Um conceito ainda em formação, que extrapola a cultura e as indústrias criativas

Muito se fala sobre Economia Criativa, porém ainda não se sabe bem o que ela significa…Me atrevo a propor (em duas partes) uma série de características que podem ajudar a visualizar o que é este setor, que tem sido considerado uma grande estratégia de desenvolvimento para o século XXI. É importante ressaltar que minha visão é resultado de experiência prática: sou uma “fazedora”. Meu ponto de vista em relação à economia criativa vem da prática, não sou pesquisadora nem especialista em teoria sobre o assunto. Não pretendo nada além de compartilhar uma reflexão.

Economia Criativa é um conceito ainda em formação para designar um setor que inclui, porém extrapola, a Cultura e as Indústrias Criativas, vamos então ver um pouco destes setores e o que têm em comum.

Em minha opinião (desculpem-me economistas…), a Cultura é o setor mais abrangente, se considerarmos cultura em seu sentido antropológico e amplo (e não a confundirmos com produção artística, confusão muito comum). Adoro uma frase do escritor José Saramago, algo como “a Cultura é como a atmosfera: não a percebemos porque estamos imersos nela”. Cunhei uma definição, curtinha e prática, do que para mim ela representa: “cultura é tudo aquilo que cria, e portanto transforma, mentalidades (o que pensamos ) e hábitos (como fazemos)”.

Isso porque acredito que o mundo é feito de (pelo menos…) duas dimensões sobrepostas: o mundo tangível, nosso ecossistema físico (bastante conhecido e reconhecido…) e o mundo intangível, nosso ecossistema cultural (ainda não reconhecido e estudado de forma integrada e sistêmica). Um depende da biodiversidade, outro da diversidade cultural. Proponho que comecemos a trabalhar com a idéia de ecossistema cultural e espero que em breve ele seja tão valorizado e estudado como tem sido o ecossistema ambiental, físico. Estou cada vez mais convencida de que para ter resultados, precisamos sempre trabalhar simultaneamente os aspectos tangíveis e intangíveis de cada situação ou processo.

A Cultura tem intersecções com a Indústria e a Economia Criativas, porém vai além,  pois nem tudo que ela engloba pode ter um viés econômico (a não ser que se considere também economia numa perspectiva ecológica e mais abrangente, já que têm a mesma raiz: oikos, casa).

Indústria Criativa é tanto conceito quanto setor adotados pela maioria dos países desenvolvidos, muitas vezes inspirados no modelo (de fato pioneiro) proposto pelo Reino Unido,  e que tem como principal característica o fato de gerar Propriedade Intelectual (PI) e estar mais focada na produção, não englobando aspectos como distribuição e acesso.

Existem algumas características em comum aos três, tais como:

– incorporam elementos tangíveis e intangíveis dotados de valor simbólico
– usam conhecimento, criatividade e capital intelectual como principal recurso
– são tanto fator de socialização, identidade e soberania quanto setor econômico
– formados por três núcleos: Núcleo das Artes, Núcleo da Produção de Conteúdo Criativos e Núcleo de Serviços Criativos.

Alguns dizem que a diferença entre Indústria e Economia Criativa é o fato desta última incluir distribuição (não apenas produção, mais associada com Indústria Criativa), porém ainda muito baseada em PI. Considero uma diferença demasiado sutil e que não abarca as muitas dimensões da Economia Criativa. Considero que o que distingue a Economia Criativa , e a torna particularmente salutar  do ponto de vista social e econômico, é o seu caráter includente.

Isso porque nossa perspectiva é o desenvolvimento, e por desenvolvimento entendemos o processo de ampliação de escolhas (como proposto por Amartya Sem). E o que o favorece ampliação de escolhas é tudo aquilo que tenha este desejado caráter includente. Enquanto o atributo chave do século XX foi “exclusivo” (e PI está ligada a este atributo), espero que o atributo chave do século XXI seja “inclusivo”.

Em síntese, o grande diferencial da Economia Criativa é que ela promove desenvolvimento sustentável e humano e não mero crescimento econômico. É este o ponto de vista que o Brasil tem reforçado em sua participação em encontros internacionais sobre o assunto (e temos tido o privilégio de fazer parte de alguns deles).

Como o assunto é vasto, deixo para compartilhar em uma segunda parte deste artigo quais as características que permitem que a Economia Criativa tenha este papel transformador. E esperamos que nossas lideranças – governamentais e empresariais – acordem para esse potencial com a maior rapidez possível. Afinal, esse nosso gigante Brasil ainda está adormecido para o imenso manancial que sua criatividade representa.

Lala Deheinzelin


Diretora-presidente da Enthusiasmo Cultural, coordenadora do Global Committee on Creative Economy e diretora de cooperação internacional do Instituto Pensarte.

3Comentários

  • Lola Laborda, 11 de agosto de 2006 @ 10:43 Reply

    Lala,
    Parabéns, pela forma(simples e abrangente) e conteúdo(substancial e elucidativo), do seu artigo sobre economia criativa.
    Oportuno e muito bem escrito, traz a marca da sua lucidez, o que faz de vc, uma PERSONA da atividade cultural, no Brasil.
    Grande abraço,
    Lola Laborda
    Membro do Instituto Pensarte em Salvador
    Membro da Diretoria do Núcleo de Estudos sobre Gramsci- NEG/Ba.
    Membro da Diretoria da Associação Baiana de Cinema e Vídeo- ABCV
    Coordenadora e curadora do Festival CineMulher
    A propósito: Vc envia o endereço eletrônico da Rose Lacreta, pra mim, por favor?

  • lala deheinzelin, 25 de agosto de 2006 @ 14:46 Reply

    Olá Lola, obrigada por seu comentário e parábens por seu belo curriculum. Segue o email da idê lacreta, que pode te passar o da Rose.idelacreta@osite.com.br abraços

  • roberto, 17 de setembro de 2006 @ 22:15 Reply

    Olá, estudo economia na faculdade federal de Santa catarina e estou muito interessado em fazer minha monografia em cima do tema de economia cirativa.. agradeço se me mandarem tudo q poderem sobre o assunto. Grato pelo atenção

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