente desde o que se faz numa festa de bairro, até atividades que poderiam acontecer num bar com oferta cultural, até as artes mais formais… Isso quer dizer que não só nas escolas, mas também nas universidades, teria que se treinar os professores para compreenderem essa visão mais ampla da cultura. Eu não sei por que nas escolas ainda não se faz isso. Por exemplo, parte dessa visão mais ampla se ensina na antropologia, mas essa matéria não tem lugar na escola básica. Isso é incrível: existe na universidade, mas não no ensino básico e fundamental. Chega-se na universidade e a pessoa se pergunta o que é antropologia, o que é filosofia? Aprende que antropologia é a vida de todos os dias. E isso se chama cultura e não o que ele entendia antes por cultura. O dever da educação é estimular a criatividade das pessoas. Por exemplo, na informação: todos falam da sociedade da informação, todos lidam com conhecimento. Mas a cultura continua sendo as artes tradicionais e não uma das partes mais dinâmicas da criatividade.

CeM: Falando em diversidade cultural, o senhor afirmou que as pequenas e médias iniciativas culturais têm grande importância. Como essas expressões podem ganhar visibilidade e contribuir nesse processo?

GY: Penso que se essas iniciativas tivessem um incentivo para distribuírem o que fazem, em qualquer área da cultura, então isso chegaria até as pessoas. O maior problema tem sempre a ver com a distribuição. Por isso Hermano Viana e seus colegas criaram o site Overmundo (www.overmundo.com.br). Ele traz informações de todos os estados do Brasil e tenta incluir expressões de várias áreas. Você pode entrar lá e navegar, achar coisas que não encontraria nos meios convencionais. É claro que só se acha o site navegando, não há quem o leve até ele pela mão. Mas por que não fazer isso nas escolas, usar esse site? Precisaria haver incentivos em outras áreas, outras formas de distribuição, na televisão, rádio… O problema é que a televisão passa por uma questão privada e que não serve necessariamente aos interesses da sociedade.  Uma televisão que tivesse essa oferta seria muito, muito importante.

CeM: A integração entre setor público, setor privado e sociedade organizada seria um caminho para se atender essa demanda?

GY: Sim. Mas eu me pergunto quem do setor privado colaboraria (por exemplo) numa televisão  pública que não exibisse os programas mais lucrativos. Nos EUA a TV pública é financiada pelos usuários e não pelo governo. E mesmo assim tem dificuldade em apresentar coisas muito diversas. É difícil, pois existem interesses políticos, religiosos e econômicos que impõem censura a tudo que se chama “público”.

CeM: Falando em propriedade intelectual, qual seria o modelo mais próximo ao ideal para se garantir o acesso e a produção, sem se esquecer de autores e criadores de bens culturais?

GY: O problema é como se gerencia e administra a propriedade intelectual. Caso das indústrias culturais: digamos que dos R$35 que custa um CD,  R$3 vão para o criador e o CD e o plástico custam R$1. Aí foram R$4. Os outros R$31 vão para marketing, lucro da empresa e impostos. O problema aí é que esse produto está inserido num sistema muito caro, que gera grande lucro para a empresa e onde o fim é o lucro e não necessariamente a socialização. Acho que poderia haver empresas que usam direitos autorais, mas com um sistema mais barato. Porque num país como o Brasil a grande maioria não pode pagar R$35 por um CD. Por isso existe pirataria. O sistema de Creative Commons é um caminho: ali não existe empresa, ou poderia existir, mas que coloca seu produto em Creative Commons, com licenciamento para isso. Ali não há grande gasto com marketing, a empresa não está lucrando muito, está pagando ao artista mais ou menos o mesmo que ganharia a empresa privada normal, valorizando-o. O produto então custa menos, é mais fácil de distribuir ao público. Haveria uma diferença na distribuição desse produto, que tem direito autoral. Outro exagero é o que fazem muitas empresas que trabalham com direito autoral,  estendendo o período de vigência. O direito autoral começou em sua história com prazo de vinte, trinta anos. Hoje em dia, nos EUA, está em setenta e subindo, querem continuar lucrando com esse produto. Isso é muito difícil (e custoso) para a sociedade, sobretudo para aqueles que querem usar o produto e em cima dele fazer outra criação. Quando você tenta usar e tem que pagar para isso, é muito caro e se torna uma restrição ao uso criativo. Esses são os exageros, os abusos na administração da propriedade intelectual. Poderia ser algo mais razoável, muito mais.

CeM: Fale um pouco sobre os desafios de países em desenvolvimento, como o Brasil, pensando em gestão cultural e políticas culturais que visem o crescimento, a diversidade cultural, o diálogo com outras culturas, sem deixar de proteger suas próprias expressões.

GY: Um dos grandes desafios são as grandes empresas, os grandes consórcios que dificultam a aplicação dessas políticas. Provavelmente vai ser menos problemático na China, pois é uma ditadura e se o governo diz vamos impor restrições, elas são impostas. Aqui é mais difícil. Quando um governo sai acabam as políticas desse governo. Mas acho que não se deve usar a cultura só para o desenvolvimento econômico, o que seria uma tentação. Quando se fala em cultura para o desenvolvimento, não é só o econômico, mas também da criatividade, da sociabilidade, da segurança. Uma das coisas típicas de países como Brasil, México, ou certos países da América Central, ou da Colômbia é a enorme violência. Então a cultura poderia servir para diminuir essa violência. Está muito bem vender produtos, vender telenovelas. Mas a cultura é também um ativo para se trabalhar com esses problemas. Claro que não é a solução única, porque muitos desses problemas têm a ver com questões políticas, narcotráfico, relações entre traficantes e a polícia. Mas também há muitas coisas que devem agir junto com a cultura para produzir uma situação de sustentabilidade social e cultural.


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